ACÓRDÃO Nº 544/2015
Processo n.º 30/2015
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., Lda., o primeiro interpôs recurso obrigatório, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na versão aplicável (LTC), da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 16 de dezembro de 2014 (cfr. fls. 197-213 e retificação de fls. 221) – a qual julgou verificada a inconstitucionalidade orgânica «das normas legais contidas no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17.07» e, em consequência, julgou procedente a impugnação judicial e anulou «a liquidação da “Taxa de Segurança Alimentar Mais”» objeto dos autos (cfr. fls. 213).
2. O requerimento do Ministério Público tem o seguinte teor (cfr. fls. 218-219 e retificação de fls. 225)):
«O Ministério Público, notificado da douta sentença proferida nos autos em epígrafe, em que é Impugnante "A., LDA", que recusou a aplicação das normas contidas no art. 9.º do DL n.º 119/2012, de 15 de Junho e nos arts. 3.º e 4.º da Portaria n.º (…) 214/2012, de 17 de Julho com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, vem da mesma interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
O recurso é interposto ao abrigo do preceituado na al. a) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82, 15 de Novembro.
Versa o presente recurso a apreciação da constitucionalidade do art. 9.º do DL n.º 119/2012, de 15 de Junho e dos arts. 3.º e 4.º da Portaria n.º (…) 215/2012, de 17 de Julho, normas cuja aplicação foi recusada, na decisão recorrida, por entendidas desconformes com a Constituição à República Portuguesa (art. 165.º n.º 1 al. i). (…)
Porque está em tempo, tem legitimidade, ser a decisão recorrível, requer que seja considerado interposto o recurso, circunscrito à matéria da inconstitucionalidade referida, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito suspensivo da sentença e interruptivo do prazo de interposição do recurso ordinário que a decisão também admite - arts. 280.º n.º 1 al. a) e 6 CRP, 70.º. n.º 1 al. a), 71.º n.º 1, 72.º n.º 1 al. a) e 3, 75.º n.º 1, 75.º- A n.º 1 e 78.º n.º 4 da Lei n.º 28/82 de 15/11. (…)».
3. O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho proferido no Tribunal aquo em 19/12/2014 (cfr. fls. 221).
4. Tendo o recurso prosseguido neste Tribunal, foram as partes notificadas para alegar no prazo de trinta dias (cfr. despacho de 4/2/2015, a fls. 232).
5. O recorrente Ministério Público apresentou alegações (fls. 241-358), concluindo no sentido de as normas deverem ser julgadas constitucionalmente conformes e, em consequência, ser concedido provimento ao recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público, alegando e concluindo o seguinte (cfr. fls. 323-358):
«(…)
VI. Apreciação do thema decidendum e conclusões
43º
Feita uma apresentação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que se entendeu de interesse para a apreciação do problema de inconstitucionalidade suscitado, estamos, talvez, em condições de definir uma solução para tal problema.
E tal solução vai em sentido diverso da sentença recorrida do TAF de Loulé, de 16 de Dezembro de 2014.
44º
A digna magistrada judicial não terá, talvez, ponderado, devidamente, alguns aspetos, constantes do Preâmbulo do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de Junho, a que ela própria, apesar de tudo, alude na sua decisão (cfr. supra nº 19 das presentes alegações)
Refere-se, designadamente, no Preâmbulo deste diploma (destaques do signatário):
«[…] Emerge, assim, o conceito de responsabilidade partilhada na garantia da segurança entre os referidos operadores económicos e o Estado, através dos seus serviços oficiais, o qual contribui decisivamente para o cumprimento das rigorosas regras europeias em matéria de qualidade alimentar, conferindo às exportações nacionais adicionais condições de sucesso nos competitivos mercados internacionais.
Aqueles normativos consagram ainda a obrigação de financiamento dos custos referentes à execução dos controlos oficiais por parte dos Estados membros, conferindo a estes a possibilidade de obterem os meios financeiros adequados através da tributação geral ou da criação de taxas ou contribuições especiais a suportar pelos operadores.
Em aplicação destas regras, encontram-se já instituídas diversas taxas destinadas a suportar financeiramente os atos de verificação e controlo, tendo como referenciais os custos e as despesas relativas ao pessoal, designadamente as remunerações, instalações, instrumentos, equipamento, formação, deslocações e despesas conexas, incluindo as relativas à colheita e envio de amostras e análises laboratoriais.
Os produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal encontram-se, assim, obrigados ao pagamento de diversas taxas, designadamente a que se destina a financiar o sistema de recolha de cadáveres de animais na exploração, as decorrentes da execução, pela autoridade sanitária veterinária nacional, do Plano Nacional de Saúde Animal, as cobradas às atividades de produção, preparação e transformação de produtos de origem animal e alimentos para animais, como sucede com a taxa cobrada pela inspeção sanitária, e ainda todas as que têm em vista a autorização do exercício daquelas atividades.
Importa, ainda, considerar todas as taxas cobradas aos produtores, distribuidores e comerciantes, designadamente pela verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos, as quais, constituindo encargos sobre os fatores de produção, oneram igualmente os produtores.
Importa, por isso, estender a todos os operadores da cadeia alimentar a responsabilidade pelo referido financiamento, através de uma contribuição financeira obrigatória que assegure a equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que todos são destes beneficiários.
Neste âmbito, concretiza -se o princípio do «utilizador pagador»,uma vez que a contribuição é exigida a todos aqueles que usufruem dos serviços ou sistemas, à qual corresponderá a atribuição de um dístico comprovativo.
Por fim, no sentido de assegurar elevada qualidade e segurança alimentar ao consumidor, assim reforçando as boas práticas ao longo da cadeia alimentar, importa constituir um fundo financeiro que assegure o pagamento das compensações que possam ser exigidas no âmbito da defesa da saúde animal e da garantia da segurança dos produtos de origem animal e vegetal».
45º
Ora, estamos, desde logo, no âmbito de responsabilidades internacionalmente assumidas, que ao Estado Português cabe respeitar e fazer respeitar.
Designadamente regras comunitárias, que «consagram ainda a obrigação de financiamento dos custos referentes à execução dos controlos oficiais por parte dos Estados membros, conferindo a estes a possibilidade de obterem os meios financeiros adequados através da tributação geral ou da criação de taxas ou contribuições especiais a suportar pelos operadores».
Pretende-se, por outro lado, assegurar uma «responsabilidade partilhada na garantia da segurança entre os referidos operadores económicos e o Estado, através dos seus serviços oficiais, o qual contribui decisivamente para o cumprimento das rigorosas regras europeias em matéria de qualidade alimentar, conferindo às exportações nacionais adicionais condições de sucesso nos competitivos mercados internacionais».
Ora, uma tal «responsabilidade partilhada» implica que, para além de «produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal», bem como de «produtores, distribuidores e comerciantes», se estenda «a todos os operadores da cadeia alimentar a responsabilidade pelo referido financiamento, através de uma contribuição financeira obrigatória que assegure a equitativa repartição dos custos dos programas de controlo, na medida em que todos são destes beneficiários».
Uma tal preocupação, de justa repartição de custos pelos beneficiários do exigente trabalho desenvolvido em matéria de qualidade alimentar, assegura-se, pois, compreensivelmente, através do respeito do «princípio do «utilizador pagador»,uma vez que a contribuição é exigida a todos aqueles que usufruem dos serviços ou sistemas, à qual corresponderá a atribuição de um dístico comprovativo».
E compreensivelmente, também, «no sentido de assegurar elevada qualidade e segurança alimentar ao consumidor, assim reforçando as boas práticas ao longo da cadeia alimentar, importa constituir um fundo financeiro que assegure o pagamento das compensações que possam ser exigidas no âmbito da defesa da saúde animal e da garantia da segurança dos produtos de origem animal e vegetal».
Daí que o art. 9º,...