Acórdão nº 5212/23.6T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 17-10-2023

Data de Julgamento17 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão5212/23.6T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. SOCIEDADE … HOTÉIS, LDA., pessoa coletiva n.º …, com sede na Avenida … Lisboa, intentou a presente ação especial de destituição de titular de órgão social, nos termos do disposto no artigo 1055.º do Código de Processo Civil, contra CF, LDA., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua … Lisboa, e MM., peticionando a final que, na procedência da presente ação, seja MM. destituído da gerência da sociedade CF, Lda., nos termos do artigo 257.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais e como medida cautelar e antecipatória da referida decisão, seja imediatamente suspenso da gerência da referida sociedade, ficando impedido de exercer quaisquer funções inerentes ao cargo de gerente.
Para o efeito alegou que é sócia da sociedade CF, Lda. e que MM., seu gerente, apropriou-se, sem fundamento, do montante de 300.000,00€, correspondente à quase totalidade das verbas que aquela sociedade tinha depositadas no banco BPI, S.A.. Mais disse que a transferência da mencionada verba prejudica de forma grave o funcionamento da sociedade CF, Lda., designadamente o cumprimento pontual das suas obrigações.
Alegou ainda que, posteriormente, aquele tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da totalidade do saldo da conta bancária com o IBAN … que a sociedade tem no BCP, S.A., sendo que a tentativa de apropriação só não se concretizou uma vez que a Gerente da Conta pediu ao Gerente da sociedade 1.ª Ré, MRM., que confirmasse a realização de tal operação por estranhar o valor e o destino da mesma.
Por despacho de 28 de Fevereiro de 2023 foi decidido que o pedido de suspensão de função de um titular de órgão social, a que alude o n.º 2 do artigo 1055.º do Código de Processo Civil não é precedida da audição do requerido, não sendo aplicável a regra do n.º 1 do artigo 366.º do Código de Processo Civil.
Mais foi determinado que, mesmo que assim não se entendesse, atenta a factualidade alegada – transferências infundadas de verbas da sociedade para a conta do gerente a destituir, que colocam em crise o seu funcionamento – se encontrava justificada a dispensa de audiência prévia da parte contrária, porquanto a mesma põe em crise o fim ou eficácia da providência em causa.
Foram tomadas declarações de parte à Requerente, bem como inquiridas as testemunhas arroladas, com respeito pelo legal formalismo, como resulta da respetiva ata.
De imediato foi proferida sentença que determinou a suspensão de MM. do exercício das funções de gerente da sociedade comercial CF, Lda. e, consequentemente, ordenou a notificação daquele para: a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade CF, Lda.; b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade CF, Lda. é titular; c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade CF, Lda., designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros; d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade CF, Lda.; e e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade CF, Lda..
Após demonstração nos autos da inscrição no registo comercial da suspensão do exercício das funções de gerente do Requerido MM. na certidão de matrícula da sociedade comercial CF, Lda. foi aquele regularmente citado, tendo, na sequência e em prazo, apresentado oposição à providência e contestação à ação pugnando, em síntese, pelo levantamento da suspensão do exercício de funções de gerente da citada sociedade e pela improcedência da ação.
Para o efeito, e desde logo, admitiu ter transferido a importância de € 300 000,00 da conta da sociedade CF, Lda., sedeada no Banco BPI. S.A., para a sua conta bancária pessoal, “com vista a proteger o património social de atos dolosos de delapidação do mesmo encetados pelos restantes gerentes”, na medida em que o Requerido referiu ter tomado conhecimento de que os seus filhos – também gerentes – vieram a utilizar fundos da sociedade para a realização de despesas pessoais e do pagamento de despesas de outras sociedades; que procederam à emissão de um cheque no valor de 690.000,00€ (seiscentos e noventa mil euros) sobre fundos da V & Companhia, deixando a conta bancária dessa sociedade, quase a zeros; sendo que, afirmou, que tal delapidação não ocorreu apenas nas contas bancárias das sociedades familiares. Agindo estes, no seu entender, com completa desconsideração pela separação de patrimónios entre as diversas sociedades e os seus sócios.
Mais alegou que os seus filhos retiraram, ao longo dos anos, valores das contas pessoais do Requerido que ascendem a vários milhões de euros, sem qualquer autorização, conhecimento ou consentimento por parte do Requerido e usaram tais fundos durante décadas a seu completo bel-prazer com total desconsideração pela integridade do património do mesmo.
Por último, mencionou, ainda, que o montante remanescente na conta bancária domiciliada no Banco BPI era suficiente para pagar salários e sobrar ainda algum montante, sendo que existiam a essa data, 64.780,00€ na conta domiciliada no Banco Comercial Português – valores esses mais do que suficientes para se considerar a sociedade dotada de liquidez suficiente para se manter operacional.
Por ser entendimento do Tribunal de que os autos reuniam as condições para que fosse proferida decisão de mérito quanto à oposição à suspensão decretada do Requerido do exercício de funções de gerente da sociedade comercial CF, Lda., bem como quanto ao pedido de destituição judicial daquele das citadas funções, foi ordenada a notificação das partes para, querendo, alegarem de facto e de Direito, o que fizeram nos moldes constantes dos autos.
Por fim foi proferida sentença que:
1. julgou improcedente, por não provada, a oposição apresentada pelo Requerido MM. e, consequentemente decidiu a manutenção da decisão de 9 de Março de 2023, que determinou:
a. suspender MM., do exercício das funções de gerente da sociedade comercial CF, LDA., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua … Lisboa;
b. ordenar a notificação de MM. para:
i. entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade CF, LDA.;
ii. entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade CF, LDA. é titular;
iii. abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade CF, LDA., designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros;
iv. abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade CF, LDA.;
v. abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade CF, LDA.; e
2. julgou procedente, por provada a presente ação especial de destituição de titular de órgão social, nos termos do disposto no artigo 1055.º do Código de Processo Civil e, consequentemente determinou a destituição do Requerido MM., do cargo de gerente da sociedade comercial CF, LDA., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …Lisboa.
Não se conformando com a sentença proferida, dela interpôs recurso o Requerido, MM., cujas alegações conclui da seguinte forma:
I. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 2, nos presentes autos que determinou a suspensão e destituição do Recorrente da gerência da sociedade comercial CF, Lda. (a “Sociedade”);
II. A sentença recorrida foi proferida com dispensa de audiência e concomitantemente da produção da prova pessoal oferecida pelo Recorrente, entendendo o Digníssimo Tribunal a quo a ref.ª 425611348 do processo eletrónico que os autos reuniam as condições para a prolação de decisão de mérito quanto à suspensão e destituição do Recorrente das funções de gerente da Sociedade;
III. Ou seja, não pôde o Recorrente pedir esclarecimentos, nos termos do art.º 516.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC às testemunhas apresentadas pela Recorrida na audiência realizada com dispensa do contraditório prévio;
IV. Vendo-se ainda impedido de produzir a sua prova testemunhal, a qual era – e é – essencial para a descoberta da verdade material e, portanto, sujeita ao princípio do inquisitório nos termos do art.º 411.º do CPC;
V. Tendo a Recorrida a possibilidade de inquirir todas as testemunhas que quis, enquanto tal possibilidade foi negada ao Recorrente, violou-se o princípio da igualdade de armas consagrado no art.º 4.º do CPC, tendo o Recorrente providenciado pela arguição tempestiva de tal nulidade;
VI. E, mesmo não tendo o Digníssimo Tribunal a quo utilizado tais depoimentos para formar a sua convicção – o que seria sempre proibido nos termos do art.º 415.º, n.º 1, do CPC – foi, em todo o caso, dado um tratamento desfavorável ao Recorrente;
VII. Os poderes de adequação formal e de limitação da prova a produzir, mesmo nos processos de jurisdição voluntária como aquele em apreço – cfr. art.º 986.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC – não podem ser interpretados no sentido de legitimar um tratamento desigual às partes;
VIII. Foram, pois, violados os princípios da igualdade de armas, o princípio do contraditório e da audiência contraditória, consagrados, respetivamente, nos artigos 4.º; 3.º, n.º 1; e 415.º, n.º 1, todos do CPC;
IX. Influindo tal irregularidade no exame e decisão da causa, constitui a mesma nulidade – nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC – que inquina a tramitação processual subsequente, nos termos do art.º 195.º, n.º 2, do CPC;
X. Sucede ainda que, arguida tal nulidade, não se pronunciou o Digníssimo Tribunal a quo sobre a mesma de forma cabal, não podendo, em todo o caso, a dispensa de produção de prova porquanto não seria a mesma, em tese, apta a alterar a convicção do Digníssimo Tribunal a quo quanto à suspensão, servir de substrato bastante à dispensa da produção da mesma prova para os fins de apreciação do pedido – definitivo – de
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