ACÓRDÃO Nº 55/2016
Processo n.º 662/15
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Teles Pereira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. A. e mulher, B., agindo por si e em representação do seu filho menor, C. (são estes os autores na ação, sendo aqui Recorridos os dois primeiros), interpuseram no (hoje extinto) Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos (processo n.º 1212/08.4TBBCL do 4.º juízo cível) ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, demandando D., E., F., G., todos por si e na qualidade de legais representantes da sociedade H., Lda. e, ainda, I. (todos réus na ação, sendo a ré D. e o réu H. os ora Recorrentes). Através desta ação pediram os autores a condenação solidária dos réus no pagamento de uma indemnização de €380.000,00.
Suportando tal pretensão, alegaram os autores – e estamos a resumir a factualidade que indicaram no articulado inicial – serem pais do menor C., nascido em 07/04/2005 (tinha 3 anos de idade à data da propositura da ação). Os quatro primeiros réus são sócios e gerentes da quinta ré (do H., Lda.) e o sexto réu é médico radiologista que presta serviços àquela sociedade, sendo a ré D. sócia gerente do H. e, igualmente, médica radiologista. A sociedade ré prestou serviços consistentes na realização de ecografias obstétricas durante a gravidez da autora, respetivamente, às 8 semanas e 5 dias, às 21 semanas e 1 dia e às 30 semanas e 4 dias de gestação. Os relatórios respetivos não apontaram quaisquer anomalias do feto. Sucede, porém, que o C. nasceu com graves malformações dos membros superiores e inferiores – “[d]eficiência transversa do punho, mão e pé esquerdo [,] [d]eficiência longitudinal do pé direito [,] [s]indactilia da mão direita” –, malformações estas cuja não deteção se ficou a dever a negligência dos réus, ao não respeitarem as leges artis da sua atividade, não indicando malformações fetais necessariamente visíveis nos exames ecográficos, concretamente no segundo. Com efeito, relativamente a este exame, uma “ecotomografia fetal morfológica” realizada às 21 semanas e 1 dia, consta do respetivo relatório, assinado pela médica 2.ª ré (D.), o seguinte:
“[…]
Observamos um feto vivo, do sexo masculino, com boa vitalidade e movimentos ativos e seletivos dos membros.
Cordão umbilical normal.
Coluna vertebral normal.
Não foi possível pesquisar lábio leporino dada a posição posterior da face.
Visualizamos: bexiga, rins e estômago.
Não foram observadas malformações fetais com tradução morfológica.
Estimativa atual de peso: 400 gr.
DPP – 07/04/05.
[…]”.
Em virtude da falta de deteção e de informação aos autores (pai e mãe) sobre as malformações apresentadas pelo feto, contemporaneamente ao exame, não puderam os autores recorrer à interrupção voluntária da gravidez, legalmente prevista para tais hipóteses, ou sujeitar o feto a algum tipo de tratamento, o que – foi o que afirmaram no articulado inicial – poderia reduzir as malformações. Dessas deficiências resultou para o C. uma incapacidade de 93%.
Os autores sofreram grande choque e continuarão a sofrer até ao fim das suas vidas. Também o C. sofre com a sua situação. Além do mais, carece de substituir as próteses que lhe foram aplicadas pelo menos anualmente, ficará para sempre dependente de terceiros e padecerá, no futuro, de uma IPP de 40%.
1.1. Contestaram os réus, alegando, em suma, que a realização das ecografias não constituiu causa das malformações, que não se justificava a interrupção da gravidez e, ainda, que a situação não era passível de tratamento algum durante o período de gestação. Impugnaram a matéria alegada na petição inicial, designadamente quanto à visibilidade das malformações nas ecografias realizadas, concluindo pela observância das leges artis e pela causação das malformações em virtude de uma patologia que designaram como “síndrome das bandas amnióticas”.
1.1.1. Entretanto, foi proferido despacho saneador (fls. 123/125). Neste os réus E., F. e G. foram logo julgados partes ilegítimas e absolvidos da instância.
1.2. Assim saneado...