Acórdão Nº 511/22 de Tribunal Constitucional, 14-07-2022

Número Acordão511/22
Número do processo1152/21
Data14 Julho 2022
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 511/2022

Processo n.º 1152/2021

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A. e B., e recorrida C., foram interpostos recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), dos acórdãos proferidos por aquele tribunal em 26 de maio de 2021 e em 8 de setembro de 2021.

2. Através do Acórdão n.º 354/2022, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto dos recursos, com fundamento na intempestividade do recurso interposto do acórdão proferido pelo STJ em 26 de maio de 2021 e na circunstância de o acórdão do STJ datado de 8 de setembro de 2021 não ter aplicado, como ratio decidendi, a norma enunciada pelos recorrentes.

3. Notificados daquele Acórdão, os recorrentes vieram apresentar um requerimento formulado nos seguintes termos:

« A. e B., Recorrrentes nos autos supra mencionados e neles melhor identificados, notificados do Acórdão n.5 354/2022, proferido a 12/05/2022, bem como da decisão de não conhecimento do objecto dos seus recursos de constitucionalidade, vêm, apresentar a sua

RECLAMAÇÃO

o que fazem, para o Pleno da Secção, nos termos e com os fundamentos seguintes:

I

1.º

De facto, ainda que o recurso de constitucionalidade interposto pelos Recorrentes do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/05/2021, não tenha sido admitido por alegada falta de tempestividade, não podem os Recorrentes deixar de acompanhar a douta Declaração de Voto vencido que foi apresentada.

2.º

Desde logo, compulsados os autos, facilmente se constata que o incidente pós-decisório de arguição de nulidade não foi suscitado pelos Recorrentes como sucessivo relativamente a qualquer um dos seus recursos de constitucionalidade.

3.º

Por conseguinte, no momento em que os autos foram remetidos ao Tribunal Constitucional - e bem assim no momento em que este Colendo Tribunal teve de apreciar a admissibilidade dos recursos, ambos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datados de 26/05/2021 e 08/09/2021, respetivamente, já se tinham tornado como decisões definitivas.

4.º

Em bom rigor, como se assinalou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 811/2021, referente ao Proc. n.º 254/2021, relatado pelo Exmo. Conselheiro Teles Pereira:

"(...) entende-se, ainda à luz do princípio pro actione, que tal entendimento, no sentido de a eventual irregularidade decorrente a inobservância do ónus de exaustão dos recursos ordinários poder ser sanada supervenientemente, em resultado da «dinâmica» do processo entretanto continuado no tribunal a quo> é transponível para o caso dos autos.

5.º

Nesta medida, a vontade de recorrer não foi só manifestada de forma inequívoca pelos Recorrentes nos seus requerimentos de interposição dos recursos, tal como a sua vontade foi perfeitamente conhecida pelo Tribunal recorrido.

6.º

Efetivamente, o Tribunal recorrido considerou tal reafirmação dispensável, ao decidir remeter os autos para este Tribunal Constitucional, depois de sanada a hipotética irregularidade da não definitividade de qualquer uma das decisões recorridas.

7.º

Ora, assim sendo, como se salientou no aresto do Tribunal Constitucional supra indicado:

"(...) A partir destes dados, a interrogação fundamental em relação à não admissibilidade do recurso é esta: num momento em que a decisão recorrida é indiscutivelmente definitiva e na sequência de uma tramitação em que o próprio tribunal recorrido - por via do despacho de admissão e do envio para o Tribunal Constitucional somente depois de decidir a arguição de nulidade da decisão recorrida - pode ter levado o recorrente a acreditar que o seu recurso de constitucionalidade será apreciado por este Tribunal, em nome de que interesse fundamental é que o próprio Tribunal Constitucional deverá rejeitar o recurso?

8.º

Nesta conformidade, aquando da interposição dos seus recursos, ainda que as decisões recorridas não fossem definitivas, no momento em que foi proferido o despacho de admissão dos recursos para o Tribunal Constitucional, não se verificava qualquer obstáculo material ou formal para que não fosse tomado conhecimento dos respetivos recursos.

9.º

Além disso, de harmonia com a Declaração de Voto do Conselheiro Carlos Cadilha aposta ao Acórdão n.º 199/2016):

“não subsiste qualquer obstáculo à sanação da inobservância do ónus da exaustão dos recursos ordinários, mormente naquelas situações - como no caso dos autos - em que, estando ainda pendente um incidente pós-decisório à data da interposição do recurso de constitucionalidade, a decisão recorrida se tenha tornado definitiva no momento em que o processo é remetido ao Tribunal Constitucional, por efeito de ocorrência processual posterior".

10.º

Trata-se, por um lado, de manifestar abertura à sanação de um vício que, a existir, teria origem numa opção de gestão do processo adotada pelo tribunal recorrido (ao admitir de imediato o recurso para o Tribunal Constitucional) e, por outro, de não desconsiderar a realidade processual já existente quando o processo chega a este Tribunal (De conformidade com Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Maria João Brazão de Carvalho, "O conceito de recurso ordinário para o efeito do artigo 70.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional: o caso particular dos incidentes pós-decisórios", in Estudos em homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos, vol. 2, Coimbra, 2016, pp. 289/309.

11.º

Desta feita, não se pode afigurar como solução razoável, nem conforme ao princípio pro actione, "obrigar" os Recorrentes a reiterar a vontade de recorrer, quando os mesmos manifestaram anteriormente tal vontade de modo inequívoco e cujo objeto não se modificou.

12.º

Tudo para concluir que os recursos de constitucionalidade interpostos pelos Recorrentes devem considerar-se tempestivos.

II

13.º

Por outra banda, no Acórdão sob reclamação decidiu-se não tomar conhecimento do recurso interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 08/09/2021, por tal decisão não alegadamente aplicado, como sua ratio decidendi, as normas do artigo 583.º, n.º 1 do C.C. e dos artigos 219.º e 564.º, ambos do C.P.C.

14.º

Porém, basta atentar no sumário elaborado no Acórdão do S.T.J., de 08/09/2021, para se poder facilmente constatar que o mesmo aplicou direta e expressamente o artigo 583.º, n.º 1 do C.C. como sua ratio decidendi, norma cuja inconstitucionalidade foi oportuna e posteriormente invocada pelos Recorrentes no seu requerimento de interposição de recurso, datado de 23/09/2021.

15.º

Sendo ainda evidente que o Acórdão do S.T.J., de 08/09/2021, serviu-se expressamente da norma do artigo 583.º, n.º 1 do C.C. como seu fundamento legai, como consta do respetivo sumário.

16.º

Assim, sempre se dirá que a interpretação e aplicação da norma do artigo 583.º, n.º 1 do C.C. integrou a ratio decidendi da decisão recorrida, não havendo justificação para que a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação de tal norma não possa ser apreciada nesta sede.

17.º

Posto isto, além do requisito do recurso de constitucionalidade a que alude o artigo 70.º, n.º 1 alínea b) da L.T.C., encontram-se integralmente observados os demais requisitos de recorribilidade e admissibilidade dos dois recursos de constitucionalidade interpostos pelos Recorrentes, dos quais cumpre tomar conhecimento.

III

18.º

Ademais, ao arrepio das disposições conjuntas dos artigos 685.º, 666.º e 615.º do C.P.C., assiste aos Recorrentes o direito de apresentarem a presente reclamação e de arguirem nulidades do acórdão.

19.º

Cingindo-se esta questão à de saber se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 354/2022 padece ou não de nulidades, designadamente as que constituem o fundamento da presente reclamação.

20.º

Efetivamente, a nulidade consistente na omissão de pronúncia, em direta conexão com o que é disposto nos artigos 608.º e 609.º do C.P.C., verifica-se quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada por alguma das partes.

21.º

Nesta medida, as nulidades da sentença ou acórdão previstas no artigo 615.º da Lei Processual Civil sancionam vícios formais, de procedimento e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa.

26.º

Sendo ainda constitucionalmente pacífico que o juízo de inconstitucionalidade tanto pode recair sobre normas como sobre a sua interpretação, face à segunda parte do artigo 204 da C.R.P. quando preceitua "(...) ou os princípios nela consignados

27.º

Assim como é pacífico de que a inconstitucionalidade de normas ou da sua interpretação é de conhecimento oficioso, pelo que qualquer Tribunal tem o dever de interpretar e aplicar as normas e princípios constitucionais e de recusar qualquer interpretação que infrinja essas normas ou princípios.

28.º

Nesta conformidade, tendo os Reclamantes alegado e invocado a inconstitucionalidade de tais normas legais e da sua interpretação, o douto Acórdão reclamado, ao não apreciar minimamente a inconstitucionalidade ou não de tais normas ou da sua interpretação fez ainda uma interpretação inconstitucional do artigo 204.º da C.R.P.

29.º

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT