Acórdão nº 557/16.4T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-11-2021

Data de Julgamento30 Novembro 2021
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão557/16.4T8PNF.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. Construções Sousa Soares & Almeida, Lda, sociedade com sede na Rua ..., n.º 520, ..., Penafiel, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e mulher, BB, residentes na Rua..., ..., ..., ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 66 955,30 (sessenta e seis mil novecentos e cinquenta e cinco euros e trinta cêntimos), valor este relativo às alterações de obra e trabalhos a mais em relação ao projeto aprovado, objeto do contrato de empreitada que esta e o Réu-marido celebraram e está identificado na Petição Inicial, acrescida de juros à taxa legal comercial desde o dia 20/01/16 até efetivo e integral pagamento. Mais pede a condenação dos Réus na quantia de € 240,00 relativos à vistoria referida na Petição.

Alega, em síntese, que, no exercício da sua atividade de construção civil, celebrou, em 19/05/14, um contrato de empreitada com o Réu-marido, tendo por objeto a construção de um edifício, destinado a habitação e comércio na Rua..., ..., ..., freguesia de ..., concelho de ..., pelo preço global fixo de € 400 000,00.

Diz ter executado a obra a que se obrigara, bem como todas as alterações e/ou trabalhos a mais, não previstos no contrato, que foram solicitados pelo Réu-marido, e ter acordado em reduzir o preço inicial para € 392 400,00.

Afirma que o Réu-marido pagou o preço contratualmente estabelecido, mas não as alterações e trabalhos a mais por si solicitados, designadamente os elencados na Petição, no valor global de € 66 955,30.

Acrescenta que, por lapso, não fez constar da factura com tais trabalhos o custo da vistoria do sistema de abastecimento de gás ao edifício igualmente devido, no valor de € 240,00.

Os Réus vieram contestar e reconvir, aceitando a celebração do contrato de empreitada invocado na Petição Inicial.

Defendem que, por força das cláusulas contratuais acordadas, a Autora não tem o direito de lhes exigir qualquer acréscimo de preços em razão, quer das escolhas que fizeram no que diz respeito a materiais, quer dos trabalhos necessários à sua aplicação.

Impugnam a generalidade dos factos alegados na Petição Inicial e supletivamente afirmam que os montantes exigidos pela Autora estão liquidados em excesso e sem rigor.

Relegam para ampliação do pedido reconvencional, ou liquidação ulterior à sentença, a indemnização resultante do atraso na conclusão dos trabalhos.

Alegam, por outro lado, que, tendo a Autora abandonado a obra, têm direito a exigir desta o pagamento de uma indemnização contratual, no valor global de € 118 066,27.

Concluem pedindo que a presente ação seja julgada não provada e improcedente, com a sua absolvição do pedido.

Mais pedem que o pedido reconvencional seja julgado procedente e, em consequência, a Autora seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 118 066,27, acrescida de juros legais de mora vincendos a contar da notificação da Contestação e, bem assim, daquilo que vier a liquidar-se em incidente próprio – ampliação do pedido reconvencional ou liquidação posterior à sentença – pelos danos resultantes da falta de conclusão dos trabalhos da empreitada.

A Autora veio apresentar Réplica, impugnando a totalidade dos factos invocados em sede de reconvenção, concluindo como na Petição Inicial e pedindo que se julgue como não provada e improcedente a reconvenção deduzida.

Realizou-se Audiência Prévia, no âmbito da qual admitiu-se a reconvenção, proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e definiram-se os Temas da Prova.

Realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença, com a seguinte parte decisória:

«Pelo exposto, decide-se:

Da acção:

Julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se solidariamente os réus AA e mulher, BB, a pagar à autora Construções Sousa Soares & Almeida, Lda., as seguintes quantias:

«a) A quantia global de € 39 959,70 (trinta e nove mil novecentos e cinquenta e nova euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4 %, contados desde 21/01... e até integral e efectivo pagamento;

b) A quantia de € 240,00 (duzentos e quarenta euros); e,

c) A quantia que se liquidar em incidente de liquidação relativa ao incremento de valor respeitante aos trabalhos descritos nas alíneas w) e aa) do ponto 17º dos factos provados.

Condenar o réu marido como litigante de má fé na multa de 3 Uc.

No mais, absolver os réus no tocante ao demais peticionado pela autora, e bem assim absolver a ré mulher do pedido de condenação como litigante de má fé.

Do pedido reconvencional:

Julgar o pedido reconvencional totalmente improcedente, absolvendo- se a autora reconvinda do mesmo.”


2. Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão do tribunal de 1.ª instância, e a autora apresentou recurso subordinado, pedindo que a alteração da sentença no segmento da condenação de juros moratórios à taxa de 4 % por juros moratórios à taxa comercial,


3. O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação dos RR. e procedente a apelação subordinada da A., fixando em 7% a taxa de juros, em lugar de 4%:

«Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso principal dos Réus/Recorrentes, confirmando-se nesta parte a decisão recorrida.

Por outro lado, julga-se totalmente procedente o recurso subordinado da Autora/Recorrente, alterando-se a condenação acessória em juros de mora, nos seguintes termos:

Da acção:

Julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se solidariamente os réus AA e mulher, BB, a pagar à autora Construções Sousa Soares & Almeida, Lda., as seguintes quantias:

a) A quantia global de € 39 959,70 (trinta e nove mil novecentos e cinquenta e nove euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais, à taxa legal de 7 % ao ano, contados desde 21/01/2016 e até integral e efectivo pagamento; (…) – mantendo-se o demais decidido».


3. Os réus interpuseram recurso de revista excecional, em relação ao segmento decisório em que se formou dupla conformidade, com fundamento no artigo 672.º, n.º 1, als a), b) e c), do CPC, e recurso de revista ordinário em relação ao segmento da condenação em juros, com base no artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, invocando que decisão recorrida mostra-se em contradição com uma outra datada de 05/05/2020 e transitada em julgado, proferida por este Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação, no âmbito do processo n.º 1330/12.4TVLSB.L2.S1, da 1.ª Secção Cível, versando a mesma questão fundamental de direito, sendo que sobre tal questão não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência.


4. O recurso de revista excecional não foi admitido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.


5. A Relatora notificou os réus, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 2, do CPC, para que se pronunciassem em relação à questão de admissibilidade do recurso de revista normal suscitada pela autora nas suas contra-alegações, que defendeu que, em relação ao segmento da condenação em juros, atenta a regra da sucumbência prevista no artigo 629° n° 1 do C.P.C., a decisão impugnada não é desfavorável aos recorrentes em valor superior a metade da alçada desse tribunal.


6. Os recorrentes responderam, afirmando, em síntese, que o valor dos juros calculado, na presente data ascenderá ao montante 16.025,26 euros, a que se somarão os juros incidentes sobre a condenação em quantia a liquidar, cuja quantificação não é possível de determinar. Pugna, pois, para que se considere tratar-se de uma situação de “fundada dúvida acerca do valor da sucumbência”, devendo, pois, atender-se ao valor da causa, o qual é muito superior à alçada do Tribunal da Relação.


7. Os réus no recurso de revista normal apresentaram as seguintes conclusões:

«78.ª Alterando a decisão que havia sido proferida em primeira instância, decidiu o Tribunal da Relação que os juros moratórios devidos deverão ser calculados à taxa dos juros comerciais.

79.ª Neste particular a douta decisão recorrida mostra-se em evidente e frontal contradição com uma outra, igualmente douta, datada de 05/05/2020 e transitada em julgado, proferida por este Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação, no âmbito do processo n.º 1330/12.4TVLSB.L2.S1, da 1.ª Secção Cível, relatado pela Ilustre Juiz Conselheira Maria Clara Sottomayor, versando a mesmíssima questão fundamental de direito, sendo que sobre tal questão não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, que constitui acórdão fundamento, está publicado e disponível para consulta em https://jurisprudencia.csm.org.pt/.

80.ª Ambos os referidos arestos – o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento – foram proferidos no domínio da mesma legislação e versaram sobre a mesma questão fundamental de direito.

81.ª Numa e noutra decisão foram apreciadas e decididas as questões atinentes à determinação da taxa de juros aplicável às situações de mora na situação em que o devedor, dono da obra, tem a qualidade de consumidor.

82.ª No acórdão recorrido decidiu-se que a taxa de juro aplicável será a correspondente aos juros comerciais, ao passo que no acórdão fundamento decidiu-se que a taxa de juro a aplicar será a correspondente aos juros civis.

83.ª Daí que este segmento da decisão, que incidiu sobre o recurso subordinado, seja passível de recurso ordinário de revista, à luz do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do C.P.C..

84.ª A empreitada de onde emerge a obrigação de pagamento de juros traduz-se num ato comercial unilateral, por banda da recorrente subordinada.

85.ª Nesse mesmo contrato (de empreitada) os aqui recorridos assumem a qualidade de “consumidores”.

86.ª In casu, face à exclusão resultante do artigo 2.º, n.º 2, do D.L. n.º 62/2013, de 10 de maio, que transpôs para o direito...

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