Acórdão nº 5899/09.2TVLSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 16-10-2013

Data de Julgamento16 Outubro 2013
Número Acordão5899/09.2TVLSB.L1-7
Ano2013
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – Relatório.
Na … Vara Cível de…, B, S.A., intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra «R, S.A.», alegando que, em 1/7/02, celebrou com a sociedade O, S.A., um contrato de factoring, nos termos do qual esta se obrigou a ceder à autora, que se obrigou a aceitar, com carácter de exclusividade, a totalidade dos seus créditos de curto prazo sobre os seus clientes, entre os quais se encontrava a ré.
Mais alega que a aderente O remeteu à ré, em 3/7/02, carta a comunicar que, a partir daquela data, tinham passado a ceder à autora todos os créditos, presentes e futuros, sobre a ré, provenientes de relações comerciais entre ambas, cabendo à autora, na qualidade de cessionária dos respectivos créditos, proceder à cobrança dos mesmos e emitir os respectivos documentos de quitação.
Alega, também, que se obrigou a pagar adiantadamente os créditos cedidos pela aderente, deduzindo a comissão de factoring e os juros intermédios, cumprindo-lhe diligenciar junto da ré pela cobrança daqueles créditos, a qual sempre liquidou as facturas cedidas pela O directamente à autora, na data do vencimento ou até anteriormente, sem suscitar qualquer tipo de questão.
Alega, ainda, que em finais de Março de 2009, quando começaram a surgir os rumores das dificuldades financeiras da O, a autora enviou à ré uma relação das facturas emitidas pela O sobre a ré e que se encontravam por liquidar, incluindo aquelas que ainda não se encontravam vencidas, no valor global de € 25.133.609,88, tendo a ré respondido que nenhuma dessas facturas era devida, algumas porque não constavam da sua contabilidade, outras por já se encontrarem pagas e outras, ainda, por terem sido devolvidas à O, já que não correspondiam a pagamentos efectuados.
Alega, por último, que a O foi declarada insolvente por sentença de 8/5/09, mas que a ré está obrigada a proceder ao pagamento à autora das facturas cedidas antes da declaração de insolvência, ainda que só vencidas posteriormente.
Conclui, assim, que deve a ré ser condenada, a título principal, a pagar à autora o montante de € 25.133.609,88, correspondente a facturas cedidas pela O e não pagas pela ré, ou, caso assim se não entenda, e a título subsidiário, a indemnizar a autora no montante de € 23.661.629,41, correspondente ao prejuízo decorrente dos adiantamentos efectuados à O por conta das facturas cedidas, devendo tais montantes, em ambos os casos, ser acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação.
A ré contestou, alegando que não foram alegados factos relativos a cessões válidas de créditos sobre a ré por parte da O para com a autora, nem foram juntas facturas.
Mais alega que também não foram alegados factos comprovativos do nexo de causalidade entre os invocados adiantamentos e os pretensos créditos.
Conclui, deste modo, que a acção deve ser julgada totalmente improcedente.
A autora replicou, concluindo que a ré deve ser condenada nos exactos termos da petição inicial.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.
Entretanto, a ré deduziu articulado superveniente (fls.1246 e 1247), o qual, após admissão liminar e notificação da autora para se pronunciar quanto ao mesmo, acabou por não ser admitido, por despacho proferido de fls.1393 a 1396.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão sobre a matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 3.290.333,26, acrescida de juros de mora vencidos desde 29/9/09, à taxa legal.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação daquela sentença, onde impugnou, ainda, a decisão que não admitiu o articulado superveniente.
A autora interpôs, igualmente, recurso de apelação daquela sentença.
A ré, enquanto recorrida, requereu, nas suas contra-alegações, a ampliação do objecto do recurso, impugnando a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pela autora-recorrente, tendo esta respondido à matéria da ampliação.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. 1º RECURSO DA RÉ R
2.1.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) A desistência do pedido apresentado pelo Autor numa acção executiva para pagamento de quantia certa com base num título cambiário, que incluía o crédito reclamado na presente acção, teve como consequência a extinção desse direito, por constituir a relação subjacente à relação cartular, a que lhe dá por isso substância.
b) Nas acções executivas a causa de pedir é constituída pela factualidade obrigacional e não pelo título executivo.
c) A desistência do pedido tem na acção executiva a mesma natureza de negócio de direito privado que tem na acção declarativa, constituindo renúncia ao próprio crédito exequendo, sem necessidade de sentença homologatória face ao artigo 918° do CPC.
d) Extinta a obrigação que emerge do contrato de factoring, extinto está o crédito invocado pelo Apelado no âmbito do pedido principal formulado nos presentes autos e, consequentemente, também o está o pedido subsidiário, pelo que a presente acção se tornou supervenientemente inútil, devendo por isso ter sido declarada extinta.
e) Na sessão de julgamento de 6 de Junho, foi proferido despacho em que se declarou nada obstar à admissão do articulado superveniente e foi ordenada a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, despacho esse que transitou em julgado tendo força obrigatória dentro do processo.
f) O douto despacho recorrido ao decidir pela não admissão do articulado superveniente incorreu na nulidade prevista no artigo 668°, n° l, d) do CPC.
g) Foram assim violados os artigos 287°, n° l, alínea e), 295°, n° l, 506°, n° 4, 668°, n° l, d) e 672° do CPC.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e anulado o douto despacho recorrido e declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ou, quando assim não se entenda, ser ordenado o aditamento à Base Instrutória dos factos do articulado superveniente.
2.1.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
A. Uma vez apresentados os articulados referidos nos artigos 467.° a 505.° do Código de Processo Civil, a lei processual somente admite a alegação de novos factos em articulado superveniente, nos termos do disposto no artigo 506.°, n.° l, daquele Código.
B. Conforme resulta do artigo 506.°, n.° l a n.° 3, do Código de Processo Civil, a apresentação de articulado superveniente depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) o carácter constitutivo, modificativo ou extintivo dos factos nele alegados; (ii) a superveniência desses factos, seja por terem ocorrido em data posterior aos prazos marcados nos artigos que antecedem o artigo 506.° do Código de Processo Civil, seja por a parte que os alega apenas ter tido conhecimento deles após os referidos prazos; e (iii) a observância dos prazos mencionados no artigo 506.°, n.° 3, do Código de Processo Civil.
C. De acordo com o artigo 506.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, o articulado superveniente é objecto de despacho liminar, que terá um de dois sentidos: de rejeição, sempre que tal articulado tiver sido apresentado extemporaneamente ou quando for manifesto que os factos nele alegados são irrelevantes para a boa decisão da causa; de admissão, com a subsequente notificação à parte contrária para responder no prazo de dez dias, se o articulado superveniente não for de rejeitar liminarmente.
D. O artigo 506.°, n.° 4, do Código de Processo Civil impõe ao tribunal uma apreciação meramente liminar e, portanto, perfunctória do articulado superveniente.
E. O mencionado controlo liminar do articulado superveniente não prejudica, nem poderia, em boa verdade, prejudicar, a posterior apreciação da sua admissibilidade (e da sua inadmissibilidade), uma vez que, em sede de apreciação liminar, o referido articulado apenas pode ser rejeitado com fundamento na sua intempestividade ou na manifesta irrelevância dos factos nele alegados para a boa decisão da causa.
F. Se, uma vez admitido liminarmente o articulado superveniente, o tribunal concluir que o mesmo é inadmissível por se não verificarem os pressupostos da sua apresentação, deverá ser proferido despacho de rejeição, que não contradiz o despacho de admissão liminar, dado que os objectos e finalidades dessas decisões são diferentes.
G. Ao desistir-se do pedido numa acção executiva está a renunciar-se ao crédito exequendo, que é incorporado no título executivo, que corresponde a uma necessária demonstração da causa de pedir.
H. A causa de pedir na acção executiva é o facto constitutivo da relação obrigacional exequenda, constante do título executivo, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva.
I. Numa acção executiva em que o título executivo é uma livrança e em que a causa de pedir se funda na prestação de aval, somente esses factos fundam a pretensão do exequente, pelo que quaisquer outros factos não alegados para a invocação do direito do exequente não integram a causa de pedir na execução.
J. A desistência do pedido numa acção executiva em que é dada à execução uma livrança e em que são apenas executados os respectivos avalistas implica, tão-só, uma renúncia à relação creditícia que serve de base à execução e somente contra os executados a favor de quem se desiste do pedido, e nunca à relação subjacente à obrigação cambiaria executada.
K. Uma vez que a Apelada apenas renunciou à relação cambiaria subjacente à livrança e não viu o direito peticionado satisfeito por qualquer outra via, os factos alegados pela Ré, ora Apelante, no seu articulado superveniente não são modificativos nem extintivos
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