Acórdão nº 515/04.1TBGDM.P1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 29-10-2020
Data de Julgamento | 29 Outubro 2020 |
Case Outcome | CONCEDIDO PARCIALMENTE PROVIMENTO |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 515/04.1TBGDM.P1.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I – Relatório
1. AA (1.º A), BB (2.º A.), CC (3.º A.), DD (4.ª A.), EE (5.º A.) e o Condomínio do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Clube Atlético de …, n.º 30, 48 e 58, em … (6.º A.), representado pelo seu administrador 1.º A., intentaram, em janeiro de 2004, a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra FF e cônjuge GG, pedindo que os R.R. sejam condenados a pagar:
a) - ao 1.º A., a quantia de € 27.302,09;
b) - ao 2.º A., a quantia de € 10.067,09;
c) - ao 3.º A., a quantia de € 6.667,35;
d) – à 4.ª A., a quantia de € 8.198,66;
e) - ao 5.º A., a quantia de € 6.847,90;
f) - e ao 6.º A., a quantia de € 4.200,00,
quantias estas crescidas de juros de mora à taxa legal contados a partir da citação dos R.R..
Alegaram, no essencial, que:
. Os cinco primeiros A.A. são donos de frações autónomas do prédio urbano acima identificado, onde têm a sua residência habitual;
. Por sua vez, os R.R. são os donos de uma casa de habitação, sita no n.º 31 das Travessa do … da mesma freguesia;
. Na estrema nascente do prédio dos R.R., de nordeste para sudoeste, corre o troço final dum ribeiro público denominado Ribeiro …, a montante da sua confluência com o Rio …, constituindo a respetiva margem direita numa extensão de cerca de 32 metros.
. Ao longo de cerca de 25 metros, esse ribeiro confina pela sua margem esquerda com um prédio urbano que integra a casa de habitação com a entrada pelo n.º 45 da Travessa do …, onde reside o irmão do R. marido, e, a partir daí, no término deste prédio para jusante, o ribeiro confina do lado nascente com o prédio urbano dos R.R. numa extensão de cerca de 6 a 7 metros.
. Em 1991, os R.R., à revelia da “Direção dos Serviços Regionais de Hidráulica do Douro” (DSRHD) e sem lhes pedirem prévia autorização, construíram, no referido troço de meação comum com cerca de 6 a 7 metros de extensão, uma canalização com tubos ou manilhas de um metro de diâmetro e fizeram um outro troço de 2 manilhas e 0,80 metros de diâmetro colocadas em paralelo sob o logradouro do seu prédio, numa extensão de cerca de 20 metros.
. Entretanto, os R.R. ergueram, no início do indicado troço de meação de 6 a 7 metros, um muro em pedra ou blocos de cimento com uma espessura superior a 15 centímetros, perpendicularmente à corrente do ribeiro, com uma largura de 1,75 metro, uma vez mais à revelia da DSRHD e sem lhes pedirem prévia autorização.
. Tal forma de aqueduto não é adequada ao caudal de cheia estimado pelos competentes organismos oficiais.
. Em razão da precipitação que se verificou no Inverno de 2000/2001, no dia 06/02/2001, ocorreu uma inundação sobre o seu prédio, proveniente de águas oriundas do já referido Ribeiro …, penetrando na respetiva garagem, atingindo uma altura de cerca de 0,80 metros e submergindo as oito viaturas que se encontravam no seu interior e vários outros objetos pertencentes aos A.A., o que foi denunciado aos R.R. e a várias entidades, tendo aqueles, por precaução, deixado temporariamente de utilizar a garagem do seu prédio.
. A inundação da garagem repetiu-se várias vezes, sendo que, na última verificada em 24/12/2002, a pressão da água acabou por fazer ceder e destruir por completo o muro pertencente ao prédio dos A.A., na estrema sul, numa extensão de cerca de 15 metros.
. Perante a inércia dos R.R., o “Ministério do Ambiente”, em junho de 2003, removeu a canalização daquele troço de meação de 6 a 7 metros e o muro sobre ele construído, deixando o dito troço a céu aberto.
. O estrangulamento resultante do aqueduto ilegalmente construído pelos R.R. constituiu a causa primeira do bloqueio das águas provenientes do Ribeiro …, sendo ainda substancial e absolutamente agravado pelo referido muro construído pelos R.R..
. Os A.A. suportaram danos patrimoniais e não patrimoniais diretamente decorrentes da atuação ilícita e culposa dos R.R..
2. Os R.R. contestaram, arguindo a irregularidade de representação e de falta de deliberação quanto à 6.ª A. e a ilegitimidade da 4.ª A., quanto aos danos alegadamente sofridos na viatura de matrícula n.º ...-...-MT, e contrapuseram que:
. Nos anos de 1980, o terreno em que está agora implantado o prédio onde os A.A. habitam, dada a sua proximidade ao Ribeiro … e ao Rio … e por estar situado num plano inferior, era um espaço frequentemente inundado quando o caudal daqueles cursos aumentava;
. A implantação do prédio dos A.A., em alguns pontos muito próximo do Ribeiro … e construção em volta do mesmo de muros, fizeram com que deixasse de existir, naquele local e nas proximidades, qualquer possibilidade de escoamento das águas que eventualmente jorrassem do referido ribeiro quando o seu caudal aumentasse;
. A implantação do prédio dos A.A. naquele local não obteve o parecer favorável da DSRHD.
. Os R.R. procederam ao encanamento do ribeiro, numa extensão de 22 metros, seguindo todas as regras impostas pela entidade licenciadora, sendo titular do Alvará n.º 4…/90, emitido em 22/02/1990, pela Seção de Hidráulica do Porto da DSRHD.
. E no troço de meação com os A.A., procederam, sob indicação da mesma entidade e com o consentimento dos A.A., ao entubamento com manilhas de 1 metro de diâmetro.
. As inundações sofridas no prédio dos A.A. não advieram do aqueduto do ribeiro, mas antes da existência daquele curso de água junto ao prédio em causa e à circunstância das caixas de águas pluviais e residuais desaguarem exatamente para esse ribeiro;
. O ano de 2001 foi de particular pluviosidade, pelo que o caudal que o ribeiro apresentava nos dias das inundações era impossível de conter ainda que o aqueduto apresentasse, no ponto dos 6 metros em causa, o diâmetro de 1,5 metro.
. Os A.A., quando procederam à construção do aqueduto nos 25 metros para lá do troço de meação consigo, não procederam à construção de muretes de concordância e encaminhamento do caudal para o entubamento efetuado por si, motivo pelo qual o caudal do ribeiro naquele ponto tem necessariamente que jorrar entre o espaço existente e as anilhas de diferente diâmetro.
. Por outro lado, o que fez cair o muro dos A.A. foi o facto de o irmão do R. marido ter aberto um portão de sua casa que dá para aquele muro, o que determinou um maior fluxo de água que foi subitamente de encontro ao muro em questão, destruindo-o.
. Aqueles muros não foram licenciados pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, como o deveria ter sido e o muro dos A.A. não estava assente em qualquer pilar, não apresentava qualquer armação na parte superior e não estava rebocado do lado externo.
. Em virtude do derrube do muro e da consequente entrada das águas no seu prédio, os R.R. sofrerem danos patrimoniais no valor global de € 11.591,76, de que apenas foram reembolsados de € 692,53 pela seguradora.
. E, além disso, ficaram profundamente abalados, ao verem a ninhada dos seus cãos mortos por afogamento, os seus haveres e parte da sua habitação danificada por causa da entrada das águas, devendo ser compensados pelos A.A., a título de danos não patrimoniais no valor de € 3.000,00 para cada um.
Os R.R. requereram a intervenção principal da “Câmara Municipal de …”, do Estado - “Direção Regional da Administração e Ordenamento do Território” - e do proprietário do r/c esq. do prédio descrito pelos A.A., HH.
E concluíram no sentido de serem absolvidos da instância, por virtude das exceções dilatórias deduzidas e, subsidiariamente, pela improcedência da ação, pedindo ainda, em sede reconvencional, a condenação solidária dos A.A. a pagarem-lhes a quantia de € 10.899,23 por danos patrimoniais e de € 6.000,00 a título de danos não patrimoniais, com juros desde a citação dos Reconvindos e de HH.
3. Foi admitida a intervenção provocada do Município de …, do Estado e de HH.
4. No despacho saneador, de entre o mais, foi julgada procedente a exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria para apreciar a eventual responsabilidade dos chamados Município e Estado, absolvendo-os da instância, sendo julgadas sanadas as exceções dilatórios de irregularidade de representação do 6.º A. e de falta de mandato do mesmo, sendo admitida a reconvenção, fixada a matéria assente e organizada a base instrutória.
5. Realizada a audiência final foi proferida a sentença de fls. 1952-2065, datada de 09/02/2017, a julgar improcedente a pretensão reconvencional e parcialmente procedente a ação, condenando-se os R.R. a pagar as seguintes quantias:
a) – Ao 1.º A., AA, as quantias de € 4.169,44, a título de danos patrimoniais, e de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais;
b) - Ao 2.º A., BB, as quantias de € 468,98 por danos patrimoniais e € 1.000,00 por danos não patrimoniais;
c) - Ao 3.º A., CC, as quantias de € 541,77 por danos patrimoniais e € 1 000,00 a título de danos não patrimoniais;
d) – À 4.ª A., DD, as quantias de € 1.068,90 por danos patrimoniais e € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais;
e) - Ao 5.º A., EE, as quantias de € 696,29 por danos patrimoniais e € 1 000,00 por danos não patrimoniais.
f) – Juros de mora, à taxa supletiva legal de 4 %, sobre as referidas quantias relativas aos danos patrimoniais desde a data da citação dos R.R. (3/22004) e quanto à indemnização por danos não patrimoniais desde a data da sentença.
6. Inconformados, tanto os A.A. como os R.R. recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, tendo sido proferido o acórdão de fls. 2325-2448, de 11/07/2018, a julgar improcedente a apelação dos R.R., apesar do provimento parcial em sede da respetiva impugnação de facto, e parcialmente procedente a apelação dos A.A., condenando-se os R.R. a pagar aos A.A. as seguintes quantias:
a) – Ao 1.º A., AA, as quantias de € 14.276,55 por danos patrimoniais e de € 6.000,00 a título de danos não patrimoniais;
b) - Ao 2.º A., BB, as quantias de € 3.300,09 por danos...
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