Acórdão nº 589/15.0JALRA-D.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 09-01-2019

Judgment Date09 January 2019
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Procedure TypeHABEAS CORPUS
Acordao Number589/15.0JALRA-D.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, arguido, melhor identificado nos autos, tendo sido apresentado a primeiro interrogatório de arguido detido nos dias 15 e 16 de Novembro de 2018 e ficado sujeito à medida de coação de prisão preventiva, que reputa como ilegal, vem requerer a concessão da providência de habeas corpus, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, alegando que o despacho que aplicou a medida de coacção não contém “um único facto ilícito” que a justifique.

2. Apresenta, para o efeito, petição subscrita pela sua advogada, nos seguintes termos (transcrição):

“O ora requerente foi detido, em cumprimento de mandados de detenção, no dia 13/11/2018;

Foi apresentado a primeiro interrogatório judicial a 15/11/2018, data em que se procedeu apenas à sua identificação, tendo-lhe sido decretada a prisão preventiva no dia 16 de novembro de 2018 por Despacho Judicial proferido no final dessa diligência.

Por não concordar com a medida de coação que lhe foi decretada, dentro do prazo legal que o requerente tinha para o efeito, interpôs o Requerente o competente recurso para o Tribunal da Relação de Évora.

Naquele Despacho a Sra. Dra. Juiz de Instrução Criminal considerou existirem fortes indícios de que o requerente tinha praticado um crime de associação criminosa (art. 299.º do CP) e, ainda, um crime de burla (art. 217.º e 218.º do CP).

Porém, e apesar disso, a verdade é que aquele Despacho, quanto ao Requerente, não lhe imputa como fortemente indiciado qualquer facto concreto que consubstancie a prática de qualquer crime e, daí, a presente providência de habeas corpus.

A decisão que decretou a MC de prisão preventiva do requerente dá como fortemente indiciado os seguintes factos:

Ponto 1 dos factos indiciados: Diz aquela decisão neste primeiro ponto, muito sumariamente, o seguinte: Desde o ano de 2015 até ao dia 13 de Novembro de 2018 (data da detenção) BB, CC e os arguidos DD, EE; FF, GG; AA, HH, II, JJ, KK, LL e, igualmente, a arguida MM em comunhão de esforços e vontades, decidiram-se organizar-se em grupo com o objectivo de através das empresas NN; OO; PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, como representantes de direito ou meramente de facto, detendo o controlo da actividade, conseguindo apoderar-se de artigos/bens/mercadorias de outras empresas (DDD, EEE, FFF; GGG, HHH; III; JJJ, KKK Lda.) ora denunciantes/empresas-alvo; artigos/mercadorias não pagos enganando assim tais empresas.

É isto que a decisão em causa diz neste ponto 1.

Ou seja, neste ponto 1 temos imputações genéricas sem qualquer concretização factual, sendo certo que essa concretização é feita depois nos pontos 1.a a 1.l. e nessa concretização nenhum facto ilícito – um que seja – é imputado ao Requerente.

As imputações feitas neste ponto 1) sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou cada uma dessas imputações no fundo correspondem a expressões genéricas e abstractas utilizadas pelo Tribunal de Santarém na decisão agora impugnada para eventualmente caracterizar a existência de uma associação criminosa [no ponto 1) o Tribunal utiliza a expressão “em comunhão de esforços e vontades decidiram organizar-se em grupo” “com o objectivo de (…) enganar”; no ponto 12) o tribunal também utilizou a expressão «de forma organizada», no ponto 16) o Tribunal utiliza a expressão “que é a finalidade da organização de que todos fazem parte”, utilizando, ainda, no ponto 17) a expressão “com a intenção de integrar uma organização que se dedicava, exclusivamente e de forma reiterada, fazendo disso o seu objecto principal, à prática de crimes contra o património – expressões de natureza manifestamente conclusiva e que por essa razão não podem ser entendidos sequer como factos.

Vejamos, então, que concretização é feita, posteriormente, pelo Tribunal de Santarém nos pontos 1.a a 1.l:

No Ponto 1 a. diz-se estarem indiciados factos que terão ocorrido no ano de 2015 e dizem respeito à empresa NN.

Neste ponto apenas são dados como fortemente indiciados factos como tendo sido praticados pelos arguidos BB, EE, DD, GG e FF.

Mais concretamente, neste ponto é dado como fortemente indiciado que a sociedade NN foi constituída em 2 de Outubro de 2014, que em 23/09/2015 a LLL passou a ser a única sócia e gerente daquela sociedade e que foi o arguido BB quem arrendou as instalações onde a mesma funcionava. Mais é dado como fortemente indiciado que eram os arguidos BB, MMM, DD, GG e FF quem utilizavam aquelas instalações. Mais se dá como fortemente indiciado que estes arguidos ocuparam tais instalações até 2016.

Nenhum facto, lícito ou ilícito, é imputado ao Requerente, nem directa nem indirectamente.

Nem é imputada qualquer ligação do Requerente à empresa NN.

Não foi dado como fortemente indiciado de que o ora requerente tenha praticado os factos descritos neste ponto 1.a, bem como não foi fortemente indiciado que o Requerente tenha, por qualquer forma e em comunhão de esforços com os arguidos BB, MMM, DD, GG e FF programado ou arquitetado a prática desses mesmos factos.

Nos pontos seguintes e identificados na decisão como ponto 1.b. a 1.e. o Tribunal apenas concretiza de que forma e que empresas foram burladas pela tal NN:

No Ponto 1. b. dos factos indiciados é referido que a empresa NN terá burlado a empresa DDD Lda.

O Tribunal dá como assente que os factos aqui em causa remontam a outubro de 2015, que foram seus autores os arguidos BB, MMM, DDD Lda.

Mais uma vez, a decisão em causa não imputa neste ponto 1.b qualquer facto (lícito ou ilícito) ao ora requerente.

Aliás, é a própria decisão que na página 13 refere quanto a esta matéria o seguinte: Ao actuarem da forma acima descrita os arguidos BB, MMM, DD, GG e FF nunca pretenderam entregar qualquer quantia ao denunciante (DDD Lda.), tendo praticado os actos acima mencionados na execução de um plano que gizaram nos dias imediatamente anteriores (…). (sublinhado nosso)

E, portanto, é a própria decisão que não dá como fortemente indiciado que o ora requerente tenha tido qualquer participação nos factos descritos e dados como fortemente indiciados neste ponto 1.b., desde logo, que o mesmo tenha praticado os factos ali descritos e que quanto a eles tenha havido qualquer plano gizado entre o Requerente e os arguidos ali referenciados.

No ponto 1.c. a história repete-se… Neste ponto é dado como fortemente indiciado que a empresa NN terá burlado a empresa FFF, LDA.

Os factos em causa neste ponto remontam, igualmente, aos meses Setembro a dezembro de 2015, tendo o tribunal de Santarém dado como fortemente indiciado que os mesmos foram praticados pelos arguidos BB, MMM, DD, GG e FF e que a ofendida foi a empresa FFF.

Mais uma vez nenhum facto, lícito ou ilícito, é imputado ao Requerente.

Aliás é a própria decisão recorrida que na página 15 refere, quanto a esta matéria, o seguinte: Ao actuarem da forma acima descrita os arguidos BB, MMM, DD, GG e FF nunca pretenderam entregar qualquer quantia ao denunciante (FFF.), tendo praticado os actos acima mencionados na execução de um plano que gizaram nos dias imediatamente anteriores (…). (...).

E, portanto, resulta da própria decisão que decretou a MC ao ora requerente que o Tribunal não entendeu estar como fortemente indiciado que o Requerente tenha tido qualquer participação nos factos descritos e dados como fortemente indiciados neste ponto 1.c., desde logo, que o mesmo tenha praticado os factos ali descritos e que quanto a eles tenha havido qualquer plano gizado entre o Requerente e os arguidos ali referenciados.

No ponto 1.d. é referido que a empresa NN terá burlado a empresa EEE LDA.

Os factos aqui em causa foram alegadamente praticados, de igual modo, no período de outubro a dezembro de 2015.

Mais uma vez, a decisão que ordenou a prisão preventiva do Requerente não lhe imputa qualquer facto, lícito ou ilícito.

Os factos em causa neste ponto 1.d foram dados como fortemente indiciados como tendo sido praticados pelo arguido NNN e LLL e, ainda, pelos arguidos BB, MMM, DD, GG e FF.

Mais uma vez, é – ainda - a própria decisão que na sua página 18 refere quanto a esta matéria o seguinte: Ao actuarem da forma acima descrita os arguidos BB, MMM, DD, GG e FF nunca pretenderam entregar qualquer quantia ao denunciante (EEE) tendo praticado os actos acima mencionados na execução de um plano que gizaram nos dias imediatamente anteriores (…).

Ou seja, a decisão em causa imputa os factos que deu como fortemente indiciados a outros arguidos que não o aqui requerente não tendo dado como indiciado sequer que o Requerente tenha praticado ou tido qualquer participação nos factos ali descritos e que quanto a eles tenha havido qualquer plano gizado entre o requerente e os arguidos ou quaisquer outras pessoas ali referenciados.

No ponto 1.e. é referido que a empresa NN terá burlado a empresa GGG. Os factos aqui em causa remontam ao período compreendido entre setembro de 2015 a 1 de março de 2016. Também neste ponto a decisão recorrida não imputa qualquer facto, lícito ou ilícito, ao Requerente.

Note-se que, mais uma vez e de forma expressa, é a própria decisão recorrida que na página 20 refere quanto a esta matéria o seguinte: Ao actuarem da forma acima descrita os arguidos BB, MMM, DD, GG e FF nunca pretenderam entregar qualquer quantia ao denunciante (GGG) tendo praticado os actos acima mencionados na execução de um plano que gizaram nos dias imediatamente anteriores (…). Sublinhado nosso.

E, portanto, resulta da própria decisão que o Tribunal não deu como indiciário sequer que o requerente tenha tido qualquer intervenção nos factos que neste ponto deu como indiciados, desde logo, que o mesmo tenha praticado os factos ali descritos e que quanto a eles tenha havido qualquer plano gizado entre o Requerente e os arguidos ali referenciados.

Nos pontos seguintes e identificados na...

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