Acórdão nº 5235/2008-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-06-2008

Data de Julgamento26 Junho 2008
Número Acordão5235/2008-8
Ano2008
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
TEXTO INTEGRAL:



ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I – 1. S…., S.A. instaurou o presente procedimento cautelar comum contra:

F…, gerido e representado por B…, S.A.

Pedindo que se ordene ao Sr. Conservador da … CRP de ….que proceda ao cancelamento do registo da acção judicial inscrita pela inscrição F-1 (Ap. …de…) e relativa aos prédios aí descritos sob os n.º …e….

Alegou em síntese que é Ré numa acção que lhe foi instaurada pela ora Requerida e na qual esta pretende obter a execução específica de um contrato-promessa de permuta que celebrou com Requerente, com fundamento em que pagou à ora Requerente a quantia de 575.000,00 Euros, tendo esta incumprido o referido contrato.

Em tal acção a ora Requerente apresentou contestação alegando que o contrato em causa não é susceptível de execução específica. Em sede reconvencional, pediu que fosse declarada a inexistência do contrato-promessa de permuta, por o mesmo não estar assinado por quem vincula a Ré, facto que a Requerida conhecia ou, caso assim não se entenda, que tal contrato fosse declarado nulo por falta do reconhecimento das respectivas assinaturas.
Mais alega no procedimento cautelar que é proprietária dos prédios descritos no contrato-promessa, tendo nessa qualidade iniciado a construção de um empreendimento composto por fracções destinadas a habitação e escritório e lugares de estacionamento, de luxo, empreendimento onde estima facturar € 27.000.000,00, tendo já iniciado a sua comercialização e tendo cerca de dez interessados na aquisição das fracções, estando, pois, em vias de celebrar contratos-promessa, sendo que a obra deverá estar concluída dentro de 18 meses.
Sucede, porém, que a Requerida/Autora, depois de instaurada a referida acção, procedeu ao registo dessa acção de execução específica na CRP, o que impede a Requerente de celebrar com terceiros interessados contratos-promessa de compra e venda, uma vez que é expectável que os terceiros se recusem a outorgar as escrituras de compra e venda, atendendo a que estão impedidos de alienar as fracções autónomas ou de as onerar através da hipoteca, em face do citado registo.
Impedida a Requerente, dessa forma, de celebrar contratos-promessa com terceiros, fica também impossibilidade de receber os correspondentes sinais dos promitentes-compradores, bem como de efectuar o reforço do empréstimo financeiro por si já efectuado e que só é feito depois do pagamento dos sinais pelos promitentes-compradores.
Tal situação faz perigar a sustentabilidade económica da Requerente e dos trabalhadores que estão a seu cargo na obra, bem como põe em causa a sua imagem junto do mercado imobiliário.
Acresce que não tendo fundamento a acção de execução específica proposta pela Autora, aqui Requerida, o registo efectuado nessa acção é abusivo e causa à Requerente prejuízos irreparáveis ou dificilmente reparáveis que não se compadecem com a demora inerente à acção principal, sendo, assim, adequado, o pedido agora formulado, em sede cautelar, de cancelamento do registo.

2. Notificada a Requerida veio a mesma deduzir oposição, fazendo-o nos seguintes termos:
a) Requereu a rejeição do presente procedimento cautelar, pela sua inadmissibilidade, quer por ilegitimidade e falta de interesse processual em agir da Requerente, quer por ineptidão do requerimento inicial, por contradição entre a causa de pedir e o pedido deduzido;
b) Requereu a rejeição da presente providência cautelar por inexistência de prova sumária dos respectivos pressupostos legais, com inexistência de fundado receio e dos prejuízos de difícil reparação e inexistência do direito invocado;
c) Defendeu, ainda, a inutilidade da providência requerida e a superioridade dos danos causados pelo deferimento da providência.
Argumenta para tanto, e em síntese que a ora Requerente, ao peticionar o decretamento da providência cautelar não especificada, procura obter vantagens ilegais, ocultar informações que tem o dever de prestar a terceiros, prejudicar a Requerida/Autora na acção de execução específica e esvaziar de conteúdo a decisão a proferir na respectiva acção principal, inviabilizando e neutralizando os efeitos da pretendida execução específica, para além de que não especificou nem alegou os pressupostos do procedimento cautelar, como lhe competia.
Mais alega a inadmissibilidade do presente procedimento pois o que a Requerente pretende por esta via é que o Tribunal, em sede cautelar, decida logo a procedência da questão de mérito da acção principal, onde a Requerente, ali Ré, deduziu reconvenção invocando uma pretensa nulidade ou inexistência do contrato celebrado entre ambas, e impedir e neutralizar, assim, a inscrição registral da acção de execução específica anteriormente proposta, de forma a poder alienar a terceiros livremente os prédios que se obrigou a permutar.

3. Foi proferida decisão pelo Tribunal “a quo” que julgou improcedente o presente procedimento cautelar, absolvendo a Requerida do pedido.

4. Inconformada, a Requerente Agravou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:

1. O art. 381º, nº 1, do CPC, permite que se possa requerer quer a providência conservatória quer a antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, caso em que a providência surge como antecipação e preparação de uma providência ulterior, prepara o terreno e abre caminho para uma providência final.
2. Nada impede, bem pelo contrário, que em sede de procedimento cautelar seja tomada decisão que antecipa, nalguma medida, a decisão final que irá ser tomada, sendo que a decisão antecipatória radica, nessa parte, na probabilidade séria da existência do direito.
3. A sentença recorrida deixa-se impressionar com o facto de a providência cautelar requerida ser antecipatória de uma consequência necessária da procedência da acção, esquecendo, por um lado, que uma providência cautelar pode não ser meramente conservatória de uma determinada situação fáctica, mas também, antecipatória do pedido que é formulado na acção principal (confira-se o nº 1 do art. 381º do CPC), não olhando para que existe, manifestamente, uma probabilidade séria da existência do direito do Requerente, ora Agravante.
4. Na sua contestação a Agravante pediu, em reconvenção, que fosse declarado inexistente e inapto para a produção de quaisquer efeitos jurídicos o «contrato-promessa de permuta» junto à p.i. sob o doc., nº 6, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
5. O «contrato promessa permuta» junto à p.i., sob o doc. n º 6, não foi celebrado entre o A. e a 1ª R., ora Agravante, não se encontrando assinado por quem vincula a 1ª Ré (art. 409º do CSC), o que é flagrante do cotejo da menção dos representantes da 1ª Ré no contrato promessa permuta com as assinaturas apostas no mesmo.
6. Tal facto – a não celebração do contrato – decorre também clara e flagrantemente do doc. nº 7, junto à p.i., sendo patente que a 1ª Ré, ora Agravante, não se quis vincular ao contrato-promessa de permuta aqui em causa, tendo devolvido à Agravada as duas vias do contrato-promessa e, bem assim, o cheque que se destinava ao pagamento do sinal, cheque esse que jamais foi levantado pela 1ª Ré, ora Agravante, ou depositado por esta em conta bancária de que seja titular.
7. Por falta de declaração negocial da 1ª Ré, ora Agravante, é forçoso concluir que o contrato-promessa de permuta não foi celebrado entre a Agravante e a Agravada. Pelo que, tal contrato é inexistente não produzindo qualquer efeito e podendo tal inexistência ser invocada a todo o tempo e por qualquer pessoa.
8. A 1ª R., ora requerente, é dona e legítima possuidora dos prédios que, supostamente, teria prometido alienar à A., ora Agravada, encontrando-se o direito de propriedade sobre os mesmos inscritos a favor da Requerente na competente Conservatória do Registo Predial (documentos nºs 1 e 2, junto à p.i.).
9. A 1ª R., ora Requerente, goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, não tendo que suportar sobre o seu património a inscrição de uma acção de execução específica manifestamente infundada porque baseada num contrato inexistente.
10. A sentença recorrida não atende, por um lado, ao facto de em sede de providência cautelar ser possível decretar providência antecipatória do efeito que com a acção principal se pretende obter e, por outro lado, ao facto de existir manifestamente a probabilidade séria da existência do direito da Agravante.
11. A sentença recorrida viola as normas do art. 381º e 384º do CPC.



5. Foram apresentadas contra-alegações pugnando no sentido da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.

6. Tudo Visto.
Cumpre Apreciar e Decidir.

II – Os Factos:

1. Foram dados como assentes, por virtude do acordo das partes e da prova documental produzida, os seguintes factos:

1. Apenso aos presentes autos de procedimento cautelar corre a acção ordinária com o processo 4119/07.9TVLSB intentada pela aqui Requerida contra aqui Requerente em que aquela peticiona, além do mais, a execução especifica do contrato referido em 1), proferindo a sentença que produza os efeitos das declarações negociais dos faltosos, nomeadamente a aquisição, por permuta por parte da A., da propriedade dos prédios ali descritos – cf. doc. de fls. 2 e seguintes dos autos de processo ordinário em apenso.

2. Na acção referida em 2), a aqui Requerente e ali Ré peticiona em sede de pedido reconvencional a inexistência do contrato promessa de permuta, ou, caso assim não se entenda, a nulidade do mesmo contrato descrito em 1).

3. Por certidão da Conservatória do Registo Predial n.º … e …consta inscrito como F – Ap. … de …como sujeito activo a ora Requerida e sujeito passivo a ora Requerente o pedido “da sentença que produza os efeitos
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