Acórdão nº 51/13.5MASTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19-01-2016
Data de Julgamento | 19 Janeiro 2016 |
Número Acordão | 51/13.5MASTB.E1 |
Ano | 2016 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
1.Relatório
Na instrução nº 51/13.5MASTB, que correu termos no Tribunal da Comarca de Setúbal, Instância Central, Secção de Instrução Criminal, pelo Exmº Juiz desse Tribunal foi proferida, em 4/3/15, a seguinte:
«DECISÃO INSTRUTÓRIA
A., B., C., D., E. e F., assistentes nos autos, vieram, após notificação do despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento dos presentes autos por entender não decorrerem dos mesmos indícios da prática de qualquer ilícito criminal, requerer a abertura de instrução nos termos e com os fundamentos constantes do respectivo requerimento – constante de folhas 1739 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido – com a consequente imputação ao arguido G. da prática de seis crimes de exposição ou abandono, previsto e punível nos termos do artigo 138º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 alínea b) do Código Penal.
*
Alegam os assistentes, em súmula, ter o arguido assumido uma posição, no âmbito da organização de praxe universitária em que detinha, na sua hierarquia, um lugar de topo – designado por dux –, de domínio, controle, garante da segurança dos jovens que vieram a falecer. E ter sido por causa de ações concretas deste que os mesmos se expuseram, fragilizados e diminuídos na sua vontade e capacidades, à ação de elementos não controláveis. O que acabou por originar os seus falecimentos, submersos num mar impiedoso.
Entendem ainda os assistentes existirem indícios de que o arguido, confrontado com o ocorrido, tenha abandonado o local e, posteriormente, procurado simular o que apelidam de pré-afogamento - i.e., simulado ter também o arguido sido surpreendido e passado por semelhantes dificuldades no mar e, por sorte, melhor condição física ou maior discernimento, conseguido escapar com vida. Entendem ainda que a fuga do arguido aquando da submersão dos seus colegas dificultou ou impossibilitou qualquer tentativa de salvamento.
Concluem, assim, dever o arguido ser acusado da prática de seis crimes de exposição ou abandono, previsto e punível nos termos do artigo 138º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 alínea b) do Código Penal.
Foram requeridos múltiplos atos de instrução, conforme adiante se especificará.
O Tribunal admitiu e determinou a realização de alguns deles.
O arguido exerceu o seu direito de não prestar declarações, alegando nada mais ter a acrescentar aos depoimentos proferidos em sede inquérito, na qualidade ainda de testemunha. Prescindiu do seu direito de estar presente nas diligências.
Realizaram-se os atos instrutórios admitidos. Após, o debate instrutório.
Ministério Público e ilustres mandatários dos demais intervenientes processuais formularam uma síntese das suas conclusões sobre a (in)suficiência dos indícios e sobre matéria de direito.
Cumpre então apreciar e decidir o requerimento sub judice.
*
I. DA FACTUALIDADE INDICIADA
Expurgadas as considerações, conceitos de direito e conclusões constantes do requerimento de abertura de instrução, cumpre, em resultado da conjugação dos atos de instrução realizados neste sede com os elementos probatórios resultantes do inquérito, dar como indiciada, e em síntese, a seguinte factualidade:
1. Em dezembro de 2013, o arguido G. e ainda JR., AC., TC., CA., PN. e AG. eram alunos da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia;
2. No âmbito dessa universidade, foi criado, em 2003, o Conselho Oficial de Praxe Académica (adiante apenas “COPA”);
3. O arguido e demais jovens identificados no ponto 1. eram elementos do “COPA”;
4. Os elementos do “COPA” regiam-se e organizavam-se nos termos e de acordo com um "Código da Praxe Académica" (adiante apenas “Código da Praxe”);
5. Verte o artigo 5.º do Código da Praxe: "1. Só os estudantes da universidade lusófona de Humanidades e Tecnologias poderão estar na Praxe Académica desta Universidade, estando vinculados ao respectivo código de Praxe Académica. 2. São considerados vinculados à praxe académica: a) Traje académico; b) B.I. da Besta ou do caloiro - Apenas reconhecido a alunos com uma matrícula na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias devidamente assinado pelo representante de curso ou o Dux; 3. Os estudantes de qualquer outro estabelecimento de ensino, aquando da sua passagem pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e usando o traje académico, devem ser recebidos como convidados da Academia.
Durante a sua permanência no Campus Universitário ou em eventos académicos, estes não podem ter uma participação ativa na praxe académica, podendo ser aceite pelo Maximum Praxis Concilium o cumprimento das suas próprias tradições académicas";
6. Nos termos do artigo 8.º do Código da Praxe, o “COPA” encontrava-se organizado com a seguinte hierarquia: 1ª honoris dux; 2ª dux; 3ª veteranos; 4ª doutores; 5ª pastranos; 6ª paraquedistas; 7ª caloiros; 8ª bestas;
7. De acordo com o artigo 8.º do "Código da Praxe", a “hierarquia das categorias da Praxe Académica em escala ascendente é a seguinte: "a) Besta - Pertencem a esta categoria todos os alunos que efetuem pela primeira vez uma matrícula na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, mesmo que tenham estado matriculados em qualquer outro estabelecimento de ensino superior, desde que não possuam grau académico comprovado, e que queiram aderir à Praxe Académica; b) Caloiro - Pertencem a esta categoria todos os alunos que tenham sido praxados e batizados por académico reconhecido pela Academia, segundo o disposto no artigo 6º (Estar na Praxe) e que queiram aderir à Praxe Académica; c) Paraquedistas - Pertencem a esta categoria todos os estudantes vinculados à praxe académica, que efetuem a sua primeira matrícula na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, embora possuam grau académico comprovado, de outro estabelecimento de ensino superior. Cabe ao Maximum Praxis Concilium o reconhecimento desta categoria a cada individuo. Caso o Maximum Praxis Concilium não a reconheça o individuo assume a categoria de caloiro; d) Pastranos - Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, com duas matrículas na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; e) Doutores -Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, que possuem três matrículas na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, permanecendo assim até atingirem o estatuto de veterano; f) Veteranos - Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, que possuam mais matrículas do que o número de anos do curso; g) Dux - O que tiver sido eleito pelo Maximum Praxis Concilium de ente os seus elementos; h) Honoris-Dux - Tem categoria vitalícia de Honoris-Dux, aquele a quem lhe for atribuída tal distinção pelo Maximum Praxis Concilium;”
8. O “COPA” reunia e preparava as respectivas ações e intervenções nas instalações da Universidade ou zonas adjacentes;
9. No âmbito do “COPA”, cada curso elegia um representante o qual teria sempre que estar na categoria de veteranos;
10. Nos termos do artigo 7º do Código da Praxe: "1. A hierarquia da estrutura do Conselho Oficial de Praxe Académica em escala ascendente é: a) Comissão de Praxe Académica dos cursos - Cada representante dentro do seu curso escolhe a sua comissão de praxe académica; b) Maximum Praxis Concilium - Conselho Composto por um representante de cada curso, pelo dux e por um representante de cada tuna académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (cada representante de curso assume a responsabilidade da forma como nomeia o seu sucessor). Cabe ao Maximum Praxis Concilium aceitar ou não o representante proposto por cada um dos cursos;"
11. Em dezembro de 2013, os representantes dos vários cursos eram os seguintes: AC. (alcunha "Arruaceira", representante do curso de Turismo); AG. (alcunha "Haka" representante do curso de Engenharia Biotecnológica); CA. (alcunha "Pocahontas", representante do curso de Design); JR. (alcunha "Guedes", representante do curso de Serviço Social); PN. (alcunhas "Survivor ou Negrão", representante do curso de Gestão de Empresas); TC. (alcunha "Bilu", representante do curso de Comunicação Aplicada); FS. (alcunha "Mostar", representante do curso de C.C.C.); PC. (alcunha "Hot Sauce", representante do curso de Arquitetura); GS. (alcunha "Songoku", representante do curso de Informática);
12. E, nessa medida, todos os jovens referidos em 1. – com excepção do arguido – detinham, em dezembro de 2013, a qualidade de veteranos no âmbito da Organização da Praxe Académica, enquanto representantes dos respectivos cursos;
13. O arguido tinha a qualidade Dux, tendo para tal sido eleito em outubro desse ano;
14. Nos termos do n.º 1, alínea b), do artigo 7.º do “Código da Praxe”: "b) Maximum Praxis Concilium - Conselho Composto por um representante de cada curso, pelo dux e por um representante de cada tuna académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (cada representante de curso assume a responsabilidade da forma como nomeia o seu sucessor). Cabe ao Maximum Praxis Concilium aceitar ou não o representante proposto por cada um dos cursos;"
15. O Maximum Praxis Concilium (adiante apenas “MPC”) constituía o conselho máximo do COPA;
16. Nele participavam os representantes de cada curso, o dux e os honoris-dux;
17. Nos termos do artigo 39.º do “Código da Praxe”: “1. Aos veteranos é permitida a mobilização qualquer grau hierárquico inferior, nunca desautorizando outro de grau hierárquico superior. 2. Um veterano pode fazer parte da Comissão de Praxe do seu curso ou representá-lo no Maximum Praxis Concilium."
18. Nos termos do artigo 40º, do referido código, são deveres dos veteranos, nomeadamente: “c) honrar e respeitar o Código de Praxe Académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; (...) e)...
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