Acórdão nº 5465/18.1T9PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-05-2019

Data de Julgamento15 Maio 2019
Número Acordão5465/18.1T9PRT.P1
Ano2019
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n º 5465/18.1T9PRT.P1

Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I-Relatório.
O M.P., a fls. 226 e ss não se conformando com o despacho de não pronúncia proferido em processo do Tribunal Judicial da Comarca de Porto- Juízo de Instrução Criminal do Porto-J4, que nos autos à margem referenciados decidiu não pronunciar:
O arguido B…, pela prática, na forma consumada, de um crime de abandono de posto previsto e punido pelo disposto no art. 66º/1,a) do Código de Justiça Militar, veio recorrer nos termos que ali constam, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição)
“CONCLUSÕES:
1º O Ministério Público, realizadas as diligências de inquérito reputadas por necessárias à descoberta da verdade, e no pressuposto da existência de indícios suficientes, veio deduzir acusação contra o arguido B… pela prática de factos suscetíveis de integrarem um crime, de natureza estritamente militar, de Abandono de Posto, p. e p. pelo art.º 662, n.2 1, ai. e) do Código de Justiça Militar.
2º Inconformado, veio o arguido requerer a abertura da instrução, com vista à sua não pronúncia, invocando que já anteriormente lhe havia sido concedida autorização para sair mais cedo do serviço, precisamente quando fazia serviços gratificados imediatamente seguidos de serviço de patrulha, numa carga horária de mais de dez horas, sendo prática corrente sair 2 horas mais cedo quando ocorria uma situação destas, bastando que o militar falasse, pessoalmente ou por telefone, com o comandante.
3º Porém, no dia em causa, e apesar de o arguido ter tentado contactar o Comandante de Posto, não o conseguiu, porque este não lhe atendeu o telefone.
4º Por isso o arguido entendeu dar conhecimento ao militar de atendimento, na altura, Cabo C…, que substituía o comandante na sua ausência e que sabendo desta prática, não questionou o arguido nem se opôs à sua saída.
5º Assim, o arguido entendeu estar implicitamente autorizado a abandonar o local e funções para que estava nomeado e considera que não praticou o crime de abandono de posto de que está acusado.
6º Para além disso, invocou o arguido que a sua conduta não provocou qualquer prejuízo para o serviço, dado que existiam três patrulhas em simultâneo que o asseguravam o patrulhamento.
7º Como prova, o arguido juntou um e mail do comandante do Posto de Trânsito …, Primeiro-Sargento, D…, enviado a várias pessoas, entre eles o aqui arguido, datado de 17/2/2017, requereu o seu interrogatório e a inquirição de 5 testemunhas, militares da GNR.
8º No decurso da instrução foram inquiridas as 5 testemunhas arroladas no RAI, 4 das quais já haviam sido inquiridas no inquérito e que, no fundo, vieram manter as suas anteriores declarações, após o que foi designado o debate instrutório e proferida decisão instrutória, de não pronúncia do arguido.
9º É desta decisão que se recorre, por se entender que, em face da prova existente nos autos, existem indícios suficientes que permitem a pronúncia do arguido, tendo o M. mº JIC feito uma errada apreciação da prova, sobretudo a que foi produzida no inquérito, a qual não valorou devidamente ou não valorou na sua totalidade
10º Com efeito, na decisão instrutória considera o M. mº JIC que, em face da prova existente nos autos, nomeadamente, documental, de fls. 55 (fotografia 2), de fls. 102 do relatório final, de fls. 97 e de fls. 167, bem como da reinquirição das testemunhas apresentadas em sede de inquérito, efetuada em instrução, a fls. 199 a 203, não existem indícios suficientes para a pronúncia do arguido.
11º Ora, analisadas as fotos constantes a fls. 55 dos autos (nela incluída a n.º 2 referida na decisão em recurso), conjugadas com o depoimento do comandante do Posto de Trânsito …, D…, constante a fls. 50 a 52 (que o M. mº JIC pura e simplesmente olvidou), resulta suficientemente indiciado que no dia 19 de fevereiro de 2018 o arguido B… trocou mensagens de telemóvel (SMS) com o seu comandante, pelas 17h17, 17h58, 18h00, 18h02 e 18h03, onde o questionava sobre a escala de serviço do dia seguinte, que este último não teria enviado.
12º Mas não resulta do teor de tais mensagens, retiradas do ecrã dos telemóveis da testemunha D…, que o arguido lhe tenha perguntado se podiam, ele e o Guarda-Principal E…, sair mais cedo.
13º Quanto à chamada, não atendida, que o arguido efetuou para a testemunha D…, seu comandante, verifica-se que ocorreu pelas 17h56, ou seja, imediatamente após o envio da primeira SMS, onde o arguido perguntava sobre a escala de serviço do dia seguinte, após o que se seguiram SMS sobre o mesmo assunto, o que nos leva a concluir, segundo as regras da experiência, que aquela chamada era para falar sobre o mesmo assunto e não para pedir autorização de saída do serviço 2 horas antes do seu termo.
14º Aliás, se a intenção do arguido era obter autorização do seu comandante para terminar o serviço de patrulha 2 horas mais cedo, por ter efetuado 4 horas de serviço gratificado imediatamente antes de iniciar a patrulha, como dizia ser prática corrente, então deveria ter efetuado esse pedido via SMS, tal como o fez quanto ao envio da escala de serviço do dia seguinte.
15º Acresce dizer, e quanto à prática das saídas de serviço mais cedo, a testemunha D… referiu que “...não é uma situação que por si só esteja autorizada, mas sim necessita da sua devida autorização” - cf. fls. 91 -, mais esclarecendo que essa autorização só era dada quando não acarretava prejuízo para o serviço e que só a concedia em casos específicos.
16º O que, aliás, também resulta do e mail de fls. 167, que o arguido juntou com o RAI e que a mesma testemunha (Comandante do Posto) assumiu ser da sua autoria a fls. 176, cujo teor é o seguinte: “para que futuramente não haja ninguém a ter aborrecimentos, venho por este meio comunicar que ninguém está autorizado a sair mais cedo da patrulha sem a minha autorização, independentemente se existe mais uma patrulha assegurar o giro. Caso ocorra alguma situação em que o militar precise de sair mais cedo, pode entrar em contacto comigo às horas que for preciso”.
17º Quanto à reinquirição das testemunhas ouvidas no inquérito (apenas 4 voltaram a ser ouvidas, já que uma delas não havia sido inquirida no inquérito e o Comandante de Posto, testemunha D…, não foi reiriquirido na instrução), o que resultou apurado foi que, quando os militares da GNR efetuavam serviços gratificados de 4 horas, seguidos de serviços de patrulhas de 8 horas, existia uma prática, desde pelo menos finais de janeiro de 2018, de tais militares saírem 2 horas mais cedo do serviço de patrulha, desde que fossem previamente autorizados pelo Comandante de Posto.
18º De igual modo, resultou apurado do depoimento destas de testemunhas que, na ausência do comandante de posto, o militar do atendimento era o que o substituía, mas não resultou apurado que este militar tivesse competência para autorizar a saída dos militares 2 horas mais cedo do termo do serviço, nomeadamente, nas situações em que os militares tivessem efetuado serviço de gratificado de 4 horas, seguido do serviço de patrulha.
19º O M. mº JIC estriba, ainda, a sua decisão de não pronuncia no relatório final da PJM, que diz, a fls. 102, que não houve prejuízo para o serviço, e no e mail de fls. 167, junto com o RAI, a que supra aludimos.
20º Ora, e quanto ao mencionado no relatório final da PJM, sobre a falta de prejuízo com o abandono de posto 2 horas mais cedo, tal constitui mera opinião dos investigadores, que não vincula o Ministério Público, titular da ação penal, nem constitui fundamento, válido, para se considerar, como não suficientemente indiciado, que o arguido, com a sua conduta, “causou prejuízo ao cumprimento da missão constante da guia de patrulha”.
21º Aliás, e contrariamente ao defendido no relatório final, o Assessor Militar da GNR considerou, no seu parecer, que existiu, efetivamente, prejuízo para o serviço - cf. fls. 129 e segs, mais propriamente, a fis. 133 -, porque o cumprimento da missão ficou prejudicado naquele lapso temporal de duas horas, já que na primeira hora o patrulhamento da A14 e A17 ficou por realizar e, na segunda hora, o patrulhamento da A1 também não se efetuou, porque a patrulha que o devia efetuar, foi cumprir o serviço, urgente, de transporte de órgãos entre dois hospitais.
22º Em todo o caso, sempre se dirá que tal prejuízo não é um elemento típico do crime de abandono de posto, p. e p. pelo art. 66º, n.º 1, alínea e) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro, já que o que resulta do n.º 2 do art. 66º do CJM é que, se não se verificar prejuízo para a segurança ou prontidão operacional, o agente comete, de igual modo, o crime, mas pode ter a sua pena especialmente atenuada.
23º Quanto ao e mail de fls. 167, o que do mesmo resulta é, tal como já referimos, que é sempre necessária a prévia autorização do comandante de posto para que os militares de uma patrulha possam sair mais cedo do serviço, não se entendo como o mesmo pode
24º Acresce dizer que existe outra prova documental nos autos que o M. mº JIC não atentou, e que tem relevância para aferir da existência de indícios suficientes da verificação do crime de que vem acusado o arguido.
25º Veja-se a determinação n.º2/2016, do Posto de Transito … - cf. fls. 93 a 95 verso -, efetuada pelo respetivo Comandante de Posto e da qual teve conhecimento formal o arguido, Cabo B…, segundo a qual o comandante de patrulha (e o arguido era-o no caso em apreço) é responsável pelo “cumprimento dos horários determinados”, “é responsável pelo não cumprimento do giro que consta na guia de patrulha” (fis. 93 v).
26º Ainda, e de acordo com a mesma determinação, “nenhum militar está autorizado a sair do giro que consta na guia de patrulha sem dar conhecimento e
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