Acórdão nº 560/19.2PATVD.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-01-2023
Data de Julgamento | 10 Janeiro 2023 |
Case Outcome | VERIFICADA A OPOSIÇÃO DE JULGADOS |
Classe processual | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) |
Número Acordão | 560/19.2PATVD.L1-A.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I - RELATÓRIO
I.1. AA, Assistente nos autos à margem referenciados, não se conformando com o acórdão proferido em 13 de outubro de 2022 pela Relação de Lisboa, acórdão recorrido, do mesmo, em 28 de novembro de 2022, veio interpor recurso extraordinário para FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 437.º e seguintes do CPP. Traz como Acórdão fundamento o proferido em 25 de setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, publicado in www.dgsi.pt, ambos transitados em julgado.
I.2. A assistente apresentou as seguintes conclusões:
“1. A assistente recorre nos termos do n.º 2 do art. 437.ºe ss, do CPP e dá por integralmente reproduzida a motivação que antecede.
2. Existem decisões contraditórias, já transitadas em julgado, sobre a mesma questão de direito. O fundamento do recurso prende-se com a legitimidade do acusador em fazer prosseguir o procedimento criminal contra o arguido sob os crimes de injúria e difamação, quando o arguido venha acusado pela prática do crime de violência doméstica e a assistente não tenha deduzido acusação particular.
3. A manifestação da vontade da ofendida (assistente) de persecução da tutela penal dos direitos violados expressa pela dedução de queixa, constituição de assistente, acompanhamento da acusação pública e prestação de declarações em sede de audiência, é suficiente e adequada a assegurar a tutela dos interesses inerentes ao instituto da acusação particular.
4. Ora, no momento em que o Ministério Público deduziu a acusação pública, os factos integradores do crime de injúria e difamação foram englobados nessa acusação, porque os referidos crimes se encontram numa relação de especialidade com o crime de violência doméstica, verificando-se uma situação de concurso aparente de crimes que determinava perda de autonomia.
5. Assim, todos os factos passaram a ser tratados conjuntamente, como um único crime, ao qual seria abstratamente aplicável, verificados os respetivos pressupostos, a pena prevista para o crime de violência doméstica, que tem uma gravidade superior.
6. Pelo que se mostrava, desde logo, vedado ao titular da ação penal determinar a notificação a que se reporta o artigo 285º do CPP.
7. Pois com a constituição de assistente e a dedução, pelo mesmo, de acusação ou com a mera adesão à acusação do Ministério Público (artigo 284.º do CPP), no seio da qual se incluem as condutas lesivas da honra, se assegura a legitimidade deste último para a prossecução da ação penal.
8. Em 25 de Setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do proc. n.º 505/15.9GAPTL.G1, foi proferido acórdão que decidiu que tendo a ofendida se previamente constituído assistente e aderido integralmente à acusação pública pelo crime de violência doméstica, em que se continham também os factos que se vieram a provar consubstanciadores do crime particular, a esta nada mais lhe era processualmente exigível.
9. A questão de direito ali apreciada e transitada, ao que aqui interessa, prende-se com o facto não tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, e estando provados comportamentos que consubstanciam a prática de um crime de injúria e difamação, poderia este ter sido condenado pela prática dos sobreditos crimes, não obstante a falta de dedução de acusação particular pela assistente.
10. Em nosso entender, como é bom de ver, existe manifesta identidade entre a situação e matéria apreciada no acórdão recorrido e a situação e matéria apreciada no acórdão fundamento.
11. Há identidade das situações de facto subjacentes nos dois acórdãos em conflito, sendo perfeitamente possível estabelecer uma comparação que permite concluir que relativamente à mesma questão de direito existe soluções opostas.
12. Entende assim a assistente ser a mais correta a posição defendida no acórdão fundamento, entendimento e jurisprudência que se afigura a mais adequada e proporcionada às situações descritas em ambas os processos, sendo a solução que “melhor se adequa ao espírito da lei, aos princípios em que a mesma se baseia e tem um mínimo de correspondência na sua letra, cfr. artigo 9.º do C. Civil.”
13. Assim, deverá ser uniformizada a jurisprudência nos termos expostos, com a fundamentação descrita e constante do Acórdão Fundamento.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento, e em consequência seguir a sua tramitação no sentido da resolução do conflito.”
I.3. Respondeu o MºPº e acabou a concluir que:
“Por conseguinte, sou de parecer que ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pela assistente AA deve ser dado provimento, julgando-o procedente e fixando-se jurisprudência no sentido da decisão proferida no acórdão fundamento.”
Porque “(…) se houve exercício do direito de queixa, se o ofendido se constituiu assistente e se aderiu à totalidade da acusação pública, estão reunidas as formalidades para assegurar a legitimidade do exercício da ação penal e a prossecução do procedimento criminal.
Pelo que, tendo-se provado factos constantes da acusação pública, à qual o assistente aderiu, e sendo estes, considerados individualmente (ou seja, estando provados os elementos objetivos e subjetivos do tipo), subsumíveis a crime de natureza particular, pode e deve o arguido ser condenado pela prática de tal ilícito criminal.”
I.4. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440º, nº 1, do CPP.
Em resumo, disse o Exmo PGA:
“Os factos são os mesmos;
Assim como essa mesmidade ocorre quanto ao Direito aplicado.
As soluções jurídicas são opostas.
Do que se extrai que há oposição de julgados, como pressuposto essencial (material) da previsão do recurso de fixação de jurisprudência.”
I.5.Efectuado o exame preliminar, o processo foi aos vistos e remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Sob a epígrafe “fundamento do recurso” dispõe o artigo 437.º do CPP, no que tange à interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência:
«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».
E o artigo 438, sob epígrafe “interposição e efeito”, rege:
“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”
II.2. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art. 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, para situação de facto idêntica e no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.
O que se compreende, até tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, que «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Por isso se lhe atribui carácter normativo.
Como o STJ o tem vindo a reiterar a interposição do recurso para fixação de jurisprudência depende da verificação de pressupostos formais e de pressupostos materiais. (cfr acórdãos 23.02.2022, proc. n.º 31/19.7GAMDA-A.C1-A.S, de 23/02/2022, 4/19.0T9VNC.G1-A.S1, de 30/06/2021, proc. nº 9492/05.0TDLSB-J.S1, de 9.10.2013, proc. nº 272/03.9TASX, e de 8.7.2021, 41/17.9GCBRG-J.G1-B.S1 e de 08/07/2021, (Pleno), proc. 3/16.PBGMR-A.G1.S1, em www.dgsi.pt].
Constituem pressupostos formais da admissibilidade do Recurso para uniformização de jurisprudência,
(i) a legitimidade e interesse em agir do recorrente,
(ii) tempestividade
(iii) invocação e identificação de um único acórdão fundamento, com junção de cópia,
(iv) trânsito em julgado dos dois acórdãos de tribunais superiores conflituantes, ambos do STJ; ou ambos da Relação, ou um da Relação, o recorrido, de que não seja admissível recurso ordinário e o outro, o fundamento, do STJ, salvo se a orientação perfilhada no recorrido da Relação estiver de acordo com a...
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