Acórdão nº 5668/11.0TDLSB-F.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 18-11-2021
Data de Julgamento | 18 Novembro 2021 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO. |
Classe processual | RECURSO DE REVISÃO |
Número Acordão | 5668/11.0TDLSB-F.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. n.º 5668/11.0TDLSB-F.S1
Recurso de Revisão
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I Relatório
I.1. O arguido/condenado AA, vem nos termos do disposto nos artigos 449.º, n.º 1, al. d) e 450.º, n.º 1, al. c), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão da 1ª instância de 7.07.2014, confirmado por tribunal superior (transitado em julgado quanto ao mesmo arguido em 18.01.2021, segundo certidão que juntou) na parte em que o condenou pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de três anos de prisão.
I.2. Fundamenta o pedido de revisão da condenação por esse crime, relacionado com os factos VIII dados como provados no referido acórdão transitado em julgado que, na sua perspetiva, se baseou no depoimento da testemunha/ofendida BB, que à data do julgamento foi considerado credível, na nova versão que a mesma entretanto apresentou, revelando ser falso o depoimento que prestou em audiência, conforme pretende demonstrar com gravação de conversa que com ela manteve, na presença da avó de ambos. Para o efeito, apresenta as seguintes conclusões de recurso (transcrição[1]):
“1.O presente recurso não tem como fim corrigir a medida da sanção ou a determinação da forma de a executar mas, outrossim, carrear para os autos “… a descoberta superveniente de factos e de meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitam …” graves dúvidas sobre a justiça da condenação” - artgº. 449º. nº. 1 al. d) do CPP.
2.A obtenção de novel prova - registo áudio e respectiva transcrição - evidencia o erro de julgamento constante da decisão proferida a quo, e confirmada ad quem, erro esse determinante da condenação do arguido, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artgs. 203º nº 1 e 204º nº 1 al.a) do CP, na pena de três anos de prisão.
3.O erro inserto no acórdão recorrido é compatível com a grave dúvida que assola a justiça da condenação, erro esse que impõe a prolação de uma outra decisão, a qual, tendo em conta a prova ora apresentada e, em oportuno momento, livremente apreciada pelo Julgador, compatibilize os dados de facto com a Justiça do caso concreto.
4.O condenado mereceu a censura do tribunal a quo e a sua punição em pena privativa de liberdade tendo por supedâneo o enquadramento fáctico-jurídico atinente aos “Factos VIII - artigos 55 a 61 da acusação”, sendo objecto do processo o furto da viatura ...-DL-.. da propriedade de BB, assumindo as declarações desta importância decisiva na cristalização dos factos provados e presunções judiciais que lhe subjazem, culminando tal apreciação de facto e enquadramento jurídico com a fixação da pena de 3 anos de prisão, e, imiscuída esta naqueloutra resultante do cúmulo jurídico das demais penas parcelares, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
5.A questão da inocência do condenado assume novos contornos a ser analisados à luz da prova ex novum que ora se junta, e, não antes, pois, o condenado não dispunha de qualquer meio de prova que caucionasse a sua versão dos factos e que evidenciasse a sua inocência.
6.Perante a condenação e sua confirmação em pena de prisão efectiva, tendo o furto da viatura ...-DL-... como um dos crimes que concorreram para a determinação da pena única, e, não tendo outro meio de recolher meios de prova que atestassem a sua inocência que não o recurso a gravação áudio, sopesando os valores subjacentes aos bens jurídicos em confronto e a absoluta necessidade de estancar a privação de liberdade alcandorada em depoimento falso, o condenado gravou conversa mantida com a “ofendida” BB, na presença da avó de ambos.
7.Decorre da gravação que a final se junta, de forma clara e inequívoca, que o condenado não perpetrou o furto pelo qual veio a ser condenado, sendo tal realidade factual ostensivamente assumida pela “ofendida” BB que, em audiência de julgamento, diria nada saber sobre o “suposto” furto da sua viatura que não fosse o desaparecimento desta e o ressarcimento que lhe foi feito pela Companhia de Seguros, repescando-se, ainda, que as declarações desta testemunha assentam em deturpação e falseamento da realidade, maxime, no que à subtracção da viatura e leitmotiv que presidiu aos factos provados concerne.
8. Decisivamente, importa reter as seguintes passagens da gravação áudio efectuada a coberto de causa justificativa:
[00:07:50] BB: Na PJ falei e não falei em nomes, não falei em ninguém, disse que me tinham roubado o carro.
[00:07:56] AA: Pronto.
[00:07:56] BB: Pronto.
[00:07:57] AA: Sim.
[00:07:57] BB: Agora, como é que eu me vou chegar à frente e dizer que não foste tu, com que provas é que eu vou dizer isso?
[00:12:21] AA: (…) Porque eu, daqueles crimes todos, sabes o que é que eu fiz? Zero. Eu nunca roubei nenhum carro, nem nunca falsifiquei nenhum carro.
[00:12:53] BB: Sim, mas… é assim…
[00:12:56] AA: Não é? Eu não te roubei carro nenhum, não é?
[00:12:57] BB: Essa ideia também não partiu de mim.
[00:12:58] AA: Ó pá, mas eu não te roubei carro nenhum.
[00:13:01] BB: Não.
[00:21:20] AA: É uma decisão… é complicado, não é? Então, vê como é que tu estás. Agora vê como é que eu ando nestes anos todos.
[00:21:28] BB: AA, eu estas merdas caí uma vez, não caio mais. Jurei que foi emenda para toda a vida.
[00:21:35] AA: Pronto, mas ó BB…
[00:21:36] BB: Eu não estou acostumada a nada disto, não tenho o calo, não tenho o calo que tu tens em relação a isto, não tenho mesmo.
[00:27:47] AA: Eh pá, eu sei que te pode custar, mas entre te custar e de eu ir preso, não é? Deve-te custar ir muito mais ver-me lá dentro preso.
[00:27:58] BB: É claro que não é… Como eu te digo, é como eu te estava a dizer há bocado. Até pensei que essa merda já estivesse mais que passada. É claro que ver-te preso, é claro que não é um gosto. Agora é assim, eu também não posso ir entalar, entre aspas, tenho um filho para criar, infelizmente, ele só pode contar comigo, e o que eu disse em …
[00:40:26] AA: Ó BB, o teu pai há uns anos atrás disse-te ou pelo menos ele disse-me a mim que te tinha tentado dar um toque.
[00:40:33] BB: Mas eu não sabia que era nada sobre mim.
[00:40:36] AA: Não é? Pronto. Porque ele sabia, não é? Ele, o teu pai, desde o primeiro dia até ao último dia, sabia de tudo. Eu era a única pessoa que eu falava, era a única pessoa que eu tinha confiança para falar. Não ia falar… E tanto que eu sabia que ele já tinha dito à avó o que é que se passava. Pronto. Se calhar a avó já nem se lembra. Já foi há tanto…
[00:40:59] GG: Eu não me lembro, não.
[00:41:01] AA: Pronto. Agora, também, eh pá, eu sei que tu tens uma vida e isso tudo, agora também acho que não está correto, não é? Eu ser preso por um crime que não fiz, quando a ti não te vai custar nada dizer a verdade. Não levas, não vais presa porque tu não roubaste nada, não é?
[00:41:25] BB: Não.
[00:41:26] AA: Eh pá, é dizer a verdade. Podes…
[00:41:27] BB: Mas ocultei. Então, devia ter dito logo que sabia quem é que tinha sido.
[00:41:32] AA: Ocultaste? Mas ocultaste… OK. Podes levar uma multa? Eh pá, paga-se a multa. Não é? Levas… Podes… olha, são… é tanto? Ó pá, paga-se. O que é que é preferível: pagar uma multa, ficar sem dinheiro, ou ir preso? Eu sei que tu ocultaste, ainda agora disseste que ocultaste. Eh pá…
[00:42:01] BB: Do ponto de vista que tu estás a dizer, eu devia ter dito logo que tinha sido a pessoa em questão, não é? E não disse, disse que não sabia, como é óbvio.
[00:42:08] AA: Tu disseste que não sabias para quê? Para não incriminar uma pessoa de família.
[00:42:11] BB: Ninguém.
[00:42:12] AA: Pronto. Que neste caso era o teu pai. Pronto. Ó pá, mas entre defender o teu pai que é de sangue, não é? A outra pessoa. Preferiste… é o que eu estou a dizer. Levas uma multa, levas um raspanete…? Ó pá, mas raspanetes todos nós levamos ao longo da vida, não é?
[00:48:20] AA: (...) o requerimento é feito pelo advogado. Pronto.
[00:48:51] BB: Sim, mas isso vai impedir com que se abra outra vez o processo, não é?
[00:48:54] AA: Eles depois é que vão abrir.
[00:48:58] BB: Quando abrir o processo, tenho de ir a Tribunal quase de certeza.
[00:49:01] AA: Isso era bom se fosse outra vez tudo anulado.
[00:49:05] BB: Era bom… depende.
[00:49:07] AA: Era bom. BB…
[00:49:12] BB: Na altura, tive sorte de principiante.
[00:49:15] AA: E, espera lá, principiante, mas tu… tiveste sorte de…
[00:49:22] BB: De principiante, de ser a primeira vez.
[00:49:25] AA: Pronto. Mas tu tiveste a colaboração do teu pai. Pronto, e o teu pai é que teve a ideia, não está cá, certo?
[00:56:57] BB: Tu sabes perfeitamente que o meu pai não tem nada a ver com isto.
[00:57:03] AA: Eh pá, dizes tu, não é? Então, o quê?
[00:57:07] BB: Tem. Também fez parte da ideia. Pronto.
[01:00:27] AA: Eh pá, eu não quero tu me digas nada agora, eh pá, quero que tenhas a hombridade de pensar, pá, de vermos a melhor situação para todos.
[01:00:46] GG: O carro era teu e era dela, não é?
[01:01:43] BB: Então, e isso também não posso dizer que quando soube já estava o processo arquivado? Na altura, não sabia, mas depois, mais tarde, vim a saber, mas já tinha passado os anos, já tinha sido indemnizada. Já me tinham ligado a dizer que o carro tinha aparecido.
[01:02:03] AA: Eh pá, é isso que tem que se falar com o advogado. Ó BB…
[01:02:09] GG: Então, e qual é…
[01:02:10] AA: Ó BB, é isso que tem que se falar com o advogado. Agora é assim, eu, para falar com o advogado contigo, não é?, tenho que saber se tu estás para me ajudar ou não. Certo?
[01:02:30] GG: Oh, que chatice.
[01:02:33] BB: Bem, eu desde que não saia prejudicada, não tenha que enfrentar outra vez tribunais e etc., no que eu puder fazer… agora lá está, preciso de saber com o advogado o que é que me pode acontecer a mim. Qual é o pior dos cenários. Tenho que saber com o que é que tenho de estar a contar.
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