Acórdão nº 529/21.4GEALR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28-06-2023
Data de Julgamento | 28 Junho 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 529/21.4GEALR.E1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório:
A.1 - No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Central Criminal, J 2 - correu termos o processo comum singular supra numerado em que é arguido:
AA, (…) nascido a 13 de Janeiro de 1977, solteiro, desempregado, residente (…),
pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real efetivo, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, de seis crimes de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal; de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1 do Código Penal; e de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e 204º, n.º 2, alínea f), e n.º 4 do Código Penal.
*
Por acórdão de 1 de Março de 2023 foi julgada procedente a acusação e, em consequência:
- Homologar a desistência de queixa apresentada e, em consequência, julgar extinto o procedimento criminal instaurado contra AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal;
- Julgar improcedente a invocada nulidade dos autos de reconhecimento de pessoas;
- Absolver AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo, de quatro crimes de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal; e de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1 do Código Penal; e de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e 204º, n.º 2, alínea f), e n.º 4 do Código Penal;
- Condenar AA da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo, de um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (NUIPC 688/21.9PAVFX); de um crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão (NUIPC 420/21.7PAENT); e de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e 204º, n.º 2, alínea f), e n.º 4 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (NUIPC 568/21.8GEALR); e, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos de prisão;
- Condenar AA a pagar as custas criminais, fixando em 4 UC a taxa de justiça, a cargo de cada um;
- Determinar que AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva;
- Declarar perdidos a favor do Estado, nos termos do disposto nos artigos 109.º e 110.º do Código Penal, a arma branca e os demais objectos ainda apreendidos e descritos nos autos;
- Determinar, após trânsito em julgado, a recolha a AA do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) para fins de investigação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, 8.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro), caso ainda não tenha sido recolhido;
- No mais que é de lei.
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A.2 - Na parte introdutória o tribunal recorrido expendeu a seguinte fundamentação a propósito do reconhecimento:
«Concomitantemente, o arguido veio arguir a nulidade dos reconhecimentos pessoais do arguido realizados em sede de inquérito e a exclusão das consequências probatórias que dos mesmos elementos de prova se podem extrair.
Duas questões se colocam: uma a nulidade dos reconhecimentos, outra a da sua capacidade probatória.
Uma nulidade processual traz uma consequente nulidade probatória. O que é processualmente nulo não tem valor probatório, a não ser da própria nulidade.
Não há dúvida que, quando o artigo 147º do Código de Processo Penal utiliza a expressão “reconhecimento”, está a pressupor que este ficará consubstanciado num “auto” que o formalize e que constitui um “acto processual” que, como tal, deve ser um acto processual válido.
Não o sendo isso acarreta uma “invalidade processual” em sentido amplo (incluindo nulidades e irregularidades) pois que o auto de reconhecimento não está feito de acordo com as regras processuais, por exemplo, devidamente assinado pela pessoa que terá efectuado o reconhecimento, vício esse que é distinto do vício – probatório - previsto no nº 7 do artigo 147º do Código de Processo Penal.
Não é a capacidade probatória do acto o que está em causa, sim a sanidade processual do mesmo acto.
O reconhecimento não deixa de ser um acto processual e ao acto processual “reconhecimento” são aplicáveis as normas da invalidade dos actos processuais em tudo o que não respeite à sua “substância”, isto é, à sua intrínseca força probatória, à sua capacidade para permitir ao Tribunal fundar uma decisão que, estas sim, são as “nulidades” previstas no artigo 147º do Código de Processo Penal.
Cairão neste âmbito as irregularidades que se verificariam em qualquer acto processual independentemente da sua diferente natureza (como meio de prova ou outro), como a falta de assinatura do auto, a sua assinatura por quem não participou ou não podia participar no mesmo, enfim actos que não dizendo directamente respeito à sua natureza probatória se assemelham a qualquer outro acto processual na sua vertente física ou intelectual, tão passíveis do cometimento de irregularidades como qualquer outro.
Aqui se poderá discutir, em concreto, a possível qualificação do vício como inexistência, nulidade ou irregularidade, bem como a questão do prazo da sua arguição.
A invalidade de cariz processual pode impedir – a casuística o dirá - que o “auto” de reconhecimento tenha capacidade probatória.
De outra banda, a invalidade processual não afecta meios de prova ou outros actos praticados posteriormente, designadamente depoimentos.
De facto, tratando-se de “nulidade processual” que apenas afecta o acto e não de “nulidade probatória” não há que ponderar qualquer “efeito à distância” sobre outros actos processuais, outros meios de prova ou sobre a convicção do Tribunal, por inexistir qualquer efeito de contaminação probatória.
No caso, contudo, os actos de reconhecimento impugnados não sofrem de qualquer invalidade processual por terem sido seguidas todas as formalidades legais pelo que a invocação de nulidade dos reconhecimentos improcede, assim como se não compagina qualquer efeito sobre a capacidade probatória do reconhecimento. As invocadas discrepâncias entre os intervenientes na prova por reconhecimento só poderão ser ponderadas em sede de livre apreciação da prova.
Aliás, mesmo nos casos de dissemelhança manifesta, grave, evidente, entre o arguido e os demais integrantes da linha de identificação, tendemos a considerar que estes casos, não merecendo uma abordagem formal que exclua a sua virtualidade absoluta como meio de prova, deverão ser resguardados para a livre apreciação da prova devidamente motivada.
Em resumo, uma vez que os actos processuais em si não padecem de qualquer nulidade ou irregularidade processual, o cerne da questão consiste em saber se tal acto, processualmente válido, serve como específico meio de prova, se cumpriu as normas atinentes à sua específica função probatória, se serve – enquanto acto processual próprio para obter o reconhecimento dos arguidos – para fundar a convicção do Tribunal ou se, ao invés, por ter violado uma regra de proibição de prova, deve ser afastado da fundamentação factual, se está “privado do seu valor como meio de prova”, matéria naturalmente invocável a todo o tempo (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1996, proc. nº 788/96 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1997, proc. Nº 25/97, in ww.dgsi.pt).
Não é o que ocorre no caso sub judice, onde o arguido invocou dissemelhanças físicas na linha de identificação que não passam de ligeiras diferenças que não afectam a validade do acto.
No essencial o arguido invoca a norma que dispõe que um reconhecimento efectuado sem o cumprimento dos requisitos contidos nos artigos 147.º, 148.º e 149.º do Código de Processo Penal “não tem valor como meio de prova”, tal como se estatui nos artigos 147.º, n.º 7, 148.º, n.º 3 e 149.º, n.º 3.
Dispõe o artigo 147.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que “Se a identificação não for cabal, (…) chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. (…)”
A partir destas regras de procedimento cria o arguido a exigência de verificação de semelhança entre as pessoas a intervir. E uma implícita (necessária) exigência de formalização de itens de identificação humana a constar do auto de reconhecimento.
A propósito convém recordar o acórdão do STJ de 15-03-2007 (Cons. Santos Carvalho) onde se afirma precisamente o contrário do por si pretendido:
“I - A semelhança dos indivíduos sujeitos ao acto de identificação não é um requisito essencial da validade do acto, pois o que se pede é que as pessoas (duas, pelo menos) que se chamam ao acto apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive no vestuário, com a pessoa a identificar (art.º 147.º, n.º 2, do CPP).
II - Assim, para além de se poder dizer que a “semelhança” nem sempre é objectivável, também nem sempre são possíveis as condições necessárias para a obter. E, por isso, a alegada ausência de semelhança dos indivíduos sujeitos ao reconhecimento...
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