Acórdão nº 5765/03.5TVLSB-A.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-04-2024

Data de Julgamento30 Abril 2024
Case OutcomeINDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Classe processualREVISTA
Número Acordão5765/03.5TVLSB-A.L2.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Processo n.º 5765/03.5TVLSB-A.L2.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, ... Secção


Acordam em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. Em oposição referida à acção executiva para pagamento de quantia certa intentada por AA (€ 252.583,14, acrescidos de juros de mora), veio a Executada «Barrocas, Alves Pereira, Sarmento, Rocha & Associados» (depois e agora: «Barrocas Sarmento Neves, Sociedade de Advogados, R.L.» e «Barrocas & Associados – Sociedade de Advogados, R.L.») deduzir oposição por Embargos de Executado (em 29/9/2003), pugnando pela suspensão e extinção da execução, por inexistência da obrigação exequenda, e condenação do Exequente em litigância de má fé; subsidiariamente, pediu a extinção do crédito exequendo por compensação com créditos de que a Embargante era titular em face do Embargado, com a subsequente extinção da execução. Foi dada como título executivo uma acta da assembleia geral da Executada.


2. O Exequente e Embargado apresentou Contestação, batendo-se pela improcedência “logo no despacho saneador”; sustentou a certeza, liquidez e exigibilidade da dívida, assim como a inadmissibilidade da pretendida compensação.


3. Foi deduzido incidente de liquidação pela Executada e Embargante para apuramento do seu alegado contra-crédito pelo montante não inferior, no seu conjunto, de € 300.000 (29/3/2004, a fls. 148 e ss dos autos), ao que se opôs o Embargado, sustentando a falta de fundamento legal do requerido e excepcionando com a preterição de tribunal arbitral necessário.


Foi proferido despacho de indeferimento do incidente, por inadmissibilidade em sede de Embargos de Executado (20/5/2004; fls. 246).


A Embargante interpôs recurso, admitido como de agravo com subida diferida (fls. 282 e 315).


4. A Embargante deduziu articulado superveniente, relativo à matéria da compensação, admitido por despacho e ordenado aditamento da matéria de facto assente (alínea Q, correspondente ao facto provado 16.), a fls. 1860 e verso.


A Embargante interpôs recurso, admitido como de agravo com subida diferida (fls. 1868).


5. Proferido despacho saneador e realizada audiência de discussão e julgamento em várias sessões, foi proferida sentença na ... Vara Cível de ... (18/12/2009), que, incidindo sobre as questões de saber (i) “se a obrigação existe e é certa, líquida e exigível”, e (ii) “se a embargante é titular de créditos sobre o embargado que possa embargar”, julgou totalmente improcedentes os Embargos de Executado, determinando-se o prosseguimento da acção executiva contra a Embargante, e declarando não verificada a litigância de má fé de ambas as partes.


6. Inconformada, a Embargante interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que conduziu a ser proferido acórdão (24/2/2011), no qual:


(i) quanto ao primeiro agravo, foi julgado procedente quanto à admissibilidade do incidente de liquidação em embargos de executado;


(ii) quanto ao segundo agravo, foi julgado não admitir o recurso;


(iii) quanto ao mérito do decidido na sentença de 18/12/2009, foi julgada procedente a apelação por não verificação da excepção peremptória invocada como causa de exclusão da pretendida compensação e, em face de ter sido concedido provimento ao agravo interposto do despacho de indeferimento da liquidação do crédito da Embargante, com a necessidade da liquidação do crédito compensante e ilíquido, anulando-se todo o processado desde o referido despacho, ordenando-se a sua substituição por outro despacho que desse seguimento ao incidente.


Interposto recurso de revista para o STJ pelo Exequente-Embargado, e após aclaração, na parte em que se julgou o recurso de apelação no que toca à admissão da compensação deduzida pela Embargante, visando a sua substituição por outro que indeferisse tal compensação e que reconhecesse a inutilidade da liquidação de tal compensação, foi proferida Decisão Sumária e depois proferido Acórdão (11/2/2014), com julgamento de extinção da instância por impossibilidade de conhecimento do respectivo objecto.


7. Devolvidos os autos, foi realizada audiência preliminar, na qual foi proferido (a) despacho de indeferimento do requerimento de extinção do incidente de liquidação por inutilidade superveniente da lide – “o incidente deve prosseguir, nos termos determinados pelo Tribunal da Relação” –, (b) despacho de indeferimento das excepções de inadmissibilidade da liquidação e de preterição de tribunal arbitral necessário, ordenando-se o processeguimento do incidente, e (c) despacho de admissão liminar de articulado superveniente pela Embargante e notificação da parte contrária para se pronunciar em contraditório (com aditamento ulterior de factos “assentes” e da “base instrutória”).


8. Proferido novo despacho saneador e realizada nova audiência de discussão e julgamento, o Juiz ... do Juízo de Execução de ... proferiu sentença (17/6/2022), em que se julgaram procedentes os embargos de executado, extinguindo-se a execução, e não verificada a litigância de má fé, quer por parte da Embargante, quer por parte do Embargado.


9. Revelando inconformismo, o Exequente e Embargado interpôs recurso de apelação para o TRL, que conduziu a ser proferido acórdão (23/3/2023), no qual, em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, se alterou o facto provado 51., e, quanto ao mérito do decidido sobre a extinção do crédito exequendo por via da compensação, julgou-se parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, substituída pela seguinte:


“a) Declara-se que o crédito da embargante sobre o embargado ascende a € 190.793,53 (cento e noventa mil setecentos e noventa e três euros e cinquenta e três cêntimos);


b) Tal crédito extingue-se por compensação com a quantia exequenda, prosseguindo a execução para pagamento da quantia de capital de €61.744,61 (sessenta e um mil setecentos e quarenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos).”


10. Foi interposto recurso de revista para o STJ pela Embargante, que, visando a revogação do acórdão recorrido e a declaração de que o contra-crédito da Embargante excede o valor da obrigação exequenda, extinguindo-se a execução, finalizou com as seguintes Conclusões:


1. O acórdão recorrido é nulo, por ser uma decisão-surpresa, incorrendo em excesso de pronúncia;


2. Com efeito, um dos fundamentos do acórdão é o incluído no sumário do acórdão, elaborado pelo M. Juiz Relator, com o seguinte teor:


O direito à justiça e o direito à realização da justiça num prazo razoável não são nem podem ser algo de meramente programático, devendo ter consequências normativas, impondo, que o tribunal decida as questões que lhe foram colocadas de forma definitiva, não sendo de remeter tais questões para procedimentos posteriores.


A ordem jurídica contém várias normas que apelam à prevalência da decisão de mérito sobre a decisão de forma, bem como à atualidade das decisões. Numa ação executiva instaurada 20 anos, em que a petição de embargos foi apresentada em 29.09.2003, o direito à justiça e à realização da justiça num prazo razoável, bem como os princípios da prevalência da decisão de mérito sobre a decisão de forma e da atualidade das decisões judiciais, impõem que o tribunal, dispondo de todos os elementos para tal, decida de forma definitiva o mérito da causa, considerando todos os aspetos relevantes de forma a esgotar o litígio.


3. Nenhum dos preceitos legais invocados pelo acórdão a respeito desta questão é mencionado na sentença do Tribunal de Comarca nem nas alegações da apelação do Embargado;


4. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação, em nenhum passo da sua alegação, para fundamentar a sua impugnação da sentença recorrida e a procedência da apelação, o Apelante invocou:


- A duração prolongada da pendência da ação;


- A prevalência da decisão de mérito sobre a decisão de forma;


- A atualidade das decisões judiciais;


- O direito à realização da justiça num prazo razoável;


- Os arts. 9/1 e 566/2 do CC;


- Os arts. 611/1, 6/2 e 278/3 do CPC.


5. Ouseja, oEmbargadonãosustentouquea sua apelaçãodeveria proceder com base nestes fundamentos de direito.


6. Acresce que a sentença proferida pelos Juízos de Execução de ... em nenhum passo da sua fundamentação refere:


- A duração prolongada da pendência da ação;


- A prevalência da decisão de mérito sobre a decisão de forma;


- A atualidade das decisões judiciais;


- O direito à realização da justiça num prazo razoável;


- Os arts. 9/1 e 566/2 do CC;


- Os arts. 611/1, 6/2 e 278/3 do CPC.


7. Pretendendo a Relação fundamentar a sua decisão nos termos referidos, deveria, em observância do disposto no art. 3º, n.º 3, do CPC, ter convidado as partes a, querendo, pronunciarem-se sobre essas questões previamente à prolação da decisão;


8. Não o tendo feito, ocorre uma nulidade da sentença, por conhecimento pela Relação de questões de que não podia conhecer, em virtude de a Embargante não ter tido a possibilidade de sobre elas se pronunciar previamente à prolação do acórdão recorrido;


9. Assim, nos teremos conjugados do disposto nos arts. 3º, n.º 3, 716º, 668º, n.º 1, d) e 660, n.º 2, do CPC na versão do DL n.º 303/2007, de 24/08, a que correspondem os arts. 3º, n.º 3,666, n.º 1, 615, n.º 1, d), e 608º, n.º 2, do CPC novo, o acórdão recorrido é nulo;


10. O acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia;


11. A sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, que julgou procedentes os embargos, fundou-se, parcialmente, na seguinte questão: em 11/03/2003, as partes celebraram um acordo de princípio, mas esse acordo frustrou-se, não tendo existido um acordo final e vinculativo, e o Embargado argumenta e opõe-se aos embargos como se esse acordo de princípio tivesse continuado em vigor;


12. Sucede que o acórdão recorrido julgou a apelação como se o acordo de...

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