Acórdão nº 511/09.2TTFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15-11-2012

Data de Julgamento15 Novembro 2012
Número Acordão511/09.2TTFAR.E1
Ano2012
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
M…, residente na Rua… Faro, intentou, no Tribunal do Trabalho de Faro, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra R…, Lda., com sede na Rua… Faro, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 49.815,91, assim discriminada:
a) € 19.268,48 a título de trabalho suplementar;
b) € 17.427,00 a título de trabalho nocturno;
c) € 8.478,00 a título de compensação por impedimento do gozo de férias;
d) € 2.826,00 a título de indemnização por resolução do contrato;
e) € 471,00 a título de indemnização por férias não gozadas e vencidas em 1 de Janeiro de 2008;
f) € 471,00 referente ao respectivo subsídio de férias;
g) € 299,74 a título de retribuição das férias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato de trabalho (2008);
h) igual quantia a título do respectivo subsídio de férias;
i) subsídio de férias no montante de € 274,95 correspondente ao trabalho prestado em 2008.

Alegou para o efeito, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 1 de Junho de 2002, passando desde então a desempenhar as funções de porteiro.
Em 4 de Agosto de 2008 resolveu o contrato de trabalho com fundamento na prestação de trabalho suplementar e nocturno não pago e impedimento ao gozo de férias.

Realizada a audiência de partes e não se tendo logrado o acordo das mesmas, contestou a Ré, alegando, em resumo, que todos os valores em dívida ao Autor até 15 de Julho de 2007 lhe foram pagos nessa data, tendo este emitido o respectivo recibo de quitação.
Além disso, durante o tempo em que esteve ao seu serviço o Autor não teve um horário de trabalho superior a 40 horas de trabalho semanal, admitindo, contudo, que numa ou noutra semana possa ter prestado, com carácter eventual, trabalho suplementar, mas que o mesmo lhe foi pago.
Admite ainda a Ré que entre 15 de Julho de 2007, data em que a actual gerência iniciou funções, e 5 de Agosto de 2008, data em que o Autor resolveu o contrato de trabalho, não pagou a este o suplemento de trabalho nocturno, tendo apenas procedido ao pagamento de € 50,00 mensais.
Nega que o Autor não tenha gozado férias e sustenta a inexistência de justa causa para a resolução do contrato, uma vez que a falta de pagamento do suplemento antes indicado não constitui, por si só, fundamento para essa resolução.
Finalmente reconhece não ter pago ao Autor as férias vencidas em 1 de Janeiro de 2008, nem o respectivo subsídio, assim como não lhe pagou as férias e subsídio de férias e de Natal em relação ao trabalho prestado em 2008.

Respondeu o Autor, a afirmar que a declaração que assinou em 15-07-2007 refere-se apenas às retribuições que à data se encontravam em falta desde Fevereiro de 2007, sendo que a assinatura da referida declaração constituiu condição para o recebimento das importâncias devidas a tal título, não se reportando a quaisquer outros créditos salariais.

Seguidamente foi proferido despacho saneador stricto sensu, dispensada a realização de audiência preliminar, bem como a fixação da matéria assente e a base instrutória

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, sem reclamação das partes, e posteriormente foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Destarte, julgo parcialmente procedente a acção, porquanto se declara que o A. M… procedeu com justa causa à resolução do contrato de trabalho, condenando-se a Ré R…, Lda., a pagar-lhe a quantia global de € 46.079,24, acrescida de juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, contados desde a citação e até integral pagamento».

Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso para este tribunal, tendo desde logo arguido, expressa e separadamente, a nulidade da sentença, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
E rematou as alegações apresentadas com as seguintes conclusões:
«A. Tendo o A. alegado na sua resposta à contestação que o documento que assinou a dar como pagos todos os créditos à data existentes e a declarar nada mais lhe ser devido havia sido obtido por lhe ter sido apresentado como condição do recebimento de salários que então tinha em atraso, não pode tal facto ser dado como provado se nenhuma prova, documental ou testemunhal, sob o mesmo foi produzida, uma vez que nenhum documento o atesta e, como resulta das actas da audiência de discussão e julgamento, nenhuma testemunha a tal facto foi oferecida, nem na fundamentação da decisão de facto se indica que provas foram consideradas para tal facto dar como provado.
B. A circunstância de se dar como provado que ao trabalhador nunca foi permitido o gozo de férias não permite concluir-se, como o fez a sentença recorrida, que no ano da cessação do contrato a entidade patronal se preparava para voltar a fazer o mesmo, quando tal contrato cessou, por iniciativa do trabalhador em 4 de Agosto de 2007 e as férias podiam ser legalmente gozadas até 31 de Dezembro desse ano.
C. Não tendo o trabalhador alguma vez gozado férias durante seis anos, facto que nunca considerou impeditivo da subsistência da sua relação laboral, não lhe é lícito invocar posteriormente tal obstáculo à manutenção do seu contrato em ano em que não se demonstrou que a entidade patronal fosse reincidir em tal comportamento, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que declarou lícita a resolução do contrato de trabalho pelo Recorrido e condenou a Recorrente ao pagamento de indemnização de antiguidade e substituída mesma por outra que, declarando ilícita tal resolução, condene o Recorrido ao pagamento à Recorrente da compensação a que se refere o art. 446º do Cód. do Trabalho de 2003, no montante de € 942,00 (novecentos e quarenta e dois euros).
D. Tendo o A., ora Recorrido, declarado, em 15 de Julho de 2007, nada mais lhe ser devido nessa data pela R., aqui Recorrente, declaração que esta tacitamente aceitou ao invoca-la em juízo, foi celebrada convenção de remição que importa a extinção de todas as dívidas da entidade patronal ao trabalhador eventualmente existentes nessa data.
E. Não podendo dar-se como provado, conforme resulta da Conclusão A) supra que tal documento tenha sido obtido sob coacção, por ter sido a sua assinatura apresentada como condição do pagamento de salários em atraso, é aquela convenção remitiva válida e eficaz, devendo ser revogada a Sentença impetrada na parte em que recusou a sua aplicação e substituída por outra que reconheça a extinção de quaisquer dívidas da Recorrente ao Recorrido até 15 de Julho de 2007.
Termos em que deve o presente recurso ser recebido e declarado procedente, revogando-se a recorrida Sentença nos concretos segmentos supra assinalados e substituindo-se a mesma de modo a dar provimento ao acima invocado, e absolvendo-se, ainda que parcialmente, a Ré da condenação de que foi objecto (…)».

O Autor, recorrido, respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.

A arguida nulidade da sentença foi apreciada na 1.ª instância, a negar-se a sua verificação, após o que o recurso aí foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito devolutivo.

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Tendo em conta que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações [cfr. o disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho], são as seguintes as questões essenciais decidendas:
(i) saber se a sentença é nula, por alegada falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito:
(ii) saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
(iii) saber se se verifica remissão abdicativa por parte do Autor em relação a eventuais créditos anteriores a 15-07-2007;
(iv) saber se o Autor/apelado resolveu o contrato com justa causa.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. O A. foi admitido ao serviço da Ré em 01.06.2002, para desempenhar as funções de porteiro;
2. No desempenho das suas funções, o A. ocupava-se das tarefas relacionadas com as entradas e saídas dos clientes no estabelecimento, registando os respectivos movimentos, controlava a entrega e restituição das chaves dos quartos, dirigia a recepção de bagagem e correio e assegurava a sua distribuição, assegurava a satisfação dos pedidos dos hóspedes e clientes e transmitia-lhes mensagens, prestava aos clientes informações gerais de carácter turístico, encarregava-se do movimento telefónico, nomeadamente do reencaminhamento de chamadas para os hóspedes, do controlo e registo das chamadas feitas pelos hóspedes para o exterior, distribuição dos quartos pelos hóspedes e efectivação dos respectivos pagamentos e emissão de facturas, preenchimento do livro de registo de hóspedes, preenchimento do livro de contas diário, encerramento do dia e abertura do novo dia, despertar dos hóspedes, quando solicitado, verificava o funcionamento das luzes, do ar condicionado, da água, do aquecimento e das televisões, procedia à vigilância das instalações e tomava medidas para garantir a sua segurança, nomeadamente dos alarmes de incêndio, alarmes dos quartos, bem-estar de saúde dos hóspedes e ordem, e encomendava o pão para o pequeno-almoço do dia seguinte;
3. O A. sempre trabalhou sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré;
4. O A. encontrava-se sujeito a um horário de trabalho de quarenta horas semanais, dividido por cinco dias e meio da semana;
5. Em 04.08.2008, por carta registada com A/R, o A. comunicou à Ré que resolvia
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