Acórdão nº 54843/19.6YIPRT.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-10-2021

Data de Julgamento14 Outubro 2021
Case OutcomeRECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Classe processualRECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Número Acordão54843/19.6YIPRT.G1-A.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


1. Capiarcos - Sociedade Unipessoal de Carpintaria, Lda., intentou contra Rúbricas & Parcelas Construções, Lda., procedimento de injunção, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 6.998,00, acrescida dos juros de mora vencidos, contados à taxa legal desde 1.04.2019, e dos vincendos, estes contados desde a citação, em ambos os casos até integral pagamento.


2. Nos autos foi proferida sentença em que pode ler-se a final:

“Pelo exposto, na procedência parcial da acção, o Tribunal decide condenar a R. Rúbricas & Parcelas Construções Lda. a pagar à A. Capiarcos - Sociedade Unipessoal de Carpintari, Lda. a quantia de 6.998,00 (seis mil novecentos e noventa e oito euros) contra a eliminação simultânea dos defeitos identificados no ponto 18 do elenco de factos provados por parte da A., absolvendo-se a R. do mais peticionado.

Custas a cargo de A. e R., fixando-se as mesmas em partes iguais (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 528.º, n.º 4, e 607.º, n.º 6, todos do CPC).

Fixo o valor da causa em 7.225,89 cfr. artigos 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Registe e notifique”.


3. Após algumas vicissitudes e pretendendo a revogação da sentença, apelou a ré Rúbricas & Parcelas Construções, Lda., para o Tribunal da Relação de Guimarães.


4. Em 25.02.2021 proferiu este Tribunal um Acórdão de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente”.


5. Inconformada ainda, veio a ré Rúbricas & Parcelas Construções, Lda., interpor recurso de revista excepcional deste Acórdão.


6. Confrontada com este recurso, proferiu a Exma. Desembargadora Relatora o seguinte despacho:

A Ré veio interpor Recurso de Revista Excecional do acórdão proferido requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 647º do CPC.

Alega para tanto que qualquer eventual penhora de saldos bancários, créditos ou bens afectos à exploração da actividade estatutária da Recorrente, nomeadamente viaturas, além de afectar o seu bom nome e crédito de que goza e sempre gozou no mercado também causaria dificuldades de tesouraria, porquanto normal e erradamente são penhorados os saldos bancários e nunca a importância que se pretende garantir.

Mais alega que não deixa de prever o cumprimento da sentença em sede de eventual condenação definitiva e insuscetível de recurso e que a atribuição de efeito suspensivo em nada limita ou impede o cabal cumprimento da sentença, porquanto a mesma pressupõe uma prestação prévia da A. e uma contra-prestaçao (pagamento) por parte da Ré e nem a eventual atribuição do efeito suspensivo impede a Autora de receber antes o que lhe é devido.

Requer, por isso, seja atribuído efeito suspensivo ao recurso, mediante caução a prestar e juntar aos autos.

A Autora não contra-alegou e nem se pronunciou sobre a requerida atribuição de efeito suspensivo.

Conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 647º a apelação tem, por regra, efeito meramente devolutivo, tendo apenas efeito suspensivo nos casos previstos na lei e no n.º 3 do referido artigo, e ainda quando o Recorrente ao interpor o recurso o requeira quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução.

No caso concreto não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas nos n.ºs 2 e 3 do referido preceito, pelo que o efeito suspensivo estaria dependente da execução da decisão causar prejuízo considerável à Recorrente e, para esse efeito, teria de estar em causa um dano causado com caracter de irreversibilidade ou pelo menos de muito difícil remoção (v. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, página 783)

O acórdão proferido confirmou a sentença recorrida que decidiu condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €6.998,00 contra a eliminação simultânea dos defeitos identificados no ponto 18 do elenco de factos provados por parte da Autora; isto é, a Ré só terá que pagar à Autora se e quando esta proceder à eliminação dos defeitos; nada resulta alegado pela Ré no sentido da Autora ter iniciado ou sequer pretender iniciar obras para eliminação dos defeitos, para que a Ré tivesse de pagar e a Autora pudesse vir a executar a decisão se o não fizesse. Por outro lado, os factos alegados, tendo desde logo em atenção o próprio valor em causa, também não são suficientes para que se possa concluir que uma eventual execução (se a Autora proceder à eliminação dos defeitos em cumprimento da decisão) causará um dano com caracter de irreversibilidade ou pelo menos de muito difícil remoção.

Não seria, por isso, de atribuir efeito suspensivo.

No entanto, a questão que se coloca, é da própria admissibilidade do recurso de revista excepcional interposto pela Ré.

Vejamos.

Compulsados os autos constata-se que o valor da causa (fixado na sentença recorrida) é de €7.225,89 e a decisão contida no acórdão proferido é desfavorável à Recorrente no valor de €6.998,00, que foi condenada a pagar à Autora.

Nos termos do n.º 1 do artigo 629º o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se em caso de dúvida acerca do valor da sucumbência somente ao valor da causa.

A admissibilidade do recurso depende, em regra, da verificação cumulativa de dois pressupostos jurídico-processuais: o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que decretou decisão que se impugna.

A admissibilidade de recurso de revista excepcional não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade, designadamente em função do valor da causa ou da sucumbência.

Conforme escreve Abrantes Geraldes (Recursos no novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, página 331) “Na relação cumpre ao relator proceder tão só a uma primeira apreciação dos aspectos gerais referidos no artigo 641º, devendo rejeitar o recurso se acaso verificar a falta dos pressupostos gerais, tais como a tempestividade, a legitimidade ou a recorribilidade em face dos arts. 629º, n.º 1, e 671º, n.º 1, se faltarem as alegações ou se nestas tiverem sido omitidas as respectivas conclusões”.

Compete assim averiguar da possibilidade de recurso em face do valor (artigo 629º n.º 1 do CPC).

Considerando o valor da causa (€7.225,89) o mesmo não é manifestamente superior ao da alçada do Tribunal da Relação (que é de €30.000,00) pelo que não se mostra desde logo verificado o pressuposto geral de recorribilidade que torne admissível o recurso em face do disposto no n.º 1 do artigo 629º do CPC.

Por outro lado, também o recurso com fundamento na alínea d) do n.º 2 do referido artigo 629º não prescinde das exigências previstas no n.º 1 quanto ao valor da causa e quanto à sucumbência (v. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, ob. cit., página 754) abrindo apenas a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição em casos em que tal estava vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o impedimento ao recurso não reside no facto do valor da acção ou da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do n.º 1 do artigo 629º, mas noutro motivo de ordem legal (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit. página 48).

Em face do exposto não se admite o recurso de revista excepcional interposto, por não ser legalmente admissível.

Custas pela Recorrente”.


7. Deste despacho vem agora a ré Rúbricas & Parcelas Construções, Lda., ao abrigo do artigo 643.º do CPC, reclamar para este Supremo Tribunal.

Alega a ré, no essencial, o seguinte:

Rubricas & Parcelas, Lda., Recorrente nos autos supra melhor identificados, notificada despacho que não admite o Recurso de Revista Excecional interposto, e não se conformando com o teor do mesmo vem dele RECLAMAR, com efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e ao abrigo do disposto no art 643.º do CPC, nos seguintes termos e fundamentos:

Na Decisão Sumária que proferiu o Venerando Juiz Desembargador Relator decidiu rejeitar, o recurso interposto Recorrente, ora Reclamante.

Salvo o devido respeito, que é muito, na Decisão Reclamada o Relator fez incorrecta apreciação dos factos e aplicação do Direito aos mesmos.

Na verdade, face ao disposto nos art.ºs 627.º, n.º 1, e 672.º, n.º 1, als. a), todos do CPC, o requisito da alçada, em que se funda o despacho de rejeição do recurso, não é aplicável ao caso por se tratar de revista excepcional que se fundamentou na alínea a) do n.º 1 do mencionado art.º 672.º, ou seja, na relevância jurídica da questão suscitada e na necessidade do esclarecimento do alcance da do “ónus da prova, o valor da confissão de factos nos articulados e a remissão para o conteúdo integral de documentos que integram os factos provados e sua valoração como prova” para efeitos da decisão e prolação da sentença para melhor aplicação do direito, requisitos estes que compete apreciar ao STJ, sob pena de, entendendo-se de outro modo, inconstitucionalidade deste último artigo, por violação do direito ao recurso previsto no art.º 20.º da CRP, inconstitucionalidade que expressamente se arguiu e de que enferma o despacho...

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