Acórdão nº 532/2001.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 27-11-2012

Data de Julgamento27 Novembro 2012
Número Acordão532/2001.L1-1
Ano2012
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

O 2º Juízo de Competência Cível de … julgou parcialmente procedente a ação proposta por MCP…(autor, recorrido) contra MEC… (ré, 1º recorrente); e parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido por esta ré e por RVS…(réu interveniente) contra aquele autor e MMC… (autora interveniente, 2ª recorrente); e, em consequência,
1. reconheceu o direito de propriedade do autor MCP… relativamente à fracção autónoma designada pelas letras "BC", correspondente ao 10º andar C, do prédio urbano sito na Avenida …. de …, Concelho de …;
2. condenou a ré MEC… a restituir imediatamente a referida fracção ao autor, absolvendo a ré do demais peticionado; e
3. condenou o autor MCP…e a autora interveniente MMC… a pagarem à ré e ao réu interveniente RVS…a quantia de € 19.951,92 (contravalor de Esc. 4.000.000$00), acrescida de juros de mora, desde 17/07/1999, à taxa anual de 7%, até 30/04/2003, e de 4% a partir desta data, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais.
A ré MEC… recorreu, pedindo que se revogue a sentença na parte em que julgou parcialmente provada a ação e reconheceu o direito de propriedade do autor, e que se julgue totalmente procedentes os pedidos reconvencionais da ré; e, a não se entender assim, que se condene o autor e a interveniente MMC… no pagamento à ré e ao interveniente RVS…do preço razoável equilibrado e justo da compra da fração em causa.
A autora interveniente MMC… também recorreu, pedindo que se revogue a decisão recorrida e se julgue a reconvenção improcedente e procedente a exceção por si deduzida, ou quando menos se altere a matéria de facto dada como provada, conforme também por si indicado. E, em contra-alegações, pediu que se negue provimento ao recurso da ré MEC...
A ré MEC… contra-alegou pedindo que se negue provimento ao recurso da autora interveniente MMC…

Cumpre decidir: (1) se a compra e venda da fração em causa foi ou não eficaz e válida; (2) se há lugar ao pagamento ao autor do valor correspondente às rendas (3) se estamos perante uma situação de incumprimento do contrato ou de não prestação de contas pela procuradora, (4) se houve nulidade de sentença relativamente ao pedido reconvencional da ré MEC…; (5) se há que proceder à determinação do preço justo da fração; (6) se procedem as exceções invocadas pela interveniente MMC...


Fundamentos

Factos
Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:
A) Por escritura de renúncia, compra e venda e mútuo oneroso com hipoteca, de 08-08-1980 outorgada nº 12° Cartório …, a R. e o interveniente principal RVS…compraram a fracção autónoma designada pelas letras "BC", correspondente ao 10º andar C, do prédio urbano sito na Avenida …, freguesia de …, Concelho de …, descrito na 23 Conservatória do Registo … de …, sob o n° …, inscrito na respectiva matriz sob o art…, pelo preço de Esc.: 1.650.000$00.
B) Sobre a fracção identificada em A) foi registada por Ap 52 80025 hipoteca voluntária com fundamento em empréstimo: sujeito activo Banco F&B para pagamento da fracções BC e CC (10º andar C e garagem)
C) Por inscrição G ... - Ap. 51 de 25-06-1980 foi registada a aquisição da fracção a favor da RVS…, casado com MEC…, no regime de comunhão de adquiridos.
D) Em 26-06-1984, a R. e marido outorgaram procuração a favor de MMC…, casada à data com o A., no regime de comunhão de adquiridos, nos termos da qual a R. e marido conferiram a MMC… poderes para, entre outros, vender, pelos preços, cláusulas e condições que entendesse por convenientes, três fracções autónomas, de entre as quais a fracção supra identificada e objecto da presente lide, receber os preços, dar as correspondentes quitações, outorgar as necessárias escrituras, podendo ainda ser a própria procuradora a compradora.
E) Por escritura de compra e venda de 27-06-1990 MMC…, e marido, outorgou na qualidade de representante da R. e RVS…, como vendedores e por si na qualidade de compradora, escritura pública de compra e venda da fracção melhor identificada em A).
F) Na escritura supra MMC…declarou que, em nome dos seus constituintes e pelo preço, já recebido, de quatro milhões de escudos, vende a ela própria e ao referido marido, com todas as coisas acessórias e livre de quaisquer ónus ou encargos a referida fracção autónoma.
G) Por inscrição G 19900629028 Ap. 28 de 29-06-1990 foi inscrita a aquisição a favor de favor de MMC…e marido MCP…- comunhão de adquiridos - o imóvel melhor descrito em A).
H) Em 11-10-1991, RVS…outorgou instrumento de revogação da procuração referida em D).
I) Encontra-se registado a favor do A. MCP… - causa partilha subsequente ao divórcio - por A.p.G200 10 I 04006 Ap. 6 de 04-01-2001 - o imóvel identificado em A).
J) O A. remeteu à R. carta registada com aviso de recepção com data de 13-02-2001, nos termos do doe. n° 2 e cujo teor dou aqui por reproduzido, carta que não foi recebida pela R., não reclamada.
K) O A., munido da procuração identificada em D) pagou as quatro últimas prestações referentes ao crédito identificado em B) com vista à obtenção do documento de distrate da hipoteca que incidia sobre a fracção identificada em A).
L) O A. permitiu que a R. permanecesse no imóvel por mera tolerância.
M) Em meados de Março de 2000 o A. interpelou a R para que esta desocupasse o andar.
N) A R. e marido pagaram o empréstimo ao BFB nos termos e condições acordadas.
O) Há mais de 21 anos que a R. e sua família reside na fracção.
P) A transmissão foi feita sem conhecimento da R. e do interveniente RVS...
Q) Com referência à escritura de 1990, o A. e MMC…não pagaram o preço da compra declarado em escritura.
R) A R. e seu marido, o interveniente RVS…, não receberam o preço declarado na escritura - 4.000.000$00.
S) Apenas em 1994, no decurso do seu divórcio, a R. teve conhecimento de escritura de compra e venda de 1990.
T) O pagamento referido em K) da matéria assente foi feito ao arrepio da vontade da R. e do interveniente RVS....
U) O A interpelou a R. para pagamento do valor relativo às quatro últimas prestações.
V) A R. entregou ao A. a quantia de Esc: 351.000$00 na sequência da interpelação referida em U).
W) Na data em que foi celebrada a escritura referida em E) não foi solicitado o consentimento da R. e do chamado …para que a procuradora vendesse a fracção.
X) O A. e chamada sabiam que com a escritura de compra e venda prejudicavam a R.
Y) Com a procuração de 1984 a R. tinha consciência que os A.A podiam fazer das casas o que quisessem, quando muito bem entendessem.
Z) Após o pagamento do empréstimo a R. fez um único depósito de € 2403,31 na CGD numa conta de consignação de rendas de MEC… contra MCP....


Análise jurídica

Considerações do Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:
...
Resulta das alíneas G) e I) dos factos provados que a inscrição no registo predial se mostra efectuada a favor do A. e da chamada MMC…desde 29/06/1990 e em nome apenas do A., por partilha subsequente ao divórcio decretado entre si e a chamada, desde 04/01/01.
Assim, e por força do disposto no art. 7º do CRP, presume-se que o Autor é titular do direito de propriedade sobre a fracção em litígio. Importa averiguar se esta presunção foi ilidida.
...
A escritura de compra e venda da aludida fracção foi outorgada, pela chamada … em representação, na qualidade de procuradora da R. e chamado RVS…, na parte dos vendedores, e por si própria e A., como compradores.

A referida procuração foi outorgada pela R. e chamado e nela foram conferidos “poderes para, entre outros, vender, pelos preços, cláusulas e condições que entendesse por convenientes, três fracções autónomas, de entre as quais a fracção supra identificada e objecto da presente lide, receber os preços, dar as correspondentes quitações, outorgar as necessárias escrituras, podendo ainda ser a própria procuradora a compradora”.

… nada se provou quanto às motivações ou indicações fornecidas pela R. e interveniente. Apurou-se, outrossim, que a R. tinha consciência que os AA. podiam fazer das casas o que quisessem, quando muito bem entendessem.
Em suma, a compra e venda realizada contém-se nos limites dos poderes formais conferidos na procuração e não se provou que tenha sido utilizada em sentido contrário ao seu fim ou às indicações dos representados, sendo que no seu texto não constam quaisquer restrições ou condições ao exercício dos poderes nem qualquer directriz.
Por outro lado, pese embora o lapso de tempo decorrido entre a outorga da procuração e a escritura de compra e venda, a verdade é que a R. nunca revogou a procuração e quando o interveniente o fez já aquela havia sido usada na mencionada escritura. Face ao teor da procuração e à ausência de prova de outros factos relevantes, a não comunicação da realização da escritura e a não autorização em data contemporânea não constituem, em si, abuso de poderes de representação.
Não se verificando abuso de poderes impõe-se concluir que a compra e venda não está afectada do vício da ineficácia.

A R. veio, ainda, alegar que a escritura de compra e venda é um acto simulado.

Ora, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/05/08 “a lei exige, para a declaração de nulidade do negócio simulado, a prova concreta e efectiva do intuito de enganar terceiros (...), havendo que provar a actuação voluntária destinada a criar uma aparência enganatória, visando com isso lançar em erro terceiro, e não, primacialmente, o propósito de o prejudicar. O concreto intuito de enganar terceiros tem que ser necessariamente alegado pela parte que se pretende prevalecer da simulação, não podendo emergir, oficiosamente, de presunções judiciais e, muito menos, de factos não trazidos pelos litigantes ao processo.” (in www.dgsi.pt).
Vejamos, pois, se no caso sub judice se verificam tais requisitos (cumulativos).
Em primeiro lugar importa
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