ACÓRDÃO Nº 529/2024
Processo n.º 1058/2023
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. O Ministério Público (o ora recorrente), confrontados com a decisão referida em 1.1.1., infra, interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC). Relatam-se, seguidamente, as incidências que conduziram ao referido recurso.
1.1. A., S.A. requereu, junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista uma pronúncia arbitral no sentido da anulação de decisão de indeferimento de reclamação graciosa que visou ato de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) relativo ao ano de 2020.
1.1.1. O processo prosseguiu os seus termos e culminou na prolação de decisão arbitral, datada de 11/10/2023, no sentido da procedência do pedido. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:
“[…]
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa mesma Lei.
Tem por objetivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 2.º [trata-se de manifesto lapso de escrita, pretendendo a decisão recorrida referir-se ao n.º 2 do artigo 1.º], reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2) e tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
No que respeita à sua qualificação jurídica, afastada liminarmente a figura da taxa, temos que ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr. Acórdão do STA de 25-01-2023 – Proc. n.º 01622/20, bem como a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB. E assim não pode ser na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira.
Subscrevendo o que se diz na decisão arbitral proferida no processo n.º 599/2022-T, dir-se-á, analisado o diploma, seus pressupostos, incidência e demais regras que “assumindo como pressuposto a trilogia dos tributos constitucionalmente admitida, temos que o ASSB não é, claramente, uma taxa, porquanto ao seu pagamento não corresponde uma qualquer contraprestação individualizada por parte de um qualquer ente público. O ASSB não é, também, uma contribuição financeira, na medida em que o “grupo” sujeito ao pagamento deste tributo (as instituições de crédito sedeadas ou operando em Portugal) não corresponde a um “grupo” que usufrua de especiais vantagens resultantes da atuação do ente público assim financiado, ou a um “grupo” que surja como especial causador da necessidade da existência de determinado serviço público. Na realidade, sendo a segurança social universal, podemos dizer que aproveita a todos e não a um qualquer «grupo»”.
Acresce que “o ASSB nem sequer é um tributo acessório da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta. O ASSB é um tributo completo, pois a Lei que o criou prevê todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a incidência subjetiva e objetiva. O que acontece é que esta é uma como que uma “duplicação” da CSB, o que mostra bem que o uso do termo “adicional” não obedeceu a qualquer razão técnico-legislativa, mas ao propósito político de atribuir ao ASSB um nome suscetível de “camuflar” a sua natureza jurídica”.
Ora, o ASSB tem como âmbito de incidência objetiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º do Anexo VI.
No que respeita à incidência subjetiva temos, sumariamente, que são sujeitos passivos do ASSB as instituições de crédito, sejam as sedeadas em Portugal, sejam filiais e sucursais de não residentes sitas no nosso país.
Alega a Requerente que o ASSB viola o princípio constitucional da igualdade, na sua vertente de proibição do arbítrio, ao impor ao setor financeiro um ónus acrescido no que respeita ao financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social que não tem fundamento substancial válido, pois incide sobre o setor bancário como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras. Acrescentando que estas isenções têm cariz objetivo e não subjetivo, estando diretamente relacionadas com o tipo atividade desenvolvida pelas instituições financeiras e com a dificuldade de aferir o valor acrescentado presente neste tipo de serviços e não com a natureza subjetiva do sujeito passivo.
Com o que tendemos a concordar.
A propósito da isenção de IVA, há que ter presente que, como diz Angelina Tibúrcio (Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 318), as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível.
Face a este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, afigura-se-nos como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.
No que respeita ao princípio da igualdade tributária propriamente dito, há que ter presente o que se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional de 15-10-2014 – Proc. 695/2014: “Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010)”.
Como se diz na decisão arbitral supracitada: “julgamos que mesmo aceitando – por mera disciplina de raciocínio – existir uma situação de desigualdade fiscal entre as instituições de crédito e a generalidade das demais empresas, derivada da existência de uma isenção de IVA relativa à maioria das operações económicas praticadas pelas primeiras, o “caminho lógico”, espelho da proporcionalidade legislativa, seria o de agravar a tributação das operações bancárias sujeitas a Imposto do Selo.
A criação de um outro imposto, incidindo objetivamente sobre realidade diversa que não as transações efetuadas, e, subjetivamente, apenas sobre as instituições de crédito não pode deixar...