Acórdão Nº 582/24 de Tribunal Constitucional, 22-08-2024

Número Acordão582/24
Número do processo775/24
Data22 Agosto 2024
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 582/2024

Processo n.º 775/2024

3 Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (doravante «STJ»), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeirorequereu a interposição do presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), de decisões proferidas pelo Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do STJ, datadas de 2 e 15 de julho de 2024 (cf. fls. 97-99 e 106-109, respetivamente).

2. Na qualidade de arguido em processo crime, o ora recorrente interpôs recurso para o STJ do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (doravante «TRL») que confirmou a decisão proferida em primeira instância, pela qual fora condenado pela prática de dois crimes de incêndio florestal agravado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão efetiva.

Não tendo o recurso sido admitido pelo TRL, com fundamento no disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f) e 414.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal (adiante designado «CPP») (cf. fls. 94-94v), foi pelo aqui recorrente apresentada reclamação para o STJ (cf. fls. 2-4v).

A reclamação foi indeferida pelo Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do STJ, em decisão datada de 2 de julho de 2024.

Notificado o ora recorrente do indeferimento da reclamação por si apresentada, foram por este arguidas irregularidades processuais, pelo facto de a decisão de 2 de julho de 2024 não ter sido proferida pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente do STJ, pretensão que foi indeferida, novamente pelo Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do STJ, por decisão datada de 15 de julho de 2024, também aqui recorrida (cf. fls. 106-109).

Inconformado o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.

3. Através da Decisão Sumária n.º 457/2024, foi apreciado o mérito do recurso e, em decorrência, não julgada inconstitucional a«norma extraída do artigo 400.º, n.º 1 alínea f), do Código de Processo Penal, no sentido de não ser admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«[…]

4. O presente recurso veio interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que «apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

5. Tal como delimitada no requerimento de interposição de recurso (v. supra § 3.), a questão a apreciar reporta-se ao «art.º 400.º, n.º 1, al. f) do CPP à luz do art.º 32.º, n.º 1 e 2, art.º 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, sob a égide do princípio fundamental das garantias de defesa a que o processo penal deve obedecer, na vertente do direito ao recurso e do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do arguido, mediante processo equitativo».

6. Conforme previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, sempre que a questão colocada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade possa ser considerada «simples, designadamente por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal», pode o relator proferir decisão sumária, «que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal».

Vejamos.

7. O recorrente pretende que este Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do CPP, no sentido de não ser admissível o recurso para o STJ de decisões proferidas pelas Relações que confirmem decisões do Tribunal de 1.ª Instância e apliquem penas de prisão não superiores a 8 anos, por entender contender tal norma com as garantias de defesa e o direito a um processo equitativo, ínsitos nos artigos 32.º e 20.º, respetivamente, da Constituição.

Ora, a questão de inconstitucionalidade nos termos recortados pelo ora recorrente foi já por este Tribunal apreciada, de forma unânime, em diversos acórdãos e decisões sumárias. Com efeito, pertinente para a compreensão da racionalidade desta norma, extrai-se da fundamentação do Acórdão n.º 385/2011 [que decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado»]:

«O artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, dispõe o seguinte:

«Artigo 400.º

Decisões que não admitem recurso

1 – Não é admissível recurso:

[…]

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

[…]».

Esta norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, não tinha paralelo na versão primitiva do Código, tendo sido aditada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, com a seguinte redacção:

«Artigo 400.º

Decisões que não admitem recurso

1 – Não é admissível recurso:

[…]

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;

[…]».

Conforme consta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII (publicada no Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 27, de 29 de Janeiro de 1998), que veio a dar origem à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, de alteração do Código de Processo Penal, esta norma teve em vista limitar o duplo grau de recurso. Refere-se aí, a propósito desta alteração ao regime dos recursos: “Faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade”.

Neste mesmo sentido escreve José Manuel Vilalonga (em Direito de Recurso em Processo Penal, em “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 371, da ed. de 2004, da Almedina), referindo-se às alíneas c), d), e) e f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal (na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), que a irrecorribilidade consagrada nestas disposições “reporta-se a decisões proferidas em processos nos quais foi interposto recurso, ou seja, em processos nos quais o direito de recurso foi, nos termos gerais, reconhecido e efectivamente exercido” e “visa genericamente obstar a que ao Supremo Tribunal de Justiça sejam submetidas questões que, ou pela sua menor relevância (aferida pela eficácia da decisão no processo ou pela medida da pena) ou por terem sido objecto de apreciação por duas instâncias decisórias num sentido favorável à defesa, não justificam a intervenção de uma terceira instância.”

A questão da dupla conforme em função do limite abstracto da moldura penal do crime não foi pacífica depois da revisão do Código de Processo Penal de 1998, sendo defendidas na doutrina e na jurisprudência teses diferentes a propósito da definição do que se deveria considerar “pena aplicável” (Sobre a interpretação da alínea f) do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP na redacção...

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