Acórdão nº 5255/21.4T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-10-2022
Data de Julgamento | 24 Outubro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 5255/21.4T8MTS.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo nº 5255/21.4T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Matosinhos – Juízo Local Cível, Juiz 4
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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I- RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA, veio a interessada BB reclamar da relação de bens apresentada pela cabeça de casal CC, invocando a omissão deliberada de relacionação de parte dos bens que compõem esse acervo hereditário, requerendo outrossim a condenação desta ao abrigo do instituto da sonegação de bens.
Concedido o contraditório, a cabeça-de-casal nada disse no prazo concedido, nem arrolou qualquer prova.
Foi ouvida a testemunha indicada pela reclamante, tendo a diligência decorrido sem a presença da cabeça-de-casal ou do seu mandatário.
Seguidamente foi proferida decisão, que julgou parcialmente procedente a reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada BB, nos seguintes termos:
«a) considerar, como integrantes da relação de bens, os bens vertidos no facto provado n.º 1;
b) decretar a sonegação, pela cabeça-de-casal, dos certificados de aforro na quantia global de € 17.837,24 (dezassete mil oitocentos e trinta e sete euros e vinte e quatro cêntimos) e, consequentemente, determinar a perda, em benefício de todos os co-herdeiros, do direito desta àqueles bens, que deverá restituir de imediato à herança;
c) reconhecer a dívida da herança perante a interessada BB, na quantia de € 322,05 (trezentos e vinte e dois euros e cinco cêntimos).»
Não se conformando com o assim decidido, veio a cabeça de casal interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
26.º
A condenação ao abrigo da sonegação de bens implica, no plano subjetivo, uma atuação ao nível do dolo, segundo o art. 2096.º, n. 1 do CC.
27.º
Nunca a cabeça-de-casal, a aqui recorrente, deixou de fora da relação de bens os certificados de aforro em causa com o fim de deles se apoderar ou gozar, porquanto o contrato-promessa não deixa clareza nesse ponto.
28.º
O tribunal ad quo dá como provado que a omissão dos certificados de aforro foi propositada, tendo atuado a cabeça-de-casal com a intenção de ocultar a sua existência no sentido de usufruir exclusivamente dos mesmos (cf. facto dado como provado 4.).
29.º
No mesmo sentido, o tribunal ad quo reforçou esta postura ao nível do plano subjetivo quando expõe a formação da sua motivação (cf. III, 3.º hífen), assim como na sua alínea b) da fundamentação de direito.
30.º
Para a sustentação da sua consideração o tribunal ad quo teve em especial consideração, como refere, a prova testemunhal, contudo nunca a testemunha que não tinha qualquer proximidade com a aqui recorrente pode sustentar o seu dolo, não tendo sequer hipótese de conhecer do ponto de vista subjetivo a atuação da cabeça-de-casal.
31.º
E a prova documental em si, em que teve papel ativo a cabeça-de-casal, demonstra que nunca esta teve a intenção de ocultar os bens (tal como resulta da declaração de imposto de selo), porquanto sempre os declarou.
32.º
Um lapso pelos outorgantes do contrato-promessa de partilha na redação da cláusula terceira conduziu a que se considerasse não serem de relacionar os certificados de aforro, pois, como dali resulta, nada mais havia a reclamar quanto a isso.
33.º
A cabeça-de-casal conhecia dos certificados de aforro, não estando isso em causa, considerando, por não corresponder à verdade, que a sua não relação deveu-se a uma atuação dolosa da sua parte.
34.º
No máximo, o comportamento da cabeça-de-casal foi negligente, produto de uma possível errónea interpretação do contrato-promessa de partilha.
35.º
Dada a atuação da cabeça-de-casal se dever a uma negligência esta não deve ser condenada ao abrigo do regime da sonegação de bens.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão a decidir consiste em saber se, in casu, se verificam, ou não, os pressupostos da sonegação de bens da herança.
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. À data da sua morte, AA tinha:
a. no seu quarto principal:
i. 1 (um) leitor de DVD
ii. 1 cama de casal com luz de leitura na cabeceira
iii. 1 colchão de cama de casal
iv. 2 mesas de cabeceira
v. 2 candeeiros
vi. 1 TV – LCD
vii. vários jogos de lençóis + edredões
viii. 2 tapetes de quarto
ix. 1 termo ventilador
x. 1 camiseiro
xi. 1 relógio
b. na sala de estar
i. 1 (um) móvel de TV
ii. 1 (uma) mesa de apoio
iii. 1 (uma) mesa jogo + 4 (quatro) cadeiras
iv. 2 (dois) sofás
v. 1 TV plasma
vi. 1 candeeiro de pé alto
vii. 2 candeeiros...
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Matosinhos – Juízo Local Cível, Juiz 4
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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SUMÁRIO………………………………
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I- RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA, veio a interessada BB reclamar da relação de bens apresentada pela cabeça de casal CC, invocando a omissão deliberada de relacionação de parte dos bens que compõem esse acervo hereditário, requerendo outrossim a condenação desta ao abrigo do instituto da sonegação de bens.
Concedido o contraditório, a cabeça-de-casal nada disse no prazo concedido, nem arrolou qualquer prova.
Foi ouvida a testemunha indicada pela reclamante, tendo a diligência decorrido sem a presença da cabeça-de-casal ou do seu mandatário.
Seguidamente foi proferida decisão, que julgou parcialmente procedente a reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada BB, nos seguintes termos:
«a) considerar, como integrantes da relação de bens, os bens vertidos no facto provado n.º 1;
b) decretar a sonegação, pela cabeça-de-casal, dos certificados de aforro na quantia global de € 17.837,24 (dezassete mil oitocentos e trinta e sete euros e vinte e quatro cêntimos) e, consequentemente, determinar a perda, em benefício de todos os co-herdeiros, do direito desta àqueles bens, que deverá restituir de imediato à herança;
c) reconhecer a dívida da herança perante a interessada BB, na quantia de € 322,05 (trezentos e vinte e dois euros e cinco cêntimos).»
Não se conformando com o assim decidido, veio a cabeça de casal interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
26.º
A condenação ao abrigo da sonegação de bens implica, no plano subjetivo, uma atuação ao nível do dolo, segundo o art. 2096.º, n. 1 do CC.
27.º
Nunca a cabeça-de-casal, a aqui recorrente, deixou de fora da relação de bens os certificados de aforro em causa com o fim de deles se apoderar ou gozar, porquanto o contrato-promessa não deixa clareza nesse ponto.
28.º
O tribunal ad quo dá como provado que a omissão dos certificados de aforro foi propositada, tendo atuado a cabeça-de-casal com a intenção de ocultar a sua existência no sentido de usufruir exclusivamente dos mesmos (cf. facto dado como provado 4.).
29.º
No mesmo sentido, o tribunal ad quo reforçou esta postura ao nível do plano subjetivo quando expõe a formação da sua motivação (cf. III, 3.º hífen), assim como na sua alínea b) da fundamentação de direito.
30.º
Para a sustentação da sua consideração o tribunal ad quo teve em especial consideração, como refere, a prova testemunhal, contudo nunca a testemunha que não tinha qualquer proximidade com a aqui recorrente pode sustentar o seu dolo, não tendo sequer hipótese de conhecer do ponto de vista subjetivo a atuação da cabeça-de-casal.
31.º
E a prova documental em si, em que teve papel ativo a cabeça-de-casal, demonstra que nunca esta teve a intenção de ocultar os bens (tal como resulta da declaração de imposto de selo), porquanto sempre os declarou.
32.º
Um lapso pelos outorgantes do contrato-promessa de partilha na redação da cláusula terceira conduziu a que se considerasse não serem de relacionar os certificados de aforro, pois, como dali resulta, nada mais havia a reclamar quanto a isso.
33.º
A cabeça-de-casal conhecia dos certificados de aforro, não estando isso em causa, considerando, por não corresponder à verdade, que a sua não relação deveu-se a uma atuação dolosa da sua parte.
34.º
No máximo, o comportamento da cabeça-de-casal foi negligente, produto de uma possível errónea interpretação do contrato-promessa de partilha.
35.º
Dada a atuação da cabeça-de-casal se dever a uma negligência esta não deve ser condenada ao abrigo do regime da sonegação de bens.
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Não foram apresentadas contra-alegações.*
Após os vistos legais, cumpre decidir.***
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão a decidir consiste em saber se, in casu, se verificam, ou não, os pressupostos da sonegação de bens da herança.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTOO tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. À data da sua morte, AA tinha:
a. no seu quarto principal:
i. 1 (um) leitor de DVD
ii. 1 cama de casal com luz de leitura na cabeceira
iii. 1 colchão de cama de casal
iv. 2 mesas de cabeceira
v. 2 candeeiros
vi. 1 TV – LCD
vii. vários jogos de lençóis + edredões
viii. 2 tapetes de quarto
ix. 1 termo ventilador
x. 1 camiseiro
xi. 1 relógio
b. na sala de estar
i. 1 (um) móvel de TV
ii. 1 (uma) mesa de apoio
iii. 1 (uma) mesa jogo + 4 (quatro) cadeiras
iv. 2 (dois) sofás
v. 1 TV plasma
vi. 1 candeeiro de pé alto
vii. 2 candeeiros...
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