Acórdão nº 526/15.1T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-05-2019

Data de Julgamento14 Maio 2019
Case OutcomeNÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO DA REVISTA NORMAL E ORDENADA A REMESSA À FORMAÇÃO PARA APRECIAÇÃO DO RECEBIMENTO DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Classe processualREVISTA
Número Acordão526/15.1T8CSC.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

6.ª Secção


I. RELATÓRIO

A) AA propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, peticionando:

«a) (…) ser proferida sentença substitutiva da declaração de venda do Réu à Autora do prédio urbano, sito na Rua ..., N.º …, descrito sob o n.º …, na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito, sob o artigo …, na matriz predial urbana das freguesias de ... e …; [e] em consequência seja transmitida a propriedade do referido imóvel para a autora.

b) ser o Réu condenado a pagar à Autora a título de indemnização as seguintes quantias:

1 – A quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), correspondente à renda mensal que a Autora não recebeu em função da frustração da celebração do contrato de arrendamento, e vencidas no mês de Fevereiro de 2015, acrescidos daqueles que à razão de 2.500,00 €, se vencerem até à data em que a Autora possa, celebrar novo contrato de arrendamento.

2 – A quantia de € 26.514,00 (vinte e seis mil quinhentos e catorze euros), a título de despesas já pagas e com honorários com o escritório de Advogados, com todo o processo obtenção do visto e com o incumprimento do contrato promessa.

3 – A quantia de 175.000,00€ (cento e setenta e cinco mil euros) corresponde aos lucros cessantes que caberiam à Autora em virtude dos resultados gerados pela frustração do investimento no projeto de desenvolvimento na atividade vito-vinícola, em função da não obtenção atempada do visto.

4 – Aos referidos danos acrescem juros, às taxas legais desde a citação.

5 – Os custos e as despesas com a obtenção da ficha técnica de habitação, do imóvel dos autos o liquidar em sede de execução de sentença.

c) Ser reconhecido ao Réu o direito do levantamento do preço ainda em dívida depositado nos presentes autos, após pagamento das quantias referidos nas alíneas anteriores.»

Subsidiariamente pediu:

«a) Ser declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda dos autos, por factos exclusivamente imputáveis ao Réu;

b) em consequência, ser o Réu condenado a pagar a Autora a quantia de € 1.283.999,78 (um milhão duzentos e oitenta e três mil novecentos e noventa e nove euros e setenta e oito cêntimos), correspondente ao dobro das quantias entregues pela Autora ao Réu a título de sinal e por conta do preço ao abrigo e em acrescida dos juros legais devido à taxa legal desde a citações até efetivo pagamento.»

Mais requereu, relativamente ao pedido principal, «ordenar a notificação da Autora para proceder ao depósito do preço em dívida de acordo com o disposto no contrato promessa e seu aditamento.»

Como fundamento da acção invocou, no essencial (de acordo com a descrição da primeira instância, sentença a fls. 408-409):

«Celebrou contrato-promessa com o Réu, pelo qual este prometeu vender e a Autora comprar um móvel pelo preço de 735.000,00 €; A Autora pagou o sinal e seus reforços, ficando apenas por entregar apenas o montante de 111.500,00 €, cujo pagamento deveria ocorrer com a celebração do contrato definitivo; Foi acordado que a escritura seria celebrada até 31 de agosto de 2014; Por aditamento de 12 de setembro de 2014 o prazo foi alargado para 15 de janeiro de 2015, com novos reforços de sinal e a assunção pela Autora da obrigação de pagar outras quantias, estas dependentes de comunicação do Réu, referentes a manutenção do imóvel, IMI e custos acrescidos na execução face ao devido em 28-8-2014, bem como juros; a Autora pagou neste âmbito a quantia de 568.499,00 €; A Autora e o Réu, na pessoa do seu mandatário, acordaram verbalmente a marcação da escritura para 15 de janeiro, primeiro às 14:30 h e depois, por indisponibilidade do Réu nessa hora, às 16:00 h; Em 14 de janeiro e 15 de janeiro, até meia hora antes da diligência, a Autora não conseguiu proceder à emissão de guias para pagamento do IMT, porquanto o Réu tinha dívidas fiscais; A Autora, representada por gestor de negócios, apresentou-se no Cartório; pelas 16:15, o Réu informa que tinha acabado de proceder ao pagamento dessas dívidas; às 16:40 as guias foram presentes ao gestor de negócios da Autora, sendo esta hora tardia para a Autora poder proceder a tal pagamento, visto que por ser residente na China não tem cartão multibanco, ficando impossibilitada de obter cheque bancário, por os bancos estarem encerrados; O Réu comportou-se com manifesta má-fé ao regularizar a sua situação contributiva no próprio dia agendado para a escritura e simultaneamente com a hora marcada e por não ter comunicado essa regularização à Autora, obstando a que a Autora providenciasse em tempo útil pela emissão dos cheques que permitiriam o pagamento dos impostos; Incidiam penhoras sobre o imóvel, as quais eram desconhecidas da Autora e que subsistiam na data e hora designadas para a escritura; Faltava um documento essencial para a realização da escritura: a ficha técnica; Ficou acordado entre o gestor de negócios e o Réu que a escritura se realizaria depois de 22 de janeiro de 2015, mas apesar da Autora ter tentado contactar o Réu, não obteve resposta; Em 19 de janeiro de 2015, o Réu havia enviado à Autora carta resolvendo o contrato-promessa; Pende ação administrativa relativa ao imóvel, se não for julgada a inutilidade superveniente da lide pode-se inviabilizar o pedido de execução específica; A conduta do Réu causou danos à Autora, quer psicológicos, quer com a frustração de recebimento de contrato de arrendamento que já estava prometido, com despesas de estadia e deslocação e despesas com processo para obtenção do visto e perda de projeto de investimento.»

B) O Réu contestou, invocando para esse efeito (de acordo a súmula elaborada pela primeira instância, sentença a fls. 409-410):

«A litigância de má-fé da Autora na celebração e execução do contrato; Em data anterior a 31 de agosto de 2014 entregou á sociedade imobiliária certidão de extinção de dívidas fiscais e da Câmara Municipal de ... que dispensava a ficha técnica; O contrato definitivo não se realizou nessa data, porque a Autora não tinha as quantias necessárias para o pagamento do preço; O aditamento previa como data limite o dia 15 de janeiro de 2015 para a celebração do contrato definitivo; A Autora não pagou nas respetivas datas as quantias acordadas nas alíneas b) e c) da cláusula 2ª do aditamento; Em 17-10-2014 a Ré comunicou a resolução do contrato, resolução que veio a revogar; A Autora não pagou juros e despesas a que se obrigara; Em 15.1.2015 a Autora reunia todas as condições necessárias para a realização da escritura pública: entregou todas as certidões para cancelamento de todas as penhoras que incidiam sobre o imóvel; entregou o distrate relativo às hipotecas e entregou a certidão da Câmara Municipal de ..., com a dispensa de apresentação da ficha técnica; mais pagou todos os impostos, que permitiram a emissão das guias relativas ao IMT, a cargo da Autora; Nessa data a Autora não tinha meios financeiros para pagar ao Réu, nem para pagar os impostos devidos a título de IMT; O Réu tinha consigo, no Cartório Notarial (a 15.01.2015) as certidões emitidas pelo Serviço de Finanças de ... para cancelamento das referidas penhoras e os respetivos originais; Conforme acordado os cancelamentos das penhoras seriam apresentados imediatamente antes da celebração da escritura; A Autora autocolocou-se em incumprimento, agindo em manifesto abuso de direito por venire contra factum proprium – art. 334º do código Civil; a Autora não compareceu no Cartório Notarial, no dia 15.01.2015, nem deu prévio conhecimento ao R. dum pretenso representante indicado no artigo 37º da petição inicial – “gestor de negócios Dr. CC”, que desconhecia, e ainda ignora, por completo; A Autora sabia antecipadamente que não se realizaria a escritura publica de compra e venda; A ficha técnica da habitação era dispensável; O gestor de negócios Dr. CC não tinha em depósito dinheiro para pagar a preço da compra e venda; O Réu aceitou que a escritura se realizasse no dia 16 de janeiro ou 19 de janeiro, mas o gestor de negócios afirmou que ia à China tentar obter o dinheiro, pelo que o Réu afirmou que ia pensar; O Réu resolveu o contrato por carta expedida a 19-1-1015, que a Autora recebeu a 26-1-2015.»

Conclui pelo julgamento da acção como improcedente por não provada, com absolvição do réu da instância e dos pedidos; a condenação da Autora por abuso de direito, culpa in contrahendo e litigância com patente má fé; a condenação da Autora na compensação dos danos patrimoniais e morais causados e reembolso de todas as despesas suportadas nos autos; assim como a condenação em custas, procuradoria, taxas de justiça e demais encargos legais.

C) DD veio requerer a sua intervenção principal espontânea activa, associado à Autora como parte principal, por ser casado com esta; tal requerimento foi deferido e admitida a respectiva intervenção processual (fls. 274).

D) No decurso da instância, foi depositado o valor de 111.500,00 € relativo ao preço em falta, em execução de despacho que o determinou (fls. 274). Foi registada a acção, uma vez que se peticionava a execução específica. Foi apresentada ficha técnica de habitação do imóvel.
E) A instância observou a tramitação normal, realizou-se a audiência prévia, foi fixado o valor à causa, elaborado despacho saneador tabular, identificado o objecto do litígio e fixados os temas da prova.

Concluída a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, declarando os factos provados e os não provados e contendo a respectiva motivação, decidiu, sendo relevante nos autos “apurar se o Réu incumpriu o contrato celebrado entre as partes e as consequências desse incumprimento, nomeadamente quanto à execução específica e à produção de danos indemnizáveis, resolução do contrato e restituição do sinal em dobro” e ainda “apreciar se se verifica abuso de direito” (sentença, que faz...

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