Acórdão nº 524/18.3PBCTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-06-2021

Judgment Date16 June 2021
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Procedure TypeRECURSO PENAL
Acordao Number524/18.3PBCTB.C1.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



1. RELATÓRIO

1.1. No Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efetivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, b) e 2, a) e 4, do C. Penal e de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, p. e p. pelo art. 290º, nºs 1 e 2, do mesmo código.

A assistente BB aderiu à acusação pública e declarou não prescindir do arbitramento de indemnização.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 29 de maio de 2020 [ata de fls. 505 e ss.], foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e uma alteração da qualificação jurídica, que passou a ser feita pelo crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154º-A, nº 1, do C. Penal e pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, b), do mesmo Código, nada tendo sido oposto ou requerido.

Por sentença de 29 de maio de 2020 foi o arguido absolvido da prática dos imputados crimes, foi declarado inimputável perigoso, por anomalia psíquica e condenado, pela prática de atos preenchedores do tipo objetivo do crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154º-A, nº 1, do C. Penal e do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, b), do mesmo código, na medida de segurança de internamento, sem limite mínimo, que cessará com a cessação do seu estado de perigosidade, mas sem que possa exceder o período de três anos.

Mais foi o arguido absolvido do arbitramento de indemnização à assistente.

1.2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido AA, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por acórdão de 21OUT20, negou provimento ao recurso do arguido e confirmou integralmente o acórdão recorrido.

1.3. Ainda inconformado interpôs recurso o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

«I - O arguido vinha acusado nos presentes autos de ter incorrido na prática um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 alínea a) do Código Penal e ainda de um crime de atentado a segurança de transporte rodoviário, sendo o primeiro posteriormente alterado para o crime de perseguição p. e p. pelo artigo 154º-A do Código Penal

II – Vem o presente recurso Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto da sentença proferida a final dos autos que julgou provada a prática pelo arguido de um crime de 1 crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154º-A, nº 1, do Código Penal e 1 crime de condução perigosa, p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, alínea b) do Código Penal e declarou o arguido inimputável perigoso por anomalia psíquica, e, em consequência absolvendo-o da prática dos crimes em causa, determinando a aplicação ao arguido da medida de internamento em estabelecimento vocacionado para tratamento e segurança, sem limite mínimo, e que cessará quando cessar o seu estado de perigosidade criminal, sem que possa exceder o limite máximo de 3 (três) anos,

III – Está provada s seguinte matéria de facto:

1. O denunciado AA e BB, viveram em comunhão de mesa e habitação durante 6 anos, tendo o relacionamento amoroso terminado no dia 11 de Abril de 2017.

2. Desse relacionamento amoroso nasceu uma filha em comum, CC, a 28 de Julho de 2016.

3. AA, no âmbito do processo nº 248/..., por decisão transitada em julgado em 01 de Junho de 2018, foi declarado inimputável perigoso, por anomalia psíquica, nos termos do artigo 20º nº 1 do Código Penal, tendo sido julgada provada a prática, pelo arguido, de actos objectivamente integradores de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal, sendo ofendida BB.

4. Nessa sequência, foi determinado o internamento e o tratamento do arguido AA em estabelecimento adequado sem limite mínimo, e que cessará quando o seu estado de perigosidade criminal, sem que possa exceder 03 (três) anos. Mais de determinou a suspensão da execução da medida de segurança e internamento determinada a AA, por igual período, mediante a sua sujeição a tratamento em regime ambulatório, devendo cumprir as indicações médicas que receba, sujeitar-se aos exames reputados de necessários pelo Médico Psiquiatra Assistente, entre outras medidas que se revelem adequadas e necessárias à sua situação clínica.

5. Desde pelo menos a data em que foi proferida a decisão final supra referida, no âmbito do processo nº 248/..., o arguido AA, em duas ocasiões, permaneceu, sem qualquer motivo, nas imediações do local de trabalho do pai da ofendida, DD, em ....

6. No dia 6 de Outubro de 2018, pelas 18:30 horas, a ofendida circulava conduzindo o veículo automóvel de marca ..., matrícula ...-QM-..., na Avenida ..., em ..., em direcção à sua residência e de seus pais, sita na Rua ..., Lote …, … Frente, … ....

7. Nessas circunstâncias circulavam também no referido veículo conduzido pela ofendida os seus pais, DD e EE e a sua filha CC.

8. Naquela ocasião, o arguido circulou na mesma via de trânsito da ofendida, imediatamente atrás da mesma, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca e modelo ..., de matrícula ...-...-QH, com os sinais luminosos accionados.

9. Quando a ofendida passava em frente ao Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana, sita na referida Avenida ..., o arguido, conduzindo a uma velocidade não concretamente apurada, mas elevada, aproximou-se de forma repentina da retaguarda do veículo conduzido pela ofendida.

10. De imediato, o arguido aumentou ainda mais a velocidade que imprimia ao veículo por si conduzido, e colocou-o paralelamente, do lado do veículo conduzido pela ofendida.

11. Nessas circunstâncias apercebendo-se que o veículo de matrícula ...-...-QH era conduzido pelo arguido, receando pela sua vida e pela das pessoas que com ela seguiam, temendo por aquilo que o arguido pudesses fazer, e uma vez que estava próximo da sua residência, a ofendida ao chegar ao entroncamento com a Rua Dr. ..., reduziu a velocidade que imprimia ao veículo que conduzia e mudou de direcção para a direita, atento mo seu sentido de marcha, para a referida rua Dr. ....

12. Enquanto a ofendida efectuava a curva para o seu lado direito, para a. ..., o arguido efectuou também a referida cirva, mantendo o veículo paralelo ao da ofendida.

13. Nessas circunstâncias o arguido fletiu repentinamente a frente do seu veículo para a lateral do veículo conduzido pela ofendida.

14. A colisão entre os dois veículos só não ocorreu porque o arguido perdeu o controlo do veículo que conduzia, passando a circular pela. ..., o que fez circulando na faixa de rodagem da esquerda, em contramão, atento o seu sentido de marcha, e em velocidade superior à legalmente permitida.

15. Nessa sequência, e aproveitando que o arguido tentava controlar o veículo, a ofendida dirigiu o veículo que conduzia até à garagem da sua residência.

16. O arguido agiu sabendo que a sua conduta, ao dirigir o seu veículo para a faixa de rodagem onde circulava o veículo da ofendida, era suficientemente apta à produção de acidente rodoviário – só não se tendo verificado um acidente por motivos alheios ao arguido, porquanto perdeu o controlo do veículo que conduzia.

17. Ao proceder da forma descrita, o arguido sabia que poderia provocar graves acidente, pondo em perigo a vida e a integridade física da ofendida e das demais pessoas que circulavam no veículo por ela conduzido, como efectivamente colocou, e bem assim, dos utentes da estrada, bem como de veículos que ali viessem a circular.

18. O arguido agiu com o propósito concretizado de perturbar a vida privada, a paz e o sossego da ofendida, seguindo-a até aos locais pela mesma frequentados.

19. Devido ao facto de ter sido vítima da prática, pelo arguido, do crime de violência doméstica e devido aos factos supra descritos, incluindo os praticados com o veículo automóvel ...-...-GH, a ofendida sentiu medo e receio de que o arguido pudesse atentar contra a sua vida ou integridade física e demais pessoas que circulavam no veículo por si conduzido.

20. Ao seguir a ofendida o arguido pretendia coagi-la a não ter paz e sossego no seu quotidiano, tolhendo assim a sua liberdade de movimentos como causando-lhe medo e inquietação no sentido de sofrer algum acto atentatório da sua vida ou integridade física, o que conseguiu, não o demovendo o facto de, ao actuar do modo descrito, o ter feito na presença da filha menor de idade, que circulava no dia 06 de Outubro de 2018 no veículo automóvel conduzido pela ofendida, nem o demovendo também o facto de BB ter sido sua companheira, por isso devendon ser tratada com particular respeito e consideração.

21. Ao perseguir e atemorizar a ofendida e a sua família, o arguido agiu com o propósito de a subjugar enquanto ser humano e mulher.

22. O arguido padece de doença do foro psiquiátrico que, não obstante o tratamento ambulatório que se encontra a efectuar no Serviço de Psiquiatria do Hospital ..., regularmente se agudiza e obriga ao seu internamento.

23. Ainda muito recentemente o arguido sofreu uma recaída que obrigou ao seu internamento por um período de 15 dias.

24. O arguido sofre de perturbações mentais que, nas suas fases mais agudas o impedem de se determinar de forma livre e consciente, e desta forma, poder ser responsabilizado pelos seus actos.

25. Situação se não com origem, pelo menos agravada pelo facto de o arguido ser impedido de qualquer contacto com a sua filha que tem em comum com a assistente BB, desde que ocorreu a separação em 11 de Abril de 2017.

26....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT