Acórdão nº 57/15.0JBLSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-03-2021
Data de Julgamento | 10 Março 2021 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO QUANTO À PENA ÚNICA E REJEITADO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO E PENAS PARCELARES |
Classe processual | RECURSO PENALQ |
Número Acordão | 57/15.0JBLSB.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
Relatório
1. AA, devidamente identificado nos Autos, foi, em 9/6/2020, condenado em 1.ª Instância, no Tribunal Coletivo do Juízo Central Criminal ………….. do Tribunal Judicial da Comarca ……….., pela prática:
I) de 1 (um) crime de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo artigo 272, n.º 1 al. b) do CP, na pena de 7 anos de prisão;
II) de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art. 203, 204, nº 1 al. e), 22 e 23, todos do CP (18/18……… – apenso Q) na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
III) de 1 (um) crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368-A nº 2 do Cód. Penal (NUIPC 131/17……… – apenso AE) na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, seria condenado na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.
2. Interposto por si recurso para o Tribunal da Relação ………., por Acórdão desta de 22.09.2020, foi dada procedência parcial ao recurso interposto, tendo sido confirmadas as penas parcelares de 7 e 5 anos de prisão, quanto aos crimes de incêndio, explosão e outras condutas e de branqueamento de capitais, respetivamente, tendo sido diminuída a pena parcelar relativa ao crime de furto qualificado na forma tentada, para 2 anos de prisão.
O cúmulo jurídico resultante foi fixado na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.
3. Ainda inconformado, deste último acórdão veio o arguido interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, em 26.10.2020. Da sua Motivação, extraiu as seguintes Conclusões:
“1. O arguido recorre porque é um direito que lhe assiste, no entanto, fá-lo com todo o respeito pelo douto acórdão recorrido;
2. O arguido, aqui recorrente foi condenado, no Tribunal da primeira instância, pela prática de: (1) um Crime de Incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo artigo 272.º nº 1 al. b) do Cód. Penal (43/17.…….. (18/18………..) apenso Q: 7(sete) anos de prisão; 1(um) Crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, 204.º nº 1 al. e), 22.º e 23.º (NUIPC’s 18/18………- apenso Q): 2(dois) anos e 6(seis) meses de prisão e 1(um)Crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368.º-A nº 2 do Cód. Penal (NUIPC 131/17………. – apenso AE): 5(cinco) anos de prisão.
3. Tal condenação levou o Tribunal de Primeira Instância a decidir em cúmulo jurídico pela pena única de 10 (dez) anos e 9 (nove) meses de prisão.
4. Com o presente recurso o recorrente apenas pretende pôr em causa o teor do acórdão condenatório na decisão da matéria de direito, no tocante à determinação da medida concreta das penas, parcelares - em especial ao Crime de Incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas - e única, aplicada em cúmulo.
5. Atendendo aos -escassos- factos dado como provados e as concretas provas, nomeadamente testemunhais, deveria o arguido ser absolvido dos três crimes a que foi condenado, face à impossibilidade de provar-se com seriedade e certeza que o direito penal exige.
6. Pois, dos testemunhos denotam-se incongruências que em nada valoram para a obtenção da verdade, as contradições dos depoimentos são flagrantes.
7. Atendendo a que tais decisões assentaram essencialmente no juízo de experiência comum do julgador, no grau de ilicitude dos factos que foi considerado elevado, na existência de dolo direto e intenso.
8. Salvo o devido respeito não concordamos com a condenação do arguido, devendo este ser absolvido da prática dos três crimes referenciados no art.º 2 destas conclusões.
9. Caso V.Exa. assim não entendam, deve a pena aplicada ser reduzida por se afigurar desajustada e elevada;
10. Ora,
11. O recorrente foi condenado pela prática de 1 (um) crime de Incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. p. pelo artigo 272.º nº 1 al. b) do Cód. Penal (NUIPC 18/18………) na pena de 7 (sete) anos de prisão, em crime cuja moldura penal se fixa entre os 3 (três) e os 10 (dez) anos de prisão.
12. E, assim, o que releva na questão em apreço, é que os factos ocorreram cerca das 03H00 da madrugada, nas instalações do ATM, sitas na ………., em prédio desabitado, não existindo, assim, perigo para a vida e integridade física de moradores do prédio onde estava instalada a máquina multibanco, e em local sem transeuntes, o que resulta da circunstância de não existir qualquer testemunha do ocorrido.
13. Não existindo perigo concreto para a vida e para a integridade física das pessoas, o desvalor da conduta, apesar da sua gravidade, que não se menospreza, terá de ser menor!
14. Pelo que, as circunstâncias em que o crime foi praticado e as consequências do mesmo, devidamente ponderadas e sopesadas aquando da determinação da medida da pena, conduziriam à conclusão de que a pena de 4 anos de prisão, mostrar-se-ia adequada e proporcional à gravidade do ilícito.
15. Aplicar-lhe (ao arguido) uma pena de prisão efetiva (cúmulo) de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses, será colocar em sério risco, para além da sua estabilidade emocional, a sua própria vida familiar e profissional.
16. Não foram devidamente apreciadas as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, bem como não foi especialmente atendida e valorada a sua conduta anterior, designadamente a ausência de recorrência criminosa nos últimos 10 anos.
17. Todos os factos presente no registo criminal do arguido são anteriores ao ano de 2010, há 10 anos. Nessa ocasião, dos crimes anteriores, o arguido tinha idade inferior a 26 anos.
18. Hoje, o arguido de 37 anos (nascido a ….-09-1983) de idade é um elemento válido, produtivo, honesto e respeitador da sociedade que o envolve. Do relatório social ficou demonstrado que o arguido procurou sempre manter os estudos e procurou sempre um trabalho efetivo e com vínculo. No entanto, o meio onde está inserido ou, circunstâncias como o falecimento da progenitora, causaram-lhe alguma instabilidade. É como se estivesse a remar, sempre a remar e a determinada altura surge uma corrente muito forte, que o atrasa ou desvia do percurso mas que este, volta a ultrapassar e continuar a tentar.
19. Hoje o arguido pode - e já o fez - mudar o rumo da sua vida, procurando ser um cidadão responsável e digno. Do relatório social resulta que o arguido não tem adições e dedica-se à prática de desporto.
20. Ora, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal, o Tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente quanto a este caso em concreto, a reintegração do arguido que deveria ser valorada favoravelmente, o facto do arguido estar socialmente, profissionalmente e familiarmente inserido na sociedade.
21. E, deveria ter atendido, igualmente, ao carácter humanitário do artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, no sentido de ressocializar o agente. O Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena que cumpriria as funções de reintegração social do arguido, ora recorrente. Tal decisão, é redutora da função dos Tribunais, limitando-se a punir o arguido como um exemplar que tem de ser afastado da sociedade, e não como uma pessoa humana que terá que ser nela integrado, chegando a ser ofensiva do princípio da dignidade da pessoa humana, violadora dos artigos 1.º, 18.º e 20.º, da nossa Constituição.
22. Ao determinar a concreta medida da pena, o tribunal a quo assentou na prevenção e repressão do crime, alheando-se da recuperação e ressocialização do delinquente, não tomando em boa conta a sua personalidade.
23. Requer-se a revogação do douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro, que, considere as razões invocadas, com a absolvição ou, assim não se entendendo, redução das penas parcelares;
24. Caso assim não se entenda, ainda assim deverá, ser reduzida a pena aplicada em cúmulo de 9(nove) anos e 6(seis) meses de prisão efetiva, sendo esta manifestamente injusta e exagerada.
Termos em que e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., concedendo-se provimento ao presente recurso, requer-se a revogação do douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro, que, considere as razões invocadas.
Assim se fazendo a costumada justiça.”
4. Na sua resposta, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, após historiar os passos do processo, considerou essencialmente o seguinte:
“D) Não obstante o propósito assinalado de apenas discutir questões de Direito, nomeadamente, quanto à medida das penas, a verdade é que o Recorrente não deixa de fazer incursões pela matéria de facto, pondo-a em causa, reportando-se a depoimentos prestados em julgamento (“como refere a testemunha CC, existiam, “umas peças caídas no chão e vidros partidos da montra”.”) e chegando ao ponto de afirmar que “Não resultou qualquer prova quanto à participação do arguido AA no Crime de incêndio, explosões e utilização e substâncias perigosas”.
Quanto a este crime, propõe o Recorrente uma pena a fixar em 4 anos de prisão.
E) Não se ficaram por aí as referências à matéria de facto provada e à prova que a sustentou, como cristalinamente resulta do seguinte excerto:
“Quer o Crime de Furto qualificado na forma tentada, quer o crime de Incêndio, explosão e utilização de substâncias perigosas acentam em prova testemunhal indireta, fortuita, pouco coerente.
Sucede que - e sem conceder -, no que tange aos factos integradores da prática deste crime, não resultou provado que o recorrente tivesse conhecimento do montante que se encontrava no interior do ATM objecto da tentativa de furto.”.
F) E para que não restem dúvidas quanto aos reais desígnios do Recorrente, aqui se deixam as surpreendentes Conclusões “5.” a “8.”, do Recurso:
“5. Atendendo aos – escassos - factos dado como provados e as concretas provas, nomeadamente testemunhais, deveria o arguido ser absolvido dos três crimes...
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