Acórdão nº 5779/18.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão5779/18.0T8LSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

AA intentou a presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra BB pedindo a condenação deste a:

- reconhecer a legitimidade da Autora enquanto comodatária de dois bens imóveis determinados, que identifica;

- entregar à Autora, devoluto, livre de pessoas e bens, o imóvel de ..., ordenando-se a sua imediata restituição;

- pagar à Autora a quantia global de € 29.184,19, acrescida do valor diário de € 200,00 até à entrega do imóvel em causa, bem como dos juros legais vincendos desde a data de citação até integral e efetivo pagamento.

Alega que na sequência da ação de divórcio entre as partes a autora outorgou testamento a seu favor sob a garantia de que ficaria com o “usufruto” das casas; entre setembro de 2015 e julho de 2017, a Autora pagou de prestações bancárias e seguros devidos pelo Réu um montante total de € 24.184,19.

Na contestação o réu em reconvenção pediu a condenação da autora no pagamento do valor de € 12.104,80, relativo a valores mutuados pelo Réu à Autora e, até ao momento, por esta não liquidados, e - na entrega imediata ao Réu/Reconvinte do imóvel sito em …., bem como numa sanção pecuniária não inferior a 200 euros/dia por cada dia de atraso na entrega do mesmo.

A autora replicou e, instruídos os autos, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido e julgou a reconvenção parcialmente procedente e determinou a condenação da autora a restituir ao Réu/Reconvinte a posse do imóvel sito na Rua ..., nº …, freguesia ..., em …; e a pagar-lhe a quantia de € 1.350,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado.

A autora interpôs recurso de Apelação que foi julgado parcialmente provido e alterou a sentença recorrida n segmento em que julgou improcedente o pedido de condenação do réu apelado a pagar a quantia de 24.184,19 € correspondentes à soma das prestações bancárias e seguros inerentes ao empréstimo hipotecário relativo ao imóvel .... que a autora suportou nos anos de 2015, 2016 e 2017 condenando-se o réu a pagar à autora a quantia de 24.184,19 € acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação até integral pagamento à taxa legal dos juros moratórios civis.

A autora interpôs recurso de Revista excepcional que foi admitida pela Formação a que alude o art. 672 nº 3 do CPC.

A recorrente conclui que:

“Pede-se a intervenção do Venerando Supremo Tribunal de Justiça para a correta e adequada apreciação jurídica da posição processual do ora Recorrente.

2.º Com interesse direto para o presente recurso em referência aos imóveis id. a fls. e objeto destes autos tem de se determinar, pelo menos, a garantia da proteção do direito à habitação da Recorrente que se viu desapossada de todo o seu património na sequência do divórcio.

3.º Assim, no presente processo ao estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e quando são questionados interesses de particular relevância social, a proteção do direito à habitação familiar, assim como, a não validação da ação direta, a Recorrente invoca a excecionalidade do recurso de revista que interpõe.

4.º Em causa está a defesa o interesse privado da Recorrente, a par de outros direitos pessoais e coletivos da proteção da família e da sua habitação inviolável pelo agir particular de qualquer cidadão.

5.º Qualquer decisão judicial sobre estas matérias não pode ser proferida de ânimo unicamente dirigido aos interessados diretos na quezília civil, mas à sociedade em geral.

6.º Em apreço nos presentes autos, o contrato de “comodato”, (doc. 4 da p.i.), celebrado sem prazo, apenas terminando por caso de força maior.

7.º Tal contrato visava assegurar a habitação da Recorrente, (doc. 4 da p.i.).

8.º A dita “força maior” foi concretizada pelas partes como sendo:

necessidades económicas ou motivos de saúde que implicassem despesas vultuosas, sendo obrigatória a demonstração através de justificação comprovada para se proceder à alienação de um dos imóveis, (doc. 4 da p.i.).

9.º No que concerne à casa …, esta continua a ser a residência da Recorrente, prolongando o uso da casa de morada de família que a si estava atribuída no processo de divórcio.

10.º A proteção legal da habitação de família faz cair a pretensão do Recorrido.

11.º A posição da Apelante encontra conforto na jurisprudência e invocam-se as doutas decisões: Ac. STJ de 05 de junho de 2018, 7.ª Secção, Proc. n.º 1281/13.5TBTMR.E1.S1, http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8 49e44f30988e548 802582a4003b95c5?OpenDocument

12.º Mais, em referência à casa de ... o Recorrido através de ação direta tomou a sua posse vendendo-a de seguida a terceiros.

13.º O meio utilizado - via de facto não consiste no meio idóneo que a lei põe ao alcance do comodante que é a interpelação, cfr. art.º 1137.º n.º 2 do CC seguida da correspondente ação judicial de reivindicação de propriedade.

14.º O Recorrido agiu através de métodos de ação direta proibidos legalmente, cfr. art.º 336.º do CC e art.º 1.º do CPC.

15.º Ao atuar desta forma, o Recorrido denega na prática o direito da Recorrente de defender os seus direitos ao criar uma situação de facto de difícil resolução e violando o art.º 20.º da CRP.

16.º Com relevância para a decisão a formular, estão violados pela sua indevida apreciação o teor dos 287.º n.º 2; 336.º; 1129.º; 1133.º n.º 2; 1137.º n.º 2; 1140.º; 1277.º a 1279.º todos do C.C. 1.º do CPC e 20.º da CRP.

O recorrido contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

“1. A Autora e o Réu foram casados entre si, tendo contraído casamento em 29 de agosto de 1979, sob o regime da comunhão de adquiridos, e tendo-se divorciado por mútuo consentimento, por decisão proferida em 26 de novembro de 2012 e transitada em julgado em 16 de janeiro de 2013 no âmbito do Proc. n.º … do Juízo de Trabalho e Família e Menores …... da extinta Comarca …....

2. Na relação de bens comuns apresentada então pelo ora dissolvido casal constavam os seguintes imóveis:

- Uma moradia de rés-do-chão e logradouro destinada a habitação, inscrita na matriz sob o n.º … e descrita na Conservatória de Registo Predial ….... sob o n.º …, a que atribuíram o valor de € 64.940,00;

- Um prédio urbano composto por quatro pavimentos, cave com duas arrecadações, sendo o rés-do-chão composto por uma assoalhada, cozinha, casa- de-banho, vestíbulo e logradouro e o primeiro andar composto por duas assoalhadas, uma casa-de-banho, vestíbulo, terraço e sótão com arrecadação e terraço, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º …, da freguesia …… e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º …, a que atribuíram o valor de € 109.607,58.

3. A 22 de setembro de 2015, em Cartório Notarial, a Autora e o Réu celebraram uma escritura de partilha por divórcio.

4. Os únicos bens partilhados foram os dois imóveis, adjudicados por inteiro ao Réu.

5. O Réu assumiu os encargos bancários, num total de € 155.725,89.

6. Ficou declarado que a Autora recebeu tornas no montante de € 37.392,97.

7. Ainda a 22 de setembro de 2015, o Réu celebrou com a Autora um contrato através do qual lhe cedeu, em regime de comodato, os dois imóveis suprarreferidos, com destino à habitação desta.

8. O...

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