Acórdão nº 560/19.2PATVD.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 29-05-2024

Data de Julgamento29 Maio 2024
Case OutcomePROVIDO
Classe processualRECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Número Acordão560/19.2PATVD.L1-A.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam, em conferência, no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

I.1. A Assistente AA, não se conformando com o acórdão proferido em 13 de outubro de 2022 pela Relação de Lisboa, no processo nº 560/19.2PATVD.L1, 9ª secção, acórdão recorrido1, e invocando o artigo 437º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), veio, em 28 de novembro de 2022, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Trouxe como acórdão fundamento o proferido em 25 de setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, publicado in www.dgsi.pt, ambos transitados em julgado.

Aduziu, além do mais, que os acórdãos proferiram decisões opostas sobre a mesma questão de direito.

Assim:

Acórdão recorrido:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152º, nº 1, do Código Penal (doravante CP), com base em factos atentatórios da dignidade, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido não pode ser condenado pela prática de um crime de injúria, p e p. no artigo 181º, nº 1, do CP, (e de um crime de difamação), pese embora se tenham dado como provados todos os seus elementos típicos, mesmo tendo em conta que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos, por faltar a acusação particular. Falta essa que retira legitimidade ao ofendido e ao Ministério Público (doravante MºPº) para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

Acórdão fundamento:

Tendo sido o arguido acusado pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152º, nº 1, do CP, com base em múltiplos factos atentatórios da dignidade pessoal, da integridade física e da honra da ofendida, apesar de o arguido não ter sido condenado por falta de elementos típicos de tal crime, o arguido pode ser condenado pela prática de crime de injúria p. e p. no artigo 181º, nº 1, do CP, uma vez que se deram como provados todos os seus elementos típicos e inexiste obstáculo processual a tanto dado que a ofendida, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos. O que, mesmo sem acusação particular deduzida, confere legitimidade ao ofendido e ao MºPº para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular.

Peticionou a recorrente que se dirimisse o conflito no sentido do entendimento do acórdão fundamento.

I.2. Recebido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, a Conferência da 3ª secção, criminal, por acórdão de 10/01/2023, julgou verificados todos os requisitos formais e substanciais, aqui incluída a oposição de julgados, e determinou o seu prosseguimento, nos termos do artigo 441º, nº 1, 2ª parte, do CPP.

I.3. Notificados os interessados, ut 442, nº 1, na sequência do despacho de 07/02/2023, vieram o Recorrente e o Ministério Público apresentar alegações.

I.4. Sintetizou o Ministério Público em sede de conclusões:

“(…) 3) - Ao aderir à acusação pública, mormente por crime de “violência doméstica”, o assistente, acusando também, manifesta a sua vontade de prossecução criminal e punição do arguido por todos os factos ali descritos, incluindo os factos susceptíveis de poderem integrar autonomamente os crimes de natureza particular.

(…)

9) - Se o hipotético “concreto recorte da vida” (relativo aos crimes de “injúria” e de “difamação”) que, por falta de prova do restante, passou a constituir o único “objecto do processo” constava já da acusação pública, não é lógico-processualmente viável afirmar que o assistente, ao aderir à acusação, não acusou por esses factos.

(…)

12) - Se os factos provados, integradores de crime-particular, constavam já da acusação do Ministério Público, pelo crime de violência doméstica, está plenamente salvaguardado o direito de defesa do arguido, tendo o mesmo tido oportunidade de, em julgamento, se fazer ouvir e garantir plenamente a sua defesa quanto a esses factos e a sua juridicidade.

13) - Findo o inquérito, o assistente não tem de ser notificado, pelo Ministério Público, para deduzir acusação particular, se os indícios, em face da prova recolhida durante a investigação, apontarem para o crime de “violência doméstica”, de natureza pública, ainda que também integrado por factos atinentes a crimes-particulares.

14) - Perante a acusação do Ministério Público por um crime-público, não poderá o assistente tomar outra posição que não seja a de deduzir acusação pelos factos da acusação-pública, por parte deles ou por outros que não importam alteração substancial daqueles (ou, simplesmente, não acusar).

15) - O Acórdão Recorrido, ao negar à assistente a legitimidade para prosseguir a acção-penal pelos crimes de “injúria” e de “difamação” apurados em julgamento, decidiu em irrazoável desconsideração pela efectiva realização do interesse da ofendida, com prejuízo para o seu direito à Justiça e para a paz-social, conquanto não o tenha decidido em prol de uma tutela apta e necessária à defesa do contraditório.

(…)

20) - Tal como o crime de “violência doméstica”, de natureza pública, sofreu um efeito de degradação ético-normativa nos crimes de “injúria” e de “difamação” – cujo bem-jurídico constitui uma parcela de um mais complexo, atinente àquele –, de natureza particular, o acto pelo qual a assistente acompanhou a acusação pública, converteu-se, normativamente, na “acusação-particular” que teria sido formulada caso fosse essa a indiciação operada pela conclusão do inquérito. (…)”

E rematou com a seguinte proposta de fixação de jurisprudência:

“O assistente que se queixou atempadamente e aderiu à acusação pública tem legitimidade para prosseguir na acção penal contra arguido que, devendo, em julgamento, ser absolvido da prática de um crime de “violência doméstica”, p. e p. na disposição do artigo 152/1-b) do Código Penal, comprovadamente cometeu os factos imputados que autonomamente são susceptíveis de integrar também a prática de crimes de “difamação” e de “injúria”, p. e p.p. , respectivamente, nas disposições dos arts 180/1 e 181/1 do mesmo Código.”

I.5. Por seu turno a Recorrente invocou, em síntese, a inequívoca manifestação, por parte da aqui Recorrente, da vontade de persecução da tutela penal em relação à parte dos atos imputados ao arguido com a idoneidade bastante ao preenchimento do crime de injúrias e difamação, de entre a pluralidade de atos em que se analisava a descrição contida na acusação. Que tal vontade foi, inclusivamente, expressa, desde logo, na apresentação de queixa, pela constituição de assistente, pelo acompanhamento da acusação pública e pela prestação de declarações em audiência. Por isso, tendo em conta quer o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva quer a teleologia ou as intenções político-criminais que presidem ao pressuposto processual não pode sustentar-se a falta de promoção pelo MP, tendo este Órgão promovido a ação penal nos exatos termos que a lei lhe impunha. E pugna que o acompanhamento da acusação pública equivale para preenchimento do pressuposto a dedução de acusação particular. “Pelo que no caso em apreço mostra-se inteiramente preenchido o desiderato prosseguido pelo legislador com o instituto da acusação particular, e assim que a falta de autónoma acusação pela assistente não constitui motivo para inutilizar a adesão da mesma à acusação proferido pelo MP, que detinha a legitimidade para o efeito.

20. Face a tudo quanto supra exposto, mostra-se assegurada a tutela dos interesses inerentes ao instituto da acusação particular, entendendo a assistente ser a mais correta a posição defendida no acórdão fundamento, entendimento e jurisprudência que se afigura a mais adequada e proporcionada às situações descritas em ambos os processos, sendo a solução que melhor se adequa ao espírito da lei, aos princípios em que a mesma se baseia e que tem um mínimo de correspondência na sua letra, cfr. artigo 9.º do C. Civil.”


E finalizou a propor que o Supremo Tribunal de Justiça decida “em termos de uniformização da jurisprudência no sentido de que verificadas as circunstâncias fácticas supra citadas não se impõe a exigência de acusação particular, mantendo-se a legitimidade da assistente e do MP para a condenação do arguido pela prática do crime de injurias e difamação, p.p. previstos respetivamente nos artigos 181.º n.º 1 e 180.º n.º 1 do CP expresso no Acórdão Fundamento.”


I.6. Foram colhidos os vistos e reuniu o Pleno das Seções Criminais.


I.7. Da verificação dos pressupostos do recurso de fixação de Jurisprudência

Porque a antecedente decisão de verificação da oposição de julgados plasmada no precedente acórdão de 10/01/2023 que julgou verificada a oposição não vincula o Pleno das Secções Criminais, impõe-se revisitar a contraditoriedade dos acórdãos e a verificação dos pressupostos de fixação de jurisprudência ainda que de forma sucinta, e, se for caso disso, recuperando o aí dito.

O recurso de fixação de jurisprudência encontra-se previsto no Capítulo I, do Título II, do Livro XIX do CPP, e os arts 437.º (Fundamento do recurso) e 438.º (Interposição e efeito) disciplinam os requisitos de natureza formal e substancial para a admissibilidade deste recurso extraordinário.

Constituem pressupostos formais da admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência:

(i) a legitimidade e interesse em agir do recorrente;

(ii) a tempestividade (interposição no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido);

(iii) a invocação e identificação de um único acórdão fundamento, com menção da publicação e junção de cópia;

(iv) o trânsito em julgado dos dois...

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