Acórdão nº 543/18.0T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-07-2022

Data de Julgamento13 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão543/18.0T8VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 543/18.0T8VFR.P1 - Apelação
Origem: Juízo Central de Santa Maria da Feira – Juiz 3.
Relator: Des. Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto: Desembargador Dr. Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto: Desembargadora Dr.ª Maria de Fátima Andrade
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em colectivo, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. AA, residente em Rua ..., ..., ..., freguesia do concelho de Santa Maria da Feira, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra:
BB, viúva, residente em Av. ..., ..., ... ..., freguesia do concelho de Santa Maria da Feira;
CC, residente em Avenida ..., ..., ... ...;
DD, residente em Rua ..., ... ...;
EE, residente em Rua ..., ..., ...;
FF, residente em Rua ..., ..., ...;
GG, residente em Inglaterra, em parte incerta;
Peticionando:
1) Ser declarada constituída servidão de vistas, de luz e de ar, sobre o prédio dos réus a favor da casa da autora;
2) A condenação dos réus a: (a) reconhecerem o direito da referida servidão de vistas, de luz e de ar da autora sobre o seu prédio, voltado a Norte das respectivas janelas e absterem-se de praticar quaisquer actos que limitem ou impeçam o exercício de tal direito; (b) demolirem o muro e plataforma que construíram no seu prédio de forma a respeitar o direito à servidão de vistas da autora, designadamente, proceder à sua demolição na dimensão e enfiamento das três janelas ali existentes; (c) demolirem o muro para a altura legal na restante parte confinante com o prédio da Autora em toda a sua extensão, tomando por referência a cota natural inicial dos prédios, v.g. do prédio da autora; (d) reporem a cota do seu prédio à situação natural; (e) indemnizar a autora a título de danos morais que lhe causaram e continuam a causar, em quantia nunca inferior a € 10.000,00 e, bem assim, por danos materiais contabilizados até à data em € 3.043,98, num total de € 13.043,98 (treze mil quarenta e três euros e noventa e oito cêntimos); (f) indemnizar a autora pelos danos futuros, v.g., os medicamentos que esta continua a tomar e electricidade que consome em excesso, na medida indicada nos pontos 36 e 44 da petição, até reposição da situação natural.
Alegou para o efeito e em síntese que autora e réus são proprietários de prédios contíguos, tendo em 1998, sem qualquer licença camarária (só conseguida em 1999), os réus procederam à construção de um muro do lado sul (dos prédios da autora) que, nos termos do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação em vigor, os muros de vedação não confinantes com a via pública não podiam exceder 1,20 metros junto à habitação e 1,50 metros junto ao quintal, porém os réus construíram o muro com altura de 1,80 na parte confinante com a casa da Autora e 1,90 metros na parte confinante com o quintal, o que motivou queixa na Câmara Municipal, a qual emitiu parecer de licenciamento do indicado muro, na condição dos réus demolirem o mesmo para a altura legal, do que foram notificados. Apesar disso, os réus ao invés de demolirem o muro, procederam a diversos aterros no seu prédio, alteando significativamente a sua cota natural. Enunciou que, mais recentemente, os réus procederam a novos aterros com terra e entulho, que alteou ainda mais a cota natural do prédio destes (nível de quase mais dois metros relativamente ao terreno da autora), o que motivou a apresentação de nova queixa na Câmara Municipal, a fim de os réus procederem à reposição da situação natural do seu prédio, sendo que, no que tange à construção do alegado muro em 1998, após tantas vicissitudes e porque entretanto o RMUE foi alterado, a altura inicial do mesmo passou a ser permitida. Alegou ainda que os réus encetaram nova obra no referido muro em toda a sua extensão, com blocos de cimento, o qual, presentemente, em alguns pontos atinge 3,60 m de altura, privando completamente a autora da normal luminosidade e arejamento dos seus prédios, v.g., da sua casa de morada de família, onde desde tempos imemoriais possui três janelas que deitam directamente para o prédio dos réus.
A autora alegou igualmente que no enfiamento de uma das referidas janelas, paralela ao dito muro, já na pendência da providência cautelar, os réus construíram uma plataforma em cimento com cerca de 1 metro de altura, a qual além do muro, também obstrui completamente contra uma das suas janelas; que na casa da autora existem três janelas que deitam directamente para o prédio dos réus, em cujo parapeito, designadamente, nas janelas dos quartos, a autora se pode apoiar, podendo olhar em frente através dela e desfrutar de luz natural e de arejamento, o que faz ininterruptamente, há mais de 20 anos, de uma forma pacífica, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, razão por que sustenta ter adquirido servidão de vistas, de luz e ar, sobre o prédio dos réus por usucapião.
Invocou ainda que em virtude do muro agora em alguns pontos superior à altura da casa da autora e edificado a cerca de 10/20 cm da parede norte da casa, provoca uma maior infiltração das águas, nomeadamente, pluviais, pelo que em virtude da actuação dos réus, a autora sofreu e continua a sofrer vários danos de ordem moral e material, designadamente imputando aos réus a inutilização da caixilharia das três janelas existentes na casa da autora, que enuncia ficaram totalmente salpicadas de cimento e para cuja substituição, a autora pagou € 430,00 relativamente a uma e terá ainda de pagar a quantia de € 860,00 quanto às outras duas. Invocou, ainda, que ficaram inutilizadas várias plantas, árvores, flores e uma latada de videiras existentes no prédio da autora, de valor de cerca de € 1.000,00, chapas zincadas e tubos de canalização, sendo que para limpeza do terreno em toda a extensão do muro, as chapas e as tubagens, a autora terá de despender a quantia de € 480,00. Por outro lado, referiu que dado o aumento de infiltrações de águas, a autora viu-se obrigada a comprar mais dois desumidificadores, nos quais despendeu a quantia de € 199,98, os quais mantêm ininterruptamente ligados para minorar a intensa humidade que se faz sentir dentro da sua casa, o que conduziu ao excesso de consumo de electricidade mensal de € 50,00.
Sustentou, ainda, que ao ver as janelas completamente tapadas, a autora entrou em desespero, deixou de comer e passou várias noites em dormir e que a privação total dos raios solares, do ar e da luz, prejudica gravemente a qualidade da sua vida e afectam as condições de salubridade da sua casa, causando-lhe problemas de saúde (gripes constantes, dores de cabeça, entre outras), obrigando-a a recorrer a ajuda médica e a submeter-se a tratamentos medicamentosos, com que gasta mensalmente cerca de € 22,00.

2. Devidamente citados, contestaram os réus, impugnando a matéria alegada pela autora, designadamente enunciando que a casa de habitação da autora foi “ legalizada “ junto dos serviços camarários usando informações falsas, dado que os anexos que foram licenciados não correspondem às construções implantadas no local, tendo uma delas ser licenciada para ser implantada a 2 metros da linha divisória com o terreno dos réus, quando essa construção se encontra em cima da linha divisória e com uma abertura com frestas, que a autora transformou em janela com caixilharia e estores lacados de branco, bem como uma empena cega que depois foi alterada para abertura com frestas e que depois alterou para janela. Os réus, aceitando haver um desnível natural entre os terrenos, descaindo de norte para sul, enunciaram que o muro foi construído obedecendo a altura permitida pelo RMUE, explicitaram que as obras que realizaram no seu prédio foram devidamente licenciadas, diversamente do que sucede com a autora que, ao longo do tempo fizeram construções clandestinas. Rejeitando o direito de a autora ter janelas para o lado do terreno dos réus, nem nunca teve qualquer direito a vistas para este terreno, descreveram que em 11 de Janeiro de 2018, a ré apresentou na Câmara Municipal ... um requerimento para que fosse certificado que não existe para o terreno em causa nos presentes autos contíguo ao terreno dos réus qualquer habitação licenciada ou qualquer abertura licenciada para o lado dos réus, o que foi deferido (doc. 12 junto com a contestação), por nenhuma das operações urbanísticas aprovadas para o local se destinar a habitação e que não existe qualquer abertura licenciada para o lado da ré, pelo que na parede norte das construções contíguas ao terreno dos réus nunca houve janelas voltadas para esse terreno, pois de contrário a autora teria de ter afastado a construção metro e meio da linha divisória, o que não fez e que nessa altura havia apenas aberturas fixas e com frestas, tendo há cerca de dez anos a autora, na ausência da ré em férias, substituído a abertura com frestas existente por uma janela de abrir com caixilharia de alumínio. Os réus negaram ainda ter inutilizado a caixilharia das janelas existentes no local, pelo que não havia qualquer necessidade da sua substituição, pelo que quaisquer obras feitas pela autora são da sua responsabilidade e encargo e que as precárias condições de higiene e salubridade de que a autora se queixa decorre de a autora não ter qualquer construção licenciada para habitação, que as construções estão mal executadas, com deficiências de isolamento de humidades e águas pluviais e com falta de arejamento e limpeza frequentes, sendo que a falta de reboco determina infiltrações de humidades e águas pluviais para o interior, sendo a própria cobertura exterior apropriada para anexos, mas não para habitação, pois tem simples telha sem isolamento.

Os réus deduziram, ainda, reconvenção, invocando que a reconvinda destruiu uma parte do alteamento do muro, abrindo nele os dois buracos e um buraco no muro antigo que a mesma reconhece expressamente que estava licenciado desde 1998, pelo que pela
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