Acórdão nº 571/19.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-12-2022

Data de Julgamento06 Dezembro 2022
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão571/19.8T8LSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I Relatório

1. AA António intentou a presente ação declarativa contra BB e Bankinter, S.A., pedindo que fosse declarado que:

1 - A fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ....º, situada na Rua ..., ..., ... ... (atual endereço), constitui bem próprio do A.;

2 - A dívida ao Banco Bankinter, S.A., Sucursal em Portugal, ainda por liquidar, é da exclusiva responsabilidade do A. e, em consequência,

3 – O A. é o único titular da conta com o IBAN ...51, onde o 2.º R debita as prestações ordinárias do empréstimo n.º ...77;

4 - Após a dissolução do casamento o A. pagou ao Bankinter, S.A., as prestações ordinárias do empréstimo que se foram vencendo, e pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis referente à mesma fração, no montante total de € 1821,40 (mil oitocentos e vinte e um euros e quarenta cêntimos), nos termos consignados nos artigos 31.º e 32.º do articulado;

5 - O veículo automóvel de marca ..., matrícula ..-GM-.., constitui bem próprio do A.;

6 - Após a dissolução do casamento, o A. pagou despesas referentes ao mesmo veículo no valor global de € 2435,93 (dois mil quatrocentos e trinta e cinco euros e noventa e três cêntimos), nos termos consignados nos artigos 38.º e 39.º do articulado.

O Autor formulou, ainda, o seguinte pedido subsidiário:

Requer-se seja declarado que:

1 – O A. investiu na compra da fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ....º, situada Rua ..., ..., ... ..., a quantia total de € 186149,98 (cento e oitenta e seis mil cento e quarenta e nove euros e noventa e oito cêntimos) proveniente de bens próprios, nos termos consignados nos artigos 9.º a 29.º do articulado;

2 - O A. investiu na compra do veículo automóvel de marca ..., matrícula ..-GM-.., a quantia de € 13500,00 (treze mil e quinhentos euros), proveniente de bens próprios, nos termos consignados nos artigos 34.º a 37.º do articulado.”

Para o efeito, alegou, em síntese, que:

i) A. e R. contraíram matrimónio no dia 17.6.2006, sob o regime supletivo de bens de comunhão de adquiridos, vindo o casamento a ser dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 11.1.2018.

ii) Na constância do matrimónio foi adquirida a fração ... do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...81 (atualmente artigo ...º), situada na Rua ..., ..., ... ... (atual endereço), pelo preço de €280.000,00, com recurso a empréstimo bancário no montante de €155.000,00, figurando como credor hipotecário o 2º R. (por ter sucedido ao Barclays Bank PLC), pago mensalmente por débito direto na conta, atualmente, com o IBAN ...51...

iii) A diferença entre o preço da fração e o valor do empréstimo bancário contraído, no montante de €125.000,00, foi exclusivamente custeada por bens próprios do A., tal como o foram as despesas pagas no ato da escritura, IS, IMT, e despesas notariais, tudo no montante total de €138.614,43, através de parte do valor de venda de uma fração propriedade do A., resgate de certificados de aforro de que era titular e doações que os pais do A. lhe fizeram.

iv) Para além dos valores referidos provenientes de bens próprios, na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no montante global de €47.535,55, através de resgate de certificados de aforro de que era titular, e doações que a mãe lhe fez.

v) Aquando da instauração da ação de divórcio já tinha sido amortizada, de forma extraordinária, ao empréstimo bancário, a quantia total de €80.000,00, dos quais apenas €46.331,44 o foram com bens comuns do casal, sendo, na data da dissolução do casamento, a dívida ao 2º R. de apenas €60.641,01, em cuja amortização a R. deixou de participar, vindo o A. a efetuar o pagamento das prestações no valor mensal de €123,00.

vi) O A. investiu na compra da fração e na amortização do empréstimo bancário contraído para a respetiva aquisição um total de €186.149,98 provenientes de bens próprios, correspondente a 66,48% do valor da compra.

vii) Efetuou, também, o pagamento do IMI referente ao ano de 2017, no montante de €468,40.

viii) Na constância do matrimónio, foi, ainda, adquirido o veículo Renault Grand Espace, matrícula ..-GM-.., pelo preço de €22.000,00, para cujo pagamento os pais do A. lhe doaram a quantia de €12.000,00, e entregaram ao vendedor o veículo automóvel ... de matrícula ..-..-SZ, de que eram proprietários, ao qual foi atribuído valor de retoma de €1.500,00, pelo que apenas 38,64% do valor de compra do veículo em causa, correspondente aos €8.500,00, constitui bem comum do casal.

ix) Após a dissolução do casamento, o A. continuou a pagar o seguro e o IC do veículo no montante de €469,70, e €344,61, respetivamente, bem como pagou as despesas de manutenção do referido veículo no montante de €1.621,62.

2. Citados, os Réus vieram contestar individualmente, sendo a R., por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.

3. Realizou-se audiência prévia, na qual o Autor “prescindiu” dos pedidos formulados contra o Réu, tendo sido proferido despacho que absolveu o Réu da instância quanto aos pedidos 2 e 3; Mais foi proferido despacho que saneou o processo, fixou o objeto da lide, elencou os factos já provados, e enunciou os temas da prova.

4. Proferida decisão, o Tribunal de 1.ª instância julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência declarou que o Autor investiu na compra da fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ...º, situada Rua ..., ..., ... ..., a quantia total de €125.000,00, proveniente de bens próprios, e absolveu a Ré do demais peticionado.

5. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação.

6. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, sendo o teor decisório o seguinte: “Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, alterando-se, em consequência, a sentença recorrida, e, julgando a ação parcialmente procedente, declara-se que: 1) a fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ...º, situada na Rua ..., ..., ... ... (atual endereço), constitui bem próprio do A.; 2) o veículo automóvel de marca Renault Grand Espace, matrícula ..-GM-.., constitui bem próprio do A.

7. Inconformada, a Ré BB veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª O presente recurso é interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou procedente a apelação do Autor, alterando a sentença recorrida, no sentido de alterar a natureza jurídica da fração e do veículo automóvel, passando a considerá-los bens próprios do Recorrido, ao invés da sentença recorrida que tinha mantido a natureza de bens comuns.

2.ª A decisão de que ora se recorre padece de erros na aplicação do direito, bem como na sua fundamentação.

3.ª O tribunal a quo fundamentou a sua decisão nas declarações do Autor, ora Recorrido, e nos depoimentos indiretos das testemunhas por este indicadas: CC e DD.

4.ª O Supremo Tribunal de Justiça é competente para conhecer se a fundamentação da matéria de facto obedece aos parâmetros legais estabelecidos, nomeadamente, no que respeita à admissibilidade e valoração atribuída às declarações de parte do Recorrido e aos depoimentos indiretos das testemunhas arroladas.

5.ª É certo que o STJ, “pode e deve (…) avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova (...) até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada.” (Ac. STJ, Proc. nº 03P3766, de 15/01/2004) (sublinhado nosso).

6.ª O Tribunal a quo entendeu que o tribunal de primeira instância desconsiderou, a priori, as declarações de parte do A., por considerar que as mesmas deveriam ser ponderadas no cotejo da restante prova produzida. No entanto, a primeira instância ponderou todo o conteúdo das declarações do Recorrido e concluiu que “dado o seu interesse na decisão da causa a seu favor, e sendo certo que no âmbito destas o mesmo não reconheceu nenhum facto que o desfavorecesse, tendo o mesmo já exposto a sua versão dos factos nos articulados, não revestiam qualquer relevância probatória.”

7.ª O tribunal de primeira instância não desacreditou, à priori, as declarações de parte do A., antes pelo contrário, analisou a forma como o Recorrido as prestou, a sua coerência e verosimilhança, tendo em conta a situação concreta e as regras de experiência comum.

8.ª Aliás, tal como resulta da jurisprudência maioritária, nada obsta a que as declarações e os depoimentos de parte sejam apreciadas livremente pelo julgador, mas “(…) desde que observada a devida cautela. pois por natureza é um depoimento interessado” e que a “prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes.” (Ac. TRG, Processo n.º 294/16.0Y3BRG.G1, de 18/01/2018) (sublinhado nosso)

9.ª O tribunal de primeira instância apreciou as declarações de parte do Recorrido, dentro dos limites da livre apreciação da prova a que está sujeito, constatando que este se limitou a reproduzir o conteúdo dos seus articulados, não reconheceu ou confessou nenhum facto que lhe fosse desfavorável, pelo que, atendendo ao seu interesse na causa, pouco ou nada...

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