Acórdão nº 56/17.7T8MTR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
Número Acordão56/17.7T8MTR.G1
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Na qualidade de cidadão natural e residente no Largo ..., nº .., em ..., freguesia de ..., Município de Montalegre, o autor J. B., casado, agricultor, intentou, em 05-06-2017, no Tribunal Local, a presente acção popular civil, de espécie declarativa condenatória, sob forma comum (artºs 52º, nº 3, da CRP, e Lei nº 83/95, de 31 de Agosto) contra os réus:

-L. D., viúva, reformada;
-A. F. e marido J. F., agricultores, estes ali moradores;
-H. T. e marido T. R., assalariados;
-D. P. e mulher T. J., assalariados, estes residentes na Suiça; e
-M. P. e mulher C. P., aposentados, residentes em Braga.

Formulou o pedido de que:

“…deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada e declarando-se a natureza pública do espaço conhecido por “Largo ...” [referido nos itens 5º, 6º, 7º e 8º da p.i., ou seja, um largo com o qual confina o prédio urbano do autor pelos lados sul e nascente e através do qual lhe acede, que constitui prolongamento lateral da Rua X],

1. - Devem ser condenados os réus:
a) – A reconhecerem que o referido logradouro é bem do domínio público e, consequentemente, o direito do Autor J. B. e os cidadãos em geral, de livremente circularem com pessoas a pé e com animais, com veículos de tracção animal ou automóveis, nomeadamente tractores agrícolas, e de estacionarem qualquer espécie de veículos, no largo lateral à Rua X da povoação de ..., conhecido por “Largo ...”;
b) – A retirarem do leito do espaço público referido na alínea anterior todos as materiais nele depositados, nomeadamente troncos de árvores, por forma a permitirem o seu uso livre e universal a qualquer cidadão;
c) – A absterem-se de nele fazerem qualquer uso permanente e exclusivo que impeça ou obstaculize o estacionamento e a normal circulação de pessoas, animais e veículos naquele largo;
d) – Em custas e condigna procuradoria;
2. – Deve ser ordenada a rectificação da inscrição matricial (artigo ... da matriz urbana da freguesia de ...) e da descrição do registo predial (nº554-...) relativos ao prédio dos RR. identificados no artº 13 da p.i., no que concerne á área descoberta e às confrontações, como dito nos artigos 28 a 32º desse articulado”.

Para tanto, alegou, resumindo, que é, ali, proprietário, por o ter comprado, há cerca de trinta anos, a M. M., de um prédio urbano, de rés- do-chão e andar (sito em ...) – artº 111º da Matriz.
Tal prédio, que vem destinando a arrumações (alfaias, tractores, veículos automóveis, palha, feno e outros produtos agrícolas) [1], dos lados sul e nascente, confronta com o que designa por “Rua ...” ou “Largo ...” (item 2º). [2]
O acesso ao mesmo faz-se através do que designa por “largo ...”, com o qual confina pelos ditos lados sul e nascente), conhecido como “Largo ...” e que constitui um prolongamento lateral da Rua X (itens 5º e 6º) situada a nascente.
Tal largo é confinado a sul por um prédio urbano dos réus; a norte por dois imóveis urbanos, um pertencente a M. C. e outro aos herdeiros de I. J.; e, pelo poente, com o referido imóvel do autor.
Ele, há mais de sessenta anos, era também conhecido por “Largo ..”. Pelo respectivo chão, acede-se (pessoas a pé, com veículos automóveis, máquinas e tractores agrícolas, e com animais) ao referido prédio do autor, a um prédio urbano dos réus e a outros dois também urbanos (um de M. C. e outro dos herdeiros de I. J.) (itens 6º e 7º). [3]
É também utilizado pelos moradores de ... e pelos cidadãos em geral para estacionamento de veículos automóveis, tractores agrícolas e alfaias (item 8º).
Tal uso é praticado pelos cidadãos que residem e que visitam a povoação de ..., sempre de forma pública - à vista de toda a gente –, ininterrupta – dia após dia, mês após mês, ano após ano –, e pacífica – sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse –, de boa-fé – convictos de que utilizam bem pertencente a todos os cidadãos, residentes e não moradores em ..., sem lesarem direitos de outrem –, em correspondência com o exercício do direito propriedade pública (itens 9º a 11º) e, assim, também o autor adquiriu o direito de utilizar o largo ... para livremente aceder ao seu prédio, nele estacionar veículos automóveis, tal como os demais cidadãos (item 12º). [4]
Na “extremidade” sul do “Largo da Rua X” existe um prédio urbano de que os réus são comproprietários (artigo ...º, da Matriz). É composto por casa de habitação, de r/c e 1º andar, com um pátio interior, foi adquirido por sucessão mortis causa, há cerca de cinquenta e cinco anos, por partilha da herança de D. P., marido da 1ª ré L. D. e pai dos demandados A. G., H. T., D. P. e M. A..
Tal prédio, desde a sua construção, em data anterior à memória dos vivos, sempre confinou pelos lados norte e poente com a “Rua ... (Rua X)” (item 15º) [5]
O autor, por si e antecessores, no domínio do seu prédio, os moradores de ... e os cidadãos em geral, ao longo de muitas gerações, sempre desde há mais de cem e duzentos anos até à actualidade vêm utilizando aquele “espaço da Rua X de ...”, à vista de toda a gente, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse, convictos que utilizam bem do domínio público, acessível e ao dispor de todo e qualquer cidadão, sem lesarem direitos de outrem, todos eles tendo o direito de circular e estacionar nele (itens 34º a 38º).
O prédio dos réus, fora dos seus muros, não tem qualquer parte descoberta.
Aconteceu, porém, que, em 12-01-2015, os réus, ou alguém por eles mandatado, através de um requerimento Modelo 1 do IMI, alteraram, erradamente, na Matriz, as confrontações e a área daquele seu prédio, indicando como confinantes os quatro proprietários dos prédios que ladeiam a Norte e Poente o supra referido “largo ...”, pretendendo, assim, absorvê-lo e usurpar “coisa pública”, e, em 22-06-2016, promoveram o seu registo predial na Conservatória, incluindo – falsamente –, na sua superfície descoberta, área correspondente ao referido “espaço público” – que não é superior a 50m2.
A ré L. D., desde o Verão de 2014, vem afirmando que o referido “largo (público)” lhe pertence e interpelou alguns cidadãos que nele estacionaram, nomeadamente, em Julho de 2016, pretendeu que o filho do autor retirasse o seu veículo automóvel do largo, onde o estacionara.
Em finais de Julho de 2016, os réus L. D., H. T., D. P. e J. F., utilizando um tractor deste último, depositaram na referida “via pública (Largo ...)” troncos de árvores, materiais que ali mantêm até hoje, ocupando o “espaço público” com carácter permanente, impedindo que os demais cidadãos dele façam uso e dificultando as manobras de entrada e saída, cargas e descargas nos prédios confinantes com o largo, nomeadamente no imóvel do autor.
Tal conduta ofende os direitos do autor e dos cidadãos em geral.
Os cidadãos da referida povoação de ..., sentindo-se lesados com a descrita conduta reuniram em assembleia (“couto”) duas vezes - em 19-10-2014 e em 28-07-2016, e declararam que o dito largo é “público” e que não aceitarão a pretensão de apossamento dos réus.
O autor interpelou a Junta de Freguesia, a quem pertence a defesa do “património público do território desta autarquia” para que agisse em defesa do “bem comum”, sendo que a autarquia nada fez de concreto para defender aquele “logradouro público”.
Uma vez que “as vias de comunicação integram o domínio público” e o aludido “largo” é “coisa” que se integra nesse domínio, ele é insusceptível de apropriação individual, pelo que devem ser removidos os materiais colocados e reposta a sua livre utilização por qualquer pessoa.

Juntou documentos e indicou outros meios de prova a produzir.

Depois de ouvido o Mº Público (artº 13º) – que não deduziu qualquer articulado –, foram efectuadas as citações (artº 15º, da referida Lei 83/95) dos réus e demais interessados.

Então, a Junta de Freguesia de ... apresentou requerimento, ao abrigo dos artºs 2º e 15º, nº 1, da citada Lei, manifestando vontade de intervir nos autos a título principal (artsº 311º e sgs, CPC) e para lhe serem aplicáveis as decisões neles proferidas, alegando ter interesse igual ao do autor, invocando para tanto que lhe compete defender o interesse público sobre o território que administra e, no caso, defender o “logradouro público” conhecido por “Largo ...” que “vem sendo efectivamente utilizado pelo público em geral, no exercício, ou satisfação do interesse colectivo”, limitando-se a reproduzir parte da factualidade alegada por aquele (designadamente a relativa às alterações feitas na Matriz e na Conservatória pelos réus de modo a incluírem no seu prédio o “espaço público” mas sem terem título para isso, negando que se tenha quedado passiva junto deles e, enfim, juntando documentos alusivos, indicando outras provas e constituindo mandatário.

Por seu turno, por parte dos réus, apenas contestaram H. T. e seu marido.

No respectivo articulado, em síntese, além de impugnarem a factualidade em que o autor se baseia e parte dos documentos por ele juntos, alegaram que aquilo que o autor chama “Largo ...” é uma “Eira” que integra o imóvel que lhes pertence (artigo ... da Matriz), em comum e foi herdado do falecido marido e pai dos demandados. O imóvel é também composto por dois corpos edificados (designados por Sobrado de Fora e Sobrado Novo, intercalados por um logradouro). Sempre este teve a mesma composição, configuração, limites e áreas coberta e descoberta. Tal “Eira” tem 196,70 m2. No seu todo, o prédio confronta do norte com a Rua ... (“Rua X”) e A. J., do sul com outro prédio dos réus (herdeiros de D. P.), do nascente com a antiga Escola Primária e J. P. e do poente com M. C., J. B. (autor) e J. C., conforme levantamento topográfico junto e para que remetem.
Vêm utilizando tal “Eira” para colocarem os animais bovinos enquanto as crias se alimentavam com...

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