Acórdão nº 5366/17.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21-05-2020

Data de Julgamento21 Maio 2020
Número Acordão5366/17.0T8GMR.G1
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

A. L. e mulher M. F. intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra M. C., pedindo:

a) que se declare que são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados nos artigos 1º a 4º da petição;
b) a condenação da Ré a:
i) reconhecer e a respeitar aquele direito de propriedade e a abster-se da prática de quaisquer atos lesivos dos mesmos;
ii) restituir-lhes os referidos prédios inteiramente livres e desocupados de pessoas e bens;
iii) pagar-lhes, a título de indemnização pelos prejuízos causados desde 8 de Agosto de 2012 e pelos benefícios que deixaram de obter em resultado da sua recusa em entregar-lhes os prédios, quantia a apurar em liquidação incidental à presente ação.

Alegaram, em síntese, que por escritura pública celebrada em 8 de Agosto de 2012, B. A. declarou vender-lhes, pelo preço de € 90.000, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … -... e os prédios rústicos inscritos na matriz da referida freguesia sob os artigos ..., ..., ... e ..., descritos, respetivamente sob os nºs ..., ..., ... e ..., que registaram a seu favor, acrescentando que, por si e anteproprietários, há mais de 20 anos, colhem os frutos e suportam os encargos, à vista de toda a gente, sem oposição, ininterruptamente, convictos de serem seus proprietários.
Referem que, depois da compra, solicitaram à Ré que entregasse os prédios e, posteriormente, por carta registada com aviso de receção, remetida pelo seu Mandatário, o Autor comunicou que pretendia essa entrega até Setembro de 2015, o que a Ré não fez, comunicando, através do seu Mandatário, que embora os prédios pertençam aos AA. , são objeto de contrato de arrendamento. No entanto, apesar de os pais do vendedor terem celebrado com o marido da Ré, falecido em 17 de Outubro de 2011 (1), acordo pelo qual cederam os prédios rústicos para que os explorassem e cultivassem, mediante o pagamento de uma quota da produção e, em complemento, a casa de habitação que faz parte do prédio urbano, pelo prazo de um ano, renovável, com início em 1 de Novembro de 1965, o mesmo acordo nunca foi reduzido a escrito, sendo nulo.
Acrescentam que desde a aquisição dos prédios pelos AA. estão impedidos de retirar rendimento, bem como de restaurar o prédio urbano, rentabilizá-lo e explorar a suas potencialidades.
A Ré contestou, contrapondo que, há mais de 40 anos, J. A. e mulher celebraram consigo e seu marido um contrato de arrendamento rural que tinha por objeto os prédios em causa, o qual assegurou o alojamento para o seu agregado familiar e o fabrico agrícola dos prédios rústicos para sustento seu e da família com pagamento da renda, de forma ininterrupta; foi reconhecida como arrendatária pelos sucessivos proprietários, estando convicta da existência de documento da sua redução a escrito e que, antes da venda aos Autores, o anterior proprietário comunicou-lhe o projeto de alienação.
Invocou exceção dilatória inominada, alegando que os Autores invocaram a nulidade do contrato de arrendamento por inobservância de forma escrita, sem pedir que seja declarado judicialmente nulo, sendo tal impeditivo do pedido de reivindicação e não juntaram cópia do contrato com a petição inicial, nem alegaram que a falta é a si imputável, defendendo a extinção da instância.
Acrescentou que os Autores agem em abuso de direito por pretenderem fazer-se valer do vício de forma, não obstante o longo prazo decorrido e o cumprimento das suas obrigações para com os sucessivos senhorios e referiu ainda, quanto à indemnização, que sempre lhes ofereceu a renda, que corresponde ao rendimento do prédio.
Realizada tentativa de conciliação, apesar de suspensão da instância com vista ao desenvolvimento de diligências tendentes à exploração de soluções, frustrou-se a celebração de transação.
Foi dada oportunidade aos Autores de exerceram o contraditório, o que fizeram argumentando que o Tribunal pode conhecer expressamente a nulidade do contrato e que esse pedido está implícito naqueles que formularam, não havendo fundamento para intentar ação ou formular expressamente esse pedido; defenderam que os prédios foram objeto de um contrato de parceria agrícola, omitindo a Ré o tipo ou natureza da renda e que, falecido o seu marido, jamais a mesma manifestou aos proprietários a vontade de exercer o direito de transmissão. Finalizaram alegando que não foram eles quem celebrou o contrato, nunca receberam qualquer renda nem foram interpelados para a redução a escrito do contrato ou a sua conversão em contrato de arrendamento rural.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória inominada e se pronunciou pela validade e regularidade dos pressupostos processuais.
Identificado o litígio, foram enunciados os temas da prova, sem reclamação.

Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
VI. DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação parcialmente provada e procedente:

a) declara que os Autores A. L. e mulher M. F. são proprietários dos prédios identificados no ponto 1) da fundamentação de facto;
b) condena a Ré M. C. a:
i) reconhecer o direito de propriedade dos Autores A. L. e mulher M. F. relativamente aos prédios identificados supra em a);
ii) abster-se da prática de quaisquer atos lesivos daquele direito;
iii) restituir aos Autores os referidos prédios inteiramente livres e desocupados de pessoas e bens;
c) absolve a Ré M. C. do pedido de indemnização formulado pelos Autores A. L. e mulher M. F..
Custas a cargo dos Autores e da Ré na proporção de 4/10 e 6/10, respetivamente.”

A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 ° - A decisão da matéria de facto proferida pela Sra. Juiz a quo merece censura por considerar como não provados determinados factos que estão em contradição com a prova produzida nos autos, as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer, devendo em consequência esta decisão ser alterada, no sentido constante das alegações produzidas em relação a cada facto e a merecer revisão;
2° - Estão em causa o ponto de facto n° 11 dos factos provados e os factos constantes dos artigos 16° e 17 da contestação, estes considerados não provados;
3° - A prova produzida nos autos inculca a alteração da matéria de fato preconizada nas conclusões antecedentes, e a considerar a alteração daquele provado e os não provados como para provados, com a seguinte redação:
FACTO PROVADO: 11)
"Em data não apurada do ano de 1967, F. P., mãe de B. A., acordaram por escrito com F. G. e a Ré ceder-lhes, entre outros, os imóveis identificados em I), para explorarem e cultivarem os prédios rústicos e habitar com o respetivo agregado familiar no prédio urbano, tendo como contrapartida, a entrega metade do vinho, do milho e do feijão ali produzidos e suportando uns e outros, na proporção de metade, as despesas com adubos e produtos fitofarmacêuticos destinados ao cuidado da vinha (resposta aos artigos 24° e 26° da petição inicial, 11 ° e 13° da contestação) ";
e, a aditar aos factos provados:
(parte do artº16º da contestação)
"' ... J. A., que subscreveu um documento a reconhecer essa qualidade e o contrato de arrendamento rural, possibilitando à Ré e ao marido a sua inscrição e os descontos para a extinta "casa do Povo", e celebrar o contrato de fornecimento de electricidade ao prédio. ":
Artigo 17° da contestação.
A Ré, que é iletrada, está convicta que o contrato de arrendamento rural foi reduzido a escrito, que o mesmo existe e os Autores estão na posse de um exemplar. ";
4° - Na revisão da matéria fáctica e sua alteração, nos termos anteriormente enunciados, a considerar como relevante na reapreciação da prova o depoimento prestado pela testemunha F. J., com registo de gravação digital- minutos 14.31.21 a 14.43.23 horas da gravação - indicado no corpo das alegações e ali referido de forma expressa a existência de contrato escrito;
5° - Em sede de reapreciação da prova não se opõe a fundamentação da douta sentença quanto à matéria de facto cuja alteração se preconiza, a revelada convicção do Tribunal e da Meretíssima Sra. Dra. Juiz a quo,•
6° - Em sede da requerida revisão da matéria de facto a prova a considerar, para além da indicada pela Apelante, é, ainda, o universo da prova nos autos, a cristalizada nos documentos e a sua temperança com os depoimentos das testemunhas, conformando-as com as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer;
7° - A prova dos factos alegado pela Ré/Apelante não é posta em crise por qualquer documento ou os depoimentos prestados por outras testemunhas não permitem extrair e fundamentar as conclusões negativas em matéria de facto que a douta sentença acolheu, pois a prova nos autos é todo o universo da prova, a cristalizada nos documentos e a sua temperança com os depoimentos das testemunhas, conformando-as com as regras da experiência, do senso comum e da normalidade do acontecer;
8° - alteração e modificabilidade da matéria fáctica que advém dos factos enunciados nos pontos anteriores, revendo-se na consideração da prova obtida e ali indicada, e a alteração que se preconiza relativamente a esta factualidade, pois estará demonstrado pela Ré a existência do contrato de arrendamento rural reduzido a escrito;
9° - Da matéria fáctica relevante nos autos, alterada aquela objeto do pedido de revisão em apelação, resultará a existência do contrato de arrendamento rural e reduzido a escrito;
10° - A considerar a revisão da matéria de facto nos termos preconizados, a observância da forma escrita do contrato de arrendamento rural obsta ao reconhecimento da nulidade por...

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