Acórdão nº 521/14.8T8OAZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 11-04-2018

Data de Julgamento11 Abril 2018
Número Acordão521/14.8T8OAZ.P1
Ano2018
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação
Processo n.º 521/14.8T8OAZ.P1 [Comarca de Aveiro / Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
No processo de insolvência de B…, contribuinte n.º ………., titular do bilhete de identidade n.º ……, e C…, contribuinte n.º ………, portadora do bilhete de identidade n.º ……., após a realização do rateio final previsto no artigo 182º, foi determinado o encerramento do processo, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Posteriormente, o insolvente apresentou nos autos o seguinte requerimento:
«(…) vem dar nota das comunicações por si realizadas referente a eventuais mais-valias fiscais que possam ter sido apuradas pela Administração Tributária, designadamente para efeito de legitimar a actuação da Exma. Senhora Administradora e liquidatária no sentido de pagar, com as forças da massa insolvente, as dívidas fiscais que possam apurar-se por força das vendas imobiliárias, conforme o determina o art.º 51º, nº 1, al. a) do CIRE e vasta e recente jurisprudência, designadamente a citada na comunicação dirigida pelo insolvente à AT: Acórdão da Relação do Porto - 02/07/2015: “Quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens de valor superior àquele pelo qual tenham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pelas mais-valia gerada por essa alienação (art. 101º, al. a), do CIRS) é uma dívida da massa insolvente (art. 51º, nº 1, al. c), do CIRE)”.
Em face do exposto, deve autorizar-se e determinar-se que a Exma. Administradora regularize as mais-valias que possam resultar de alienações imobiliárias efectuadas dos bens do insolvente».
A Administradora de Insolvência foi notificada para se pronunciar e respondeu o seguinte:
«1º A aqui AI nunca recebeu qualquer notificação da Autoridade Tributária, relativa a quaisquer mais-valias.
2º Pese embora no douto Acórdão referido no requerimento do insolvente se considere que as mais-valias pela alienação no processo de insolvência constituem dívidas da massa, os Tribunais Administrativos e Fiscais (jurisdição especializada), nomeadamente o STA no seu Acórdão de 10.05.2017, têm vindo considerar que constituem uma divida do próprio insolvente …
3º Assim, - O IRS é um imposto sobre rendimento, a que estão sujeitos as pessoas singulares, mas não a massa insolvente; - A alienação em processo de insolvência não é passível de criar qualquer "riqueza", antes serve para pagar as dívidas dos insolventes, incluindo as do Estado e despesas do processo.
4º Ainda que se pudesse considerar que as mais-valias seriam dívidas da massa, o que não se aceita, por douto despacho de 16.03.2017, foram autorizados os pagamentos nos termos de rateio final, e determinado o encerramento do processo de insolvência. Os pagamentos foram efectuados, tendo ficado apenas dois cheques por levantar, conforme requerimento enviado em 04.09.2017. O saldo da conta da massa insolvente é neste momento de 712,08€, faltando ainda levantar um cheque enviado nos termos do rateio - … Como tal não, não existe liquidez que permita efectuar mais qualquer pagamento, nomeadamente eventuais mais-valias.»
O insolvente replicou à Administradora de Insolvência nos seguintes termos:
«1. Na transmissão da sua posição a Exma. Senhora Administradora enaltece e superioriza um mencionado Acórdão do STA, designadamente porque esse verte sobre matéria de competência especializada - fiscal, leia-se.
2. Ora, para além de que o que importa decidir nestes autos não se volve em matéria fiscal mas, antes, na devida interpretação do CIRE, crê-se que, logo por aí, tal insinuada supremacia (inexistente, em qualquer caso, mercê da independência das decisões judiciais) se esvai.
3. Por uma outra razão, porém, se entende emitir a seguinte pronúncia do insolvente, dado que, na essência, e quanto ao resto, crê-se que são cristalinas, assertivas e bem lapidares até as conclusões do Ac. R. Porto, para aí se remetendo, sendo quase caricato que se pretenda que o insolvente, submetido por força das circunstâncias a uma indesejada venda ou a uma venda forçada, ainda tivesse que ficar ele próprio e para além do produto da própria venda, onerado com eventuais mais- valias. Note-se, de uma venda forçada não raro operando a preços abaixo do mercado.
Na verdade, a razão da intervenção do insolvente extrai-se bem mais, assim, da alusão da mesma, ainda assim não seria então verdade que, tendo operado o rateio sem a precaução devida mercê dessa eventualidade (liquidação de mais-valias), sempre os valores já existentes neste momento na massa em função das retenções ao insolvente, cerca de €1.000/mês da sua reforma teriam (terão) que servir para pagar tais dívidas fiscais emergentes da venda operada pela massa insolvente, tanto mais que a conta já terá em saldo cerca de €5.000,00.»
Foi então proferido o seguinte despacho:
«Não consta dos autos que a Autoridade Tributária tenha requerido o pagamento de qualquer valor a título de imposto por mais-valias. Por conseguinte, a questão levantada pelo insolvente sobre uma eventual liquidação desse imposto não se coloca, nem cumpre ao tribunal proferir despachos sobre situações hipotéticas. Acresce que, o processo já foi encerrado, não podendo, nesta fase, serem pagas quaisquer quantias a título de dívidas da massa que, atempadamente não foram reclamadas.
Em face do exposto, nada temos a determinar sobre o requerimento apresentado pelo insolvente que constitui um incidente anómalo do processo.»
Do assim decidido, o insolvente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I - O douto despacho proferido pelo Tribunal recorrido a fls. dos autos que indefere o pagamento das mais-valias (IRS) devidas pela venda judicial dos bens imóveis do insolvente é susceptível de reparo e deverá ser revogado.
II - Tratando-se a dita venda de uma venda forçada e determinada pelo interesse da massa e em seu benefício, o encargo fiscal daí decorrente terá que ser-lhe imputado e deverá ser pago pelas forças da dita massa representada pela Administradora de Insolvência nomeada.
III - Não é verdade que a situação reportada pelo recorrente fosse (seja) meramente hipotética, como sufraga a instância recorrida como motivo da recusa de apreciação mas, antes, decorre das consequências “ope legis” resultantes da venda dos imóveis por parte dos sujeitos passivos tributários. De resto, e pretendessem as instâncias a demonstração dessa efectiva exigência e não se bastassem com a informação remetida pelo recorrente, deveriam determinar a junção de outros documentos ou, até, oficiar a AT no sentido de que confirmasse a dívida fiscal gerada e exigida ao sempre mencionado recorrente ao abrigo do art.º 10º, nº 1, al. a), do CIRS. Tendo de resto o recorrente sido notificado para a audição prévia em processo em curso (cf. doc. 1 junto).
IV - De resto, e um pouco atalhando sobre a posição da Administradora de insolvência face ao requerimento do recorrente, a mesma ficção jurídica que permite à massa vender em nome do titular e fazer suas as receitas obtidas através de uma transmissão forçada, igualmente concederá que se substitua ao sujeito passivo fiscal pagando os encargos decorrentes dessa venda – ubi commoda, ibi incommoda.
V - Também o argumento vertido no douto despacho do Mmo. Juiz a quo de que o processo estará encerrado e, com isso, não concede a apreciação e decisão sobre o pedido do recorrente, não nos parece isento de discórdia, dado que tal encerramento só será relevante para efeito de fixação dos credores e créditos sobre o insolvente, não se podendo o mesmo relativamente às dívidas da próprias e constituídas pela própria massa em sede de liquidação de património. Por outro lado, a cessão de créditos do insolvente à massa e à administração da sua insolvência unicamente subtrai da gestão dessa o fixado rendimento disponível que lhe foi conferido sendo que, todo o mais rendimento fica ao serviço da dívida reconhecida e graduado e também ao serviço das dívidas criadas pela própria massa que, de resto, têm prioridade em relação às demais na sua satisfação. In casu, ainda que já tenha sido distribuído e rateado o produto da venda dos imóveis, o que o recorrente desconhece, sempre os seus rendimentos apreendidos a favor da massa deverão servir para cumprir os encargos da venda.
VI - Quanto ao residual argumento vertido no despacho sub judice referente à intempestividade do requerido, com repetida modéstia se augura que não assista razão ao Tribunal a quo, na medida em que a Autoridade Tributária não poderia reclamar créditos – sequer em sede de verificação ulterior – que ainda não se encontravam constituídos à data em que se verificaram tais oportunidades processuais. A declaração de insolvência ocorreu em meados de 2015 e a venda unicamente teve lugar em 06.07.2016, ou seja, muito depois do transcurso daqueles momentos processuais. Além disso, repete-se, a obrigação tributária em causa e em dívida (mais valias de IRS) decorre da venda pela massa insolvente de bens do recorrente e insolvente, não da actividade típica e normal do mesmo da qual houvesse que gerar aquele imposto. Pelo que não ocorre qualquer intempestividade relativamente à demanda da massa daquelas quantias.
VII - Em face do que fica escrito, igualmente a multa aplicada pelo incidente deverá ser revogada.
VIII - Em suma, a decisão em apreço viola o disposto no art.º 51º, nº 1, alíneas c) e d), do CIRE e art.º 10º, 1, alínea a), do CIRS, de resto ao arrepio da jurisprudência diversa dos Tribunais Cíveis sobre tal matéria, entre ela a atrás transcrita e resultante do Acórdão de 2.7.2015, proferido pelo T. R. do
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