Acórdão Nº 580/24 de Tribunal Constitucional, 19-08-2024

Número Acordão580/24
Número do processo774/24
Data19 Agosto 2024
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 580/2024

Processo n.º 774/2024

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A., foi interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na sua redação atual– LTC).

2.Orecurso de constitucionalidade interposto junto do Tribunal Constitucional (TC) tem o seguinte teor, na parte que para aqui mais releva:

“[…]

tendo sido notificada do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que negou provimento ao recurso interposto, e com a mesmo não se conformando vem, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, apresentar

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. A digníssima decisão dos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça opta pela confirmação do acórdão recorrido;

2. Decidem que «Estando verificada a obrigação de extraditar da República Portuguesa e estando verificados os factos determinantes da mesma (arts. 1º e 2º da Convenção CPLP), e não se verificando qualquer caso de inadmissibilidade de extradição nem qualquer causa de recusa facultativa de extradição (arts. 3.º e 4.º da Convenção CPLP), falta, desde logo, o primeiro pressuposto indicado, o que inviabiliza, sem mais, a aplicação do referido art. 5.º»;

3. Acrescentando que: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido»;

4. Ora, o acórdão dos Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação determinou a extradição da Requerida, doravante "R.", para a República Federativa do Brasil, com vista ao procedimento penal no âmbito do processo n.º 1512914-03.2022.8.26.0050.01.0002-11, que corre termos na 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores de Capital, da Comarca de São Paulo, Foro Central Criminal Barra Funda - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo;

5. Este processo oriundo da República Federativa do Brasil fundamenta-se em factos suscetíveis de integrar na legislação do Estado emitente (do mandado de detenção internacional e o pedido de extradição) o crime de associação criminosa, burla, burla qualificada e exploração de jogo de azar, previstos nos arts. 171.º, 2.ª do Código Penal Brasileiro, arts. 2.º, al. ix) da Lei n.º 1525/51, de 26 de dezembro de 1951, art. 50.º da Lei 3688/41, e 2.º da Lei 12850/12, de 2 de agosto de 2013, sendo que a R. enfrenta inquérito criminal, passível de condenação a uma moldura penal abstrata até 7 anos de prisão;

6. Como tal, importa esclarecer o que se entende como incomportável, salvo o respeito devido por opinião contrária, nos termos de manifesto desrespeito pelos alicerces constitucionais do Estado português;

7. Desde a dedução da oposição, sublinhou-se que já no Auto de Interrogatório de Arguido se apresentaram aspetos extremamente relevantes;

8. Da sua leitura, resulta que «Neste momento, pela detida foi expressamente dito que NÃO consente na sua entrega às autoridades brasileiras para execução da pena que lhe foi aplicada, NÃO renunciando ao princípio da especialidade»;

9. Resulta como provado que não foi aplicada à R. qualquer pena no Brasil e, como tal, não é aceitável os termos em que a questão é colocada;

10. Esta induz à sensível questão que acompanha a R. desde o início do processo;

11. Ao abrigo do art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, é presumida a inocência de todo o arguido até ao trânsito em julgado da sentença de condenação;

12. O n.º 5 do mesmo artigo prevê que o processo criminal tem estrutura acusatória, o que inviabiliza o pré-convencimento e o pré-juízo em toda e qualquer tramitação processual penal, no âmbito da jurisdição portuguesa;

13. Assim, não é defensável a posição que obsta ao reconhecimento à R. do tratamento próprio alicerçado na presunção de inocência e pro reo, como defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça em relação ao caso: «Em todo o caso, a questão em análise não envolve a valoração da suficiência ou insuficiência dos indícios existentes no processo que dá causa ao pedido de extradição, relativamente à recorrente, nem se prende com a presunção de inocência e o pro reo, pois tais questões estão fora do campo de atuação do Estado requerido, no âmbito da Convenção (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 2023, processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, in www.dgsi.pt).»

14. É o comummente citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 3726/22.4YRLSB.S1, datado de 29 de julho de 2023, que afirma com clareza que «O nosso sistema atual de extradição estrutura-se em 3 níveis hierarquizados: no topo, a Constituição da República Portuguesa (Cfr. art. 33.º), num plano intermédio, o direito internacional, abrangendo um conjunto alargado de convenções internacionais a que Portugal está vinculado, seja no quadro do Conselho da Europa, seja no quadro da União Europeia, e num plano inferior o denominado direito interno, em particular, a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pelo citado DL n.º 144/99, de 31/08, e que entrou em vigor em 01/10/1999»;

15. Não se entende uma interpretação que desconsidere por completo, não a questão dos indícios (in)suficientes, ainda que altamente questionável, mas sim o próprio estatuto da R.;

16. Ao não ser reconhecido um estatuto digno à mesma, ainda que num âmbito de pura carência, o exercício efetivo da defesa que deve (prontamente) ser extensível a todas as pessoas fica drasticamente afetado;

17. Algo que conflitua com um verdadeiro Estado de Direito;

18. É exemplo de uma danosa limitação de direito à defesa o entendimento presente no Auto de Interrogatório de Arguido, violando o que se encontra previsto na Constituição da República Portuguesa, mas também a manutenção da decisão provisória;

19. O aspeto contra legem e, até, contra a natureza democrática, não se prende com a detenção em concreto, mas sim com a falta de meios de defesa em relação à privação de liberdade;

20. A inexistência de tais meios justifica-se, segundo o entendimento dos excelentíssimos magistrados, pela urgência do processo, cabendo (dele) apenas recurso da decisão final, nos termos do artigo 49.º, n.º 3 da Lei 144/99, de 31 de agosto;

21. Pois, a decisão de restringir a liberdade da R., ou a decisão de manter detida preventivamente a mesma, implica o argumento em torno da urgência do processo, bem como do entendimento de tal decisão como sendo interlocutória, falhando na definição d' «... o núcleo essencial dos direitos de defesa do extraditando …», o acórdão n.º 273/2022, de 26 de abril, do Tribunal Constitucional;

22. Não sendo ultrapassável o conjunto paradoxal de interpretações que os tribunais inferiores têm vindo a apresentar, só é considerável que no Auto de Interrogatório o Juiz Desembargador Relator tomou como base de sua decisão as normas do Código de Processo Penal, decidindo-se pela aplicação de prisão preventiva (palavras do próprio, no auto) cumulando-a com «...as injunções decorrentes do termo de identidade e residência já prestado... e a...

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