Acórdão nº 5656/12.9YYPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 29-04-2014

Data de Julgamento29 Abril 2014
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão5656/12.9YYPRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Proc. nº 5656/12.9YYPRT.P1.S1[1]

(Rel. 159)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “AA, Sucursal em Portugal”, com sede em Vila Nova de Gaia, instaurou, em 17.09.12, nos Juízos de Execução do Porto (com distribuição ao 1º Juízo/1ª Secção), execução comum para pagamento de quantia certa contra “BB, S. A.”, para haver desta o pagamento da quantia de €178 819, acrescida de juros de mora vincendos sobre o capital de € 166 050,00, desde aquela data até integral pagamento.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegou:

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--- A sociedade comercial “AAPortugal Lda” (integrada, em 30.08.11, por fusão, na, ora, exequente), no exercício da sua actividade comercial de importação e venda, entre outros produtos, de material e equipamento de imagem de diagnóstico, vendeu à executada um equipamento de aquisição de imagem radiológica denominado “Devo” (que aplicou nas suas instalações, em 17.11.10), assim como um complemento de arquivo de imagens pela via digital para o dito equipamento “Devo”, composto por um software PACS Synapse, um servidor, uma estação de trabalho com um monitor de apoio de 19” e dois monitores de alta resolução de 3MP (que também colocou nas instalações da executada, em 09.02.11);

--- A venda, efectuada em 15.12.10, foi acordada pelo preço global de € 135 000,00, acrescido do valor do IVA à taxa legal, na condição dos equipamentos e software serem pagos, em Janeiro de 2011, com a possibilidade da executada os pagar através da celebração de um contrato de locação financeira;

--- Porém, a executada não celebrou contrato de locação financeira e não pagou também o preço dos equipamentos, no mês de Janeiro de 2011, motivo por que a exequente, em 28.02.11, emitiu e entregou à executada as facturas respeitantes aos mesmos, com os nº/s … e …, no valor de € 83 025,00 (€ 67 500,00 + € 15 525,00) e de € 83 025,00 (€ 67 500,00 + € 15 025,00), respectivamente;

--- A exequente interpelou, então, a executada, por diversas vezes, para lhe pagar o valor das facturas referidas, tendo-lhe estabelecido o dia 30.09.11 como data limite para o pagamento das mesmas, e exigiu-lhe, ainda, que lhe passasse um cheque para essa data, para o caso de a mesma não efectuar o pagamento até lá, através da celebração do aludido contrato de locação financeira;

--- A executada entregou, então, à exequente, em 03.06.01, o cheque por si sacado sobre o BES, à ordem daquela, com o nº …, no valor das aludidas facturas, ou seja, no valor de € 166 050,00, datado para o dia 30.09.11, para o caso de não efectuar o pagamento das mesmas, até essa data, através da celebração de um contrato de locação financeira;

--- Contactada, por diversas vezes, a executada, esta foi sempre prometendo à exequente efectuar o pagamento do preço em falta, pedindo a esta para não apresentar a pagamento o mencionado cheque, o que a exequente fez, na expectativa de que iria receber o preço dos equipamentos;

--- Não obstante, e apesar das inúmeras promessas de pagamento, a exequente continua sem nada receber, até à presente data, do preço dos equipamentos, no valor de € 166 050,00, não apresentando também a pagamento o sobredito cheque, tendo, assim, sido ultrapassado o prazo previsto no art. 29º da L.U.C. (Lei Uniforme Relativa ao Cheque) para a sua utilização como título cambiário, e, mais tarde, o próprio prazo de validade do cheque.

Junto aos autos, por iniciativa do tribunal, o original do sobredito cheque, por despacho de 18.12.12, foi, nos termos do disposto no art. 820º, com referência ao art. 812º-E, nº1, al. a), do CPC, rejeitada a execução, porquanto se considerou que aquele não constituía título executivo.

Diferente entendimento teve a Relação do Porto, a qual, por acórdão de 04.07.13 e na procedência da apelação interposta pela exequente, revogou a decisão recorrida, tendo ordenado o prosseguimento da execução, já que o cheque dado à execução constitui título executivo.

Daí a presente revista interposta pela executada, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

/

2:

1ª – O douto acórdão recorrido é nulo por não especificar os fundamentos de facto que fundamentam a decisão, nulidade que expressamente se invoca e deve ser julgada verificada - art° 668 n" 1 alínea b) do C. P. Civil ex vi seu art° 716 (nesta e nas demais conclusões sempre que aludirmos ao Código de Processo Civil - ressalvada menção expressa em contrário ou as citações adiante efectuadas - referimo-nos ao Código de Processo Civil que estava em vigôr à data em que foi proferido o acórdão recorrido e à data da sua notificação);

2ª – O douto acórdão sob recurso não se pronunciou sobre a questão suscitada na conclusão 15ª das contra-alegações da executada na apelação (cujo teor é o seguinte" 15- Pelo que se a execução não tivesse sido rejeitada pelos fundamentos constantes da douta sentença, deveria sê-lo pelos expostos nas conclusões que antecedem, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 684-A do C.P.Civil.") pelo que incorreu na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art° 668º do C. P. Civil, ex vi seu art° 716º, a qual aqui expressamente se argui e deve ser julgada verificada;

3ª – Para além de não ter discriminado os factos que dava como provados, o douto acórdão pressupôs como provados alguns factos, em violação do disposto nos arts. 490º e 659º do C. P. Civil, como sucede com os seguintes que refere na sua página 21 "Aliás, como decorre do alegado pela exequente, o decurso do prazo de apresentação do cheque a pagamento, bem como do seu próprio prazo de validade, ficou a dever-se à apelada, que foi criando a falsa ideia na apelante de que o contrato de locação financeira para pagamento dos equipamentos e software em questão seria por ela brevemente celebrado.

Por esse motivo, o cheque em causa não pode efectivamente ser accionado como título cambiário por falta de requisitos objectivos a essa exequibilidade - apresentação a pagamento no prazo de oito dias e certificação da recusa de pagamento;"

4ª – Toda essa factualidade (transcrita na conclusão anterior) foi exaustivamente impugnada no articulado inicial da oposição à execução - vide v.g seus art°s 63° e 64° - pelo que ao ter sido considerada provada no douto acórdão recorrido foram violados os arts. 490º e 659º do C. P. Civil, ex vi nº 3 do seu art° 722°;

5ª – O cheque dado à execução não foi apresentado a pagamento, pelo que não constitui título executivo - cfr. art°s 29° e 40° da LUC (lei Uniforme Relativa ao Cheque) - pelo que a presente execução só podia ter sido rejeitada, como bem decidiu a douta sentença da 1ª instância - vide Ac. RP de 01-03-2005, Relator Cândido Lemos, disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário se pode ler "Um cheque prescrito ou não apresentado a pagamento no prazo de oito dias. não é título executivo, mesmo como documento particular";

6ª – O douto acórdão recorrido está em contradição com o citado douto acórdão da Relação do Porto de 01-03-2005, já transitado em julgado, também proferido sobre a mesma questão fundamental de direito: saber se um cheque não apresentado a pagamento em desobediência ao disposto no art. 29° da LUC é título executivo desde que na petição executiva se especifique a relação subjacente, sendo certo que, em tal acórdão de 01.03.05, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, se entendeu, tal como defendemos, que não constitui título executivo;

7ª – Quer o douto acórdão recorrido, quer o citado douto acórdão da Relação do Porto de 01.03.05, foram proferidos no domínio da vigência das mesmas disposições da LUC, maxime dos seus arts 29° e 40°, devendo considerar-se proferidos no domínio da mesma legislação dado que a alteração na redacção da alínea c) do artigo 46° do C. P. Civil, registada entre a data em que foi proferido o citado acórdão de 2005 e o acórdão recorrido, e que foi introduzida pelo DL 226/2008, de 20 de Novembro, não influi minimamente na apreciação da questão sub judice;

8ª – O douto acórdão recorrido ao decidir, que tal cheque constitui título executivo, como documento particular assinado pelo devedor que reconhece o débito nele incorporado, fez errada interpretação e violou o disposto no nº 1 do art° 45° e na alínea c) do nº 1 do art° 46° do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos arts. 29° e 40° da LUC (Lei Uniforme Relativa ao Cheque), devendo ser revogado e substituído por decisão que rejeite a execução;

9ª – O entendimento de que o dito cheque constitui título executivo viola ainda o artigo 8° da Constituição da República Portuguesa, pois que o disposto nos arts 29° e 40° da LUC resultante da Convenção de Genebra de 1930 à qual Portugal continua vinculado – disposições que condicionam o direito de acção por falta de pagamento à apresentação a pagamento em tempo útil do cheque (ou seja no prazo de oito dias) e verificação da recusa de pagamento pelas formas indicadas nesse art° 40º – prevalece sobre o direito português infra-constitucional, não podendo ser por este derrogado ( vide Ac. STJ de 04.05.99, Relator Garcia Marques, em cujo sumário se pode ler "II – A ampliação do elenco dos títulos executivos por força da alteração introduzida à alínea c) do artigo 46 do C.P.C. pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, não tem, nem pode ter, a virtualidade de colidir com a aplicação da legislação específica sobre cheques constantes da respectiva Lei Uniforme.");

10ª – O entendimento do douto acórdão recorrido no sentido da exequibilidade do cheque, não obstante não ter sido apresentado a pagamento, é indefensável, porque permite que o portador do cheque que o queira dar à execução, não o apresente a pagamento deliberadamente, até com intuito de prejudicar o sacador! – o que é inadmissível por perverter a função do cheque e permitir o arbítrio e sancionar a má fé;

11ª – Tal como...

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