Acórdão nº 585/11.6PAGDM.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 22-10-2014

Data de Julgamento22 Outubro 2014
Número Acordão585/11.6PAGDM.P1
Ano2014
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
585/11.6PAGDM.P1
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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 585/11.6PAGDM, do 2º Juízo do Tribunal de Gondomar, após arquivamento do inquérito pelo Ministério Público, veio a assistente B… requerer a abertura de instrução contra a arguida C…, requerendo a audição de testemunhas e a produção de prova pericial, com recolha de autógrafos à arguida.
Por despacho judicial de folhas 157, foi admitida a constituição de assistente, a abertura de instrução, com a inquirição das testemunhas e a realização de prova pericial, com recolha de autógrafos (sendo designado dia para o efeito).
Notificada para o efeito, a arguida recusou-se a que se procedesse à recolha de autógrafos.
Por despacho posterior, a M.ma Juíza de Instrução considerou válida essa recusa e, na decisão instrutória, não pronunciou a arguida.
Recorre agora a assistente, para este Tribunal da Relação.
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São estas as conclusões (sic) do recurso, que balizam e limitam o seu âmbito:
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1- O Processo “sub iudice” resultou de participação crime efectuada pela assistente, B…, contra a arguida, C….
2- A assistente denunciou a arguida por crime de burla (2172 C.P.) e falsificação (n 1 e 3 do artigo 2562 do C.P.).
3- Em face da decisão de arquivamento proferida, em sede de Inquérito, pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público daquela comarca de Gondomar, por falta de prova ou carência de indiciação suficiente; requereu a assistente a abertura de instrução.
4- Com tal acto processual, a assistente pretendeu que a arguida fosse pronunciada pelos crimes de burla e de falsificação, supra referidos.
5- Para tanto, arrolou novas testemunhas e requereu fosse autorizada e realizada perícia de recolha de autógrafos à arguida C…, assim como que esta última fosse interrogada.
6- Com efeito, em sede de Inquérito, a arguida recusou-se a prestar declarações e a proceder à recolha de autógrafos.
7- Acontece que o mesmo sucedeu, em sede de Instrução.
8- Em face desta conduta da arguida, a MM. Juíza de Instrução Criminal (J.I.C.) entendeu não terem sido recolhidas provas suficientes para poder pronunciar a arguida, tendo decidido da seguinte forma: “(...) Dito isto, falecendo do ponto de vista da prova indiciária o preenchimento dos elementos, quer objectivo, quer subjectivo, dos tipos de crime imputados à arguida e à mingua, por conseguinte, de elementos que permitam sustentar uma possível condenação em sede de audiência de julgamento, não se nos afigura outra alternativa senão a respectiva não pronúncia”.
9- Ora, é com esta decisão e, sobretudo, com os motivos invocados para aqui chegar, que a assistente discorda, manifestamente; entendendo ter ocorrido violação do disposto nos artigos 126, n 2 e 172 ambos do Cód. de Processo Penal (C.P.P.) e dos artigos 25 nº 2 (“a contrario sensu”) e 32 ambos da Constituição da Republica Portuguesa (C.R.P.).
10-A assistente denunciou a arguida por factos que eram do seu exclusivo conhecimento, já que mais ninguém tinha conhecimento directo do acto de falsificação.
11-As testemunhas arroladas pela assistente apenas souberam falar sobre o que conheciam, sendo que esses factos conhecidos não foram suficientes para fundamentar uma decisão contrária.
12-Não se pretende aqui atacar a apreciação feita pela MMª JIC à prova testemunhal produzida.
13-Com o que a assistente não pode, realmente, concordar é que a arguida possa recusar-se, em sede de Inquérito e — o que importa aqui — em sede de Instrução, à perícia por recolha de autógrafos, porque tal significaria usar-se a si própria como meio de prova.
14- Meio de prova, contra si, evidentemente: isto porque, quem não deve, não teme.
15- Entendeu a MM. Juíza do Tribunal “a quo” que a arguida não tinha obrigação de sujeitar-se àquela recolha, até porque a diligência de prova em causa não está especificada na lei.
16-Em todo este processo, a arguida nunca esteve concentrada numa atitude de defesa, nunca tendo requerido qualquer diligência que permitisse atingir aquele desiderato, exercendo, desse modo, o seu contraditório.
17- É um direito que lhe assiste, remeter-se ao silêncio...
18-Contudo, aceitar que a mesma recuse, terminantemente, sujeitar-se à recolha de autógrafos implica que se permita que a arguida (esta ou qualquer outro arguido) obste à realização da Justiça.
19- No entender da assistente, a situação é intolerável, quando os direitos concedidos, “in casu”, à arguida colidem, de forma tão absoluta, com o seu direito (da assistente) em reclamar por Justiça — que lhe foi denegada.
20- Salvo o devido respeito (e é muito) por melhor opinião, a assistente considera que a MM. J.I.C. teria andado bem no sentido de ordenar e zelar para que se concretizasse a diligência de prova em causa: recolha de autógrafos da arguida.
21-Ao não o fazer, e na nossa modesta opinião, o Tribunal violou o que dispõe a C.R.P. e o C.P.P., tal como se deixou indicado supra.
22-Assim, se a arguida goza do privilégio de não contribuir para a sua incriminação (“nemo tenetur se ipsum accusare”), o certo é que a mesma também goza do princípio do contraditório e da presunção de inocência.
23-Qualquer resultado que viesse a ser produzido por aquele exame não seria, irremediavelmente, inatacável — até porque poderia mesmo ser inconclusivo, e poderia não ser provada a intenção da arguida em falsificar.
24-A recusa da arguida é tanto mais ilegítima tendo em conta que o exame a realizar em nada ofendia a sua integridade física ou moral e não tinha por base qualquer acto de tortura ou de coacção.
25-Quando o legislador determinou que o arguido não pode ser obrigado ou sujeito a qualquer tipo de prova, estaria certamente a prevenir e evitar que fossem utilizados meios de prova ilícitos, porque baseados em actos de tortura e de coação — o que não se verificou no caso em concreto, nem se verificaria.
26- Repete-se, por mais garantias de defesa que possa ter a arguida, tais não podem ser de ordem a impedir que os agentes do processo penal possam fazer / ter Justiça.
27- Daí entendermos que a MM. J.I.C. devia ter competido a arguida a realizar a recolha de autógrafos — tal como estipula o n 1 do artigo 1722 do C.P.P. -, pois a sua recusa obstou ao conhecimento da verdade e a uma justa e equitativa decisão da causa.
28-Que equidade temos neste caso, quando, em sede de inquérito, o M. P. arquiva o processo por falta de provas — tendo a arguida recusado a recolha de autógrafos – não tendo o M. P. por exemplo, providenciado pela apreensão de documentos produzidos pela arguida?
29-Qual é, afinal, o peso dos direitos da assistente e da arguida quando colocados no fiel da balança?
30- Entende-se, assim, que não decorre do princípio / privilégio (!) de não se auto-incriminar, o dever de se sujeitar à diligência de prova, tal como dispõe o nº 1 do artigo 172 do C.P.P., desde que a sujeição ao exame (recolha de autógrafos) não seja obtida mediante tortura, coacção, ou, em geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas, nos termos do disposto no n 1 do artigo 1262 do C.P.P. e n 8 do artigo 322 da C.R.P. — o que não é manifestamente a situação do caso “sub judice”.
31-Ao decidir-se como legítima a recusa da arguida em proceder à recolha de autógrafos, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 252 e 32 da C.R.P., e os artigos 1262, n 1 e 2 e 172 n 1, ambos do C.P.P.
32-Deveria a MM. J.I.C. ter competido a arguida à realização da recolha de autógrafos, como determina o disposto no n 1 do artigo 1729 do C.P.P. Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente; por provado, devendo V. Exas. declarar ilegal a recusa da arguida em proceder à recolha de autógrafos, porque violadora das normas previstas na C.P.P. e C.R.P. (artigo 126, n 2 e 1722, ambos do C.P.P. e dos artigos 25 n 2 (“a contrario sensu”) e 32 ambos da (C.R.P.)); devendo alterar-se a decisão do Tribunal de Instrução Criminal, no sentido de se ordenar que a arguida se submeta ao referido exame.
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A este recurso respondeu a Ministério Público, considerando que a arguida não é processualmente obrigada a submeter-se àquele exame, para não se auto-incriminar; conclui pela improcedência do recurso.
Já neste Tribunal, o Ex-mo Procurador-geral Adjunto, no seu parecer, desenvolve um extenso estudo sobre a imposição ao arguido de um determinado comportamento, para obter prova, concluindo que o arguido não tem a obrigação de se submeter a exame à escrita, já que é uma prova não prevista no Código de Processo Penal.
E assim propõe a improcedência do recurso.
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É este o teor do despacho recorrido:
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Na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, a fls. 126 a 128, veio a assistente, B…, requerer a abertura da instrução contra C…, no sentido de vê-la, a final, pronunciada pela prática de um crime de burla, previsto e punível pelo artigo 217º do Código Penal, e de um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256º, nºs. 1 e 3, do referido diploma.
Para tanto alega, em síntese, que a arguida apôs o seu nome, sem sua autorização e conhecimento, na declaração anual de IRS de 2010, entregue em 2011, utilizando o referido documento para instruir contratos de crédito e outros em seu nome, sem sua autorização, em seu benefício, causando-lhe consequentemente prejuízo patrimonial.
Concluiu, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia.
Por despacho exarado a fls. 157/158, foi deferida a realização das diligências instrutórias requeridas, concretamente, a inquirição das testemunhas arroladas, o interrogatório da arguida, C…, bem como a realização de perícia de recolha de autógrafos à mesma.
Procedeu-se à realização do debate instrutório com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respectiva acta, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, nos termos do art. 308º do mesmo diploma
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