Acórdão nº 575/05.8TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-01-2014
Judgment Date | 16 January 2014 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Procedure Type | REVISTA |
Acordao Number | 575/05.8TBCSC.L1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1.
No 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, AA interpôs esta acção de divórcio litigioso contra o seu marido BB, através da qual pede a dissolução do casamento por divórcio, declarando-se o réu como único culpado.
Para esse efeito alegou, em síntese, que está casada com o réu desde .../.../2000, tendo nascido dessa união uma filha, em .../.../2002.
O réu insultava-a, ameaçava-a e agredia-a fisicamente, inclusivamente tendo esses actos sido praticados na presença dos seus filhos e de terceiros, como empregada da casa, seus familiares e amigos.
Violou-a e exigiu-lhe que saísse de casa.
Face à violência do réu, foi forçada a sair de casa, temporariamente.
O réu deixou de contribuir para as despesas domésticas e nem se preocupa com a filha menor de ambos.
O réu violou de forma culposa, grave e reiterada os deveres conjugais de respeito e cooperação.
Frustrando-se a tentativa de conciliação (fls. 206/7), o réu contestou e reconveio, pedindo que fosse decretado o divórcio, sendo a autora única e exclusiva culpada.
Impugnando ou aceitando factos alegados pela autora, acrescentou, em súmula, que esta deixou de trabalhar e nunca retomou a sua actividade profissional, apesar de a incentivar a fazê-lo.
Viajou com a autora numa espécie de lua – de – mel, em Junho de 2004, para Espanha, tendo tudo corrido em harmonia.
Quando regressou de tal viagem, foi alertado por uma irmã que a autora tinha instaurado uma providência cautelar de arrolamento com vista a obter o divórcio.
Desde Junho de 2004, a autora abandonou o quarto do casal, fazendo cessar, desde então, o trato conjugal e nunca mais tomou qualquer refeição na sua companhia.
Deixou também de privar com os seus filhos, fruto de anteriores casamentos, ausentando-se de casa, o que passou a fazer com frequência. Retirou os filhos dela de casa, levando-os para paradeiro desconhecido e nunca mais permitiu que a filha do casal convivesse com os outros seus filhos.
Em 21/06/2004, levou a filha do casal e instalou-se com esta e com os outros três filhos dela noutra casa.
A partir daí, quando pernoitava em casa, fazia barulho durante a noite, introduziu pessoas estranhas que aí dormiam e só lhe permitia o convívio com a filha de ambos durante breves minutos.
No início de Julho de 2004, retirou bens comuns e próprios do réu da casa do casal e passou a ir aí cada vez menos.
A autora agrediu-o de forma verbal, física e psíquica.
Denegriu a imagem dos seus filhos, tendo comportamentos agressivos para com eles, os quais passaram a recusar-se a ir a casa.
Ausentava-se de casa durante vários dias e, nomeadamente, para o estrangeiro, sem qualquer justificação.
Chamou-lhe pedófilo perante terceiros, acontecendo também em processo judicial e acusou-o de ter roubado bens arrolados.
Utilizou, em proveito próprio e de forma abusiva, cheques de uma conta que, embora sendo conjunta, era da exclusiva responsabilidade do réu, para, designadamente, adquirir um veículo automóvel que pôs em nome de um familiar.
Entre os dias 4 e 20/02/2005, a autora trancou várias divisões na casa onde viviam, sendo que o escritório do réu estava todo remexido, faltando lá bens seus assim como outros da casa.
A autora violou de forma culposa, grave e reiterada os deveres conjugais de respeito, cooperação e coabitação.
A autora replicou, mantendo a sua posição inicial e impugnando a matéria da reconvenção.
Foi elaborado despacho saneador no qual se admitiu o pedido reconvencional, fixou-se a matéria de facto assente e da base instrutória, desta reclamando a autora, sem sucesso (fls. 604 a 627, 633, 634, 1225 a 1230).
O réu formulou requerimento denominado articulado superveniente, que foi deferido, tendo, por via disso, sido aditadas à base instrutória os factos referenciados sob os n.os 146º a 153º (vide fls. 1019/20 e 1225 a 1230).
Tendo a autora requerido a junção de documentos, conforme consta a fls. 920 a 1004, 1058 a 1186 e 1233 a 1338, foram proferidos a propósito os despachos de fls. 1229/30 e 1364, que os admitiu, tendo a oferente sido condenada em multa.
A Autora recorreu (fls. 1446) tendo o Tribunal da Relação, negado provimento aos agravos e confirmado os aludidos despachos.
Durante a audiência de discussão, na sessão de 12/12/2008, foi proferido despacho relativamente à testemunha CC, autorizando a que a mesma fosse inquirida sem ser perguntada directamente às bases para as quais foi indicada pelo Réu (fls. 1754 a 1763).
A autora recorreu deste despacho, (fls. 1779).
Ainda durante essa audiência (fls. 1900 a 1909), foi deferido à autora articulado superveniente, em razão do que foram ainda aditadas à base instrutória os factos enumerados entre 154º e 160º.
Proferida sentença (fls. 2682 a 2705):
A acção foi julgada improcedente, não se decretando o divórcio nos termos pretendidos pela autora.
A reconvenção foi julgada procedente pelo que se decretou o divórcio entre o réu e a autora, declarando-se, consequentemente, dissolvido o casamento entre ambos. A autora foi considerada a única culpada.
Inconformada, apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação, por douto acórdão de 14/03/2013, decidido:
1 – Não conhecer do primeiro recurso de agravo relativamente aos despachos em que a agravante foi condenada em multa, mantendo-os na íntegra;
2 – Julgar improcedente o recurso de agravo do despacho que deferiu o requerimento do agravado, denominado articulado superveniente e ordenou o aditamento à base instrutória dos factos elencados sob os n. os 146 a 153, bem como o segundo recurso de agravo interposto do despacho proferido relativamente à testemunha CC, mantendo na íntegra esses despachos.
3 – Julgar improcedente a apelação, confirmando na íntegra a sentença recorrida.
De novo inconformada, recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, finalizando com as seguintes conclusões:
1ª - O presente recurso de revista tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela ora recorrente e, em consequência, confirmou a sentença proferida pelo 1.º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, que i) julgou a acção de divórcio proposta pela autora, ora recorrente, improcedente, por não provada; ii) julgou a reconvenção do réu, ora recorrido, procedente, por provada, e, em consequência, decretou o divórcio; iii) declarou a ora recorrente única culpada pelo divórcio.
2ª - A agressão física perpetrada pelo recorrido contra a recorrente, sancionada criminalmente por sentença transitada em julgado, constitui uma violação do dever conjugal de respeito (artigo 1672º CC), que se deve qualificar como objectivamente grave para efeitos do artigo 1779º, n.º 1 CC, designadamente para efeitos de comprometimento da vida em comum.
3ª - Mesmo quando tácito, o perdão deve consistir num comportamento que demonstre inequivocamente a intenção do cônjuge ofendido de reconhecer o não comprometimento da vida conjugal.
4ª - No caso vertente, a matéria de facto dada como provada não permite sustentar um perdão da recorrente. Designadamente não é possível, sob pena de contradição lógica, concluir a partir do n.º 7 da matéria de facto dada como provada que a recorrente perdoou o recorrido.
5ª - Devendo proceder o pedido de divórcio formulado pela recorrente, deve o Tribunal ad quem declarar o recorrido como principal culpado, nos termos do artigo 1787º, n.º 1, CC.
6ª - O acórdão recorrido violou os artigos 1672.º, 1779.º, 1780.º, alínea b), e 1787.º, todos do Código Civil, na redacção temporalmente aplicável aos presentes autos.
O recorrido contra – alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
2.
A 1ª instância deu como provados os seguintes factos que o Tribunal da Relação confirmou:
1º - A autora e o réu contraíram casamento em .../.../2000, sem convenção antenupcial (alínea A).
2º - Em .../.../2002, nasceu DD, filha da autora e do réu (alínea B).
3º - Na noite de 1/09/2003, a autora apresentou queixa junto da GNR de Alcabideche, nos termos dos documentos juntos aos autos a fls. 29 e 30 (alínea C).
4º - Correu termos no 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais, com o nº 5347/04.4TBCSC, um processo intentado pela autora contra o réu de contribuição para despesas domésticas (alínea D).
5º - O réu tem mais 3 filhos, além da menor DD, fruto de anteriores casamentos: EE, maior, FF e GG (alínea e).
6º - No dia 13/12/2004, no âmbito do processo de regulação do poder paternal, a autora apresentou um articulado, no qual, referindo-se ao réu, afirma:
a) - Existem probabilidades muito sérias e consistentes do aqui réu poder desferir contra a menor (a filha de ambos) actos de cariz sexual, traduzidos em abusos sexuais (artigos 6º e 7º);
b) - As fotografias em causa têm por escopo explorar a sexualidade infantil (artigo 66º);
c) - As crianças foram expostas e utilizadas – através da fotografia – para que o aqui réu pudesse “dar corpo às suas fantasias sexuais com menores” (artigo 74º);
d) - As fotografias são erotizadas, pornográficas e abusadoras (artigos 75º, 76º e 77º);
e) - O réu consulta sites pedófilos (artigo 90º);
f) - O réu tem um “relacionamento estranho” do “ponto de vista sexual”, com a sua filha FF, menor de 14 anos, (artigos 94º, 95º a 119º);
g) - Existe o “perigo eminente de abuso sexual da menor” (artigo 355º) (alínea F).
7º - O réu foi condenado por sentença de 11/01/2007, transitada em julgado, numa pena de 180 dias de multa à taxa diária de 20,00 € pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, pº e pº pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pessoa da Autora, tendo sido dado como provados os seguintes factos:
a) - Os arguidos são casados entre si, tendo contraído matrimónio em 7/07/2000, do qual...
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