Acórdão nº 5831/18.2T8VIS-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 23-02-2021
Data de Julgamento | 23 Fevereiro 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA (COMÉRCIO) |
Número Acordão | 5831/18.2T8VIS-A.C1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n. 5831/18.2T8VIS-A.C1.S1
Recorrente: AA
[Revista excecional]
I. RELARÓRIO
1. A sociedade “TUVLUSA - Empresa de Trabalho Temporário, Ldª” foi declarada em situação de insolvência por sentença proferida em 25.03.2019.
O administrador da insolvência apresentou parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa e de ser afetado pela qualificação da insolvência o gerente da sociedade, AA. O Ministério Público emitiu parecer no mesmo sentido.
A insolvente não deduziu oposição à qualificação da insolvência.
AA opôs-se à qualificação da insolvência como culposa.
2. Realizada a audiência final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«1. Qualificar como culposa a insolvência sociedade Tuvlusa – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª, pessoa coletiva n.º 510356699, com sede no Edifício Expobeiras - Parque Industrial de Coimbrões, em Coimbrões, freguesia de São João de Lourosa, concelho de Viseu.
2. Declarar afetado pela qualificação o requerido AA e, em consequência:
a) Decretar a inibição de AA para administrar patrimónios de terceiros pelo período de trinta meses;
b) Declarar AA inibido, pelo período de trinta meses, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por AA;
d) Condenar AA, até às forças do respetivo património, o que inclui todos os seus bens suscetíveis de penhora, a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos.»
3. Inconformado com aquela decisão, AA interpôs recurso de apelação, mas o TR… veio a confirmar a sentença, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.
4. Inconformado com o acórdão do TR.., o apelante[1] interpôs recurso de revista, invocando o art. 14º do CIRE e o art. 672º do CPC, alegando que o acórdão recorrido estaria em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.07.2017 (relator Falcão de Magalhães), no processo n. 370/14.3TJCBR-A.C1 (transitado em julgado). Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
«I. Nos presentes autos, o Tribunal de Primeira Instância considerou que os factos elencados na factualidade dada como provada são suscetíveis de demonstrar objetivamente a situação indicada no artigo 186° n. 2 d) e h) e n. 3 a) e b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tendo o Tribunal “a quo”, reiterado a aplicabilidade dos citados preceitos legais; o que não se pode aceitar.
II. No que concerne à alegada violação do artigo 186.° n 3 alínea a) do CIRE o Tribunal “a quo” sustentou a sua posição no disposto no n. 1 do artigo 18.° do CIRE do qual decorre que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n. 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”, bem como no artigo 19.° do mesmo diploma que “não sendo o devedor uma pessoa singular capaz, a iniciativa da apresentação à insolvência cabe ao órgão social incumbido da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores”.
III. Tendo, com efeito, referido que “a sociedade Tuvlusa foi declarada em situação de insolvência, a pedido de um credor, o ora recorrente (gerente da Tuvlusa) só não teria incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência da sociedade por si administrada se, na data em que ela foi requerida [14 de dezembro de 2018], não conhecesse ou não devesse conhecer a situação de insolvência há mais de 30 dias. Em tal hipótese, poder-se-ia dizer que o ora recorrente, não fosse o pedido do credor, ainda poderia requerer a declaração de insolvência dentro do prazo previsto no nº.1 do artigo 18.º.”,
IV. E que “…há factos no processo que apontam claramente no sentido de que, quando foi requerida a declaração de insolvência, a sociedade já se encontrava nesta situação há vários meses e que o ora recorrente tinha conhecimento dela. Os factos são os seguintes. Em primeiro lugar, o facto de a licença concedida à sociedade para o exercício da sua actividade ter sido suspensa em 17 de Maio de 2017 e, depois, revogada em 28-11-2017. Com a suspensão e a revogação da licença, a sociedade deixou de poder exercer a sua actividade e de obter meios para cumprir as suas obrigações. Em segundo lugar, o facto de a sociedade ter passivo.”
V. Mais referiu o Acórdão proferido que: “destes factos, é legítimo extrair a ilação de que, depois de ser revogada a licença para o exercício da atividade da sociedade, esta ficou sem meios para cumprir a generalidade das suas obrigações e que o ora recorrente, enquanto gerente, tinha conhecimento desta situação, pelo que, como bem se afirmou na sentença, tinha o dever de requerer a declaração de insolvência até ao final de 2017, princípios de 2018.”.
VI. Por outro lado, temos que para o Tribunal de Primeira Instância, o nexo de causalidade, que preenche a previsão da alínea a) do artigo 186º do CIRE, reside na devolução, pela insolvente à sociedade “Tuvmetálica”, de parte do valor que esta lhe havia mutuado para que esta prestasse caução junto do IEFP.
VII. No que concerne à omissão da apresentação da recorrente TUVLUSA à insolvência, não se verifica nos autos que tal omissão tenha sido motivada pelo fim de ocultar quaisquer bens, ou evitar pagamentos aos respetivos credores, veja-se que conseguiu o Recorrente, num sector com uma severa e prolongada falta de trabalho, proceder ao pagamento dos créditos existentes aos seus trabalhadores, facto que ocorreu após 28.05.2018.
VIII. Adicionalmente temos que não resulta dos autos que a tardia declaração de insolvência, tenha contendido com quaisquer propósitos de ocultação ou dissipação de património, já que, como é sabido a Insolvente tinha como principal atividade comercial a cedência temporária trabalhadores para terceiros utilizadores, pelo que designadamente não tinha quaisquer stocks.
IX. Por outro lado e quanto ao nexo de causalidade invocado pelo Tribunal de Primeira Instância, e que alegadamente reside na devolução, pela insolvente à sociedade “Tuvmetálica”, de parte do valor que esta lhe havia mutuado para que esta prestasse caução junto do IEFP.
X. Temos que, conforme resulta do ponto 10 da matéria dada como provada, “Para o depósito da importância de € 68.048,75, relativa à constituição daquela caução, foi depositada na conta bancária da insolvente, que naquela data apresentava o saldo de € 35,84, a quantia de € 68.500,00 relativa a um cheque sacado sobre conta da sociedade Tuvmetálica, Lda.”.
XI. Entende o Recorrente que a devolução de um valor em dívida a um credor, independentemente da sua categoria, não pode perfilhar uma situação de agravamento da insolvência, aliás, os valores em dívida à época a credores já existentes foram pagos pela insolvente, conforme já supra se referiu, nomeadamente a trabalhadores, conforme resulta do ponto 24 da matéria dada como provada, pois a insolvente entendia nada dever ao credor requerente desta insolvência, sendo certo que a sentença que a condenou ao pagamento respetivo de 28.06.2018 é ulterior aos factos supra referidos.
XII. Tendo em conta os demais elementos existentes nos autos temos que a verdade é que não resulta que existisse qualquer situação de incumprimento generalizado das obrigações da insolvente, mormente as previstas no artigo 20º n.1 al. g) do CIRE, e mesmo a existir tal conhecimento, este só poderia ser ulterior a 28.06.2018, pois não se conhecem outros credores da insolvente para além do seu requerente, inexistindo nestes autos qualquer reclamação de créditos.
XIII. Temos ainda que é certo que a partir de 28.06.2018 a insolvente não possuía qualquer bem, nem resulta destes autos que a partir desta data algum ativo existisse, o que acabou por resultar que a sentença que a declarou tivesse carácter limitado sem que nenhum credor tivesse peticionado o seu complemento, pelo que impossível seria que a não apresentação voluntária à insolvência a partir da predita data a tivesse criado e/ou agravado.
XIV. Temos, assim, que não se mostra evidenciado o nexo de causalidade entre a declaração de insolvência e o estado da insolvência, nessa medida e conforme resulta do Acórdão proferido no âmbito do processo n. 0754886, datado de 07.01.2008, pelo Tribunal da Relação do Porto, do relator Anabela Luna de Carvalho, o facto de o Recorrente “ter omitido o dever de requerer a insolvência da empresa não é suficiente para que se classifique esta (insolvência) como culposa.”, assim, torna-se bem evidente que não se encontra preterido, o disposto no artigo 186º n. 3 a) do CIRE.
XV. Já quanto ao alegado preenchimento da alínea b) do n. 3 do artigo 186° do CIRE, considerou o Tribunal “ a quo” que a sentença qualificou a insolvência ao abrigo da alínea b), é de manter porquanto provou-se que o ora recorrente não elaborou as contas relativas ao exercício económico de 2017, não cumprindo, assim, a obrigação que lhe é imposta pelo n.1 do artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais, e que não depositou na Conservatória do Registo Comercial as contas do exercício de 2016, não cumprindo, agora, a obrigação que lhe é imposta pelo n. 1 do artigo 70.º do mesmo diploma e pelos artigos 3.º, n.1, alínea n), e 42.º, n.1, ambos do Código do Registo Comercial.
XVI. Não basta invocar o mero não depósito das contas para que se possa concluir pela existência de culpa grave em termos de qualificação de insolvência, e, para o justificar, reitera-se que, tratando-se “in casu” de uma presunção ilidível não basta a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre o Recorrente recai.
XVII. Não faria qualquer sentido que, só...
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