Acórdão nº 508/06.4BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16-12-2021

Judgment Date16 December 2021
Acordao Number508/06.4BECTB
Year2021
CourtTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A…, interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 27.06.2013, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, por si intentada contra o Município da Guarda, sendo contrainteressados H…, S.A. e V…, anulando o ato de licenciamento, julgando improcedente o pedido de indemnização e não conhecendo do pedido condenatório.

Nas alegações de recurso que apresentou, concluiu como se segue – cfr. fls. 975 e ss., ref. SITAF:

«A) A Câmara Municipal da Guarda licenciou à Ré H…, por Alvará de Obra n.° 1…/ a construção de um imóvel, de raiz, porque em profundidade e em altura não era uma reconstrução de uma pequena casa, que no local existia, cuja implantação do projecto não cabia no lote da requerente, facto este apontado pelos Serviços do Município e reconhecido pela Ré, com a seguir se demonstra:

«o requerente não esclarece a origem da diferença de área existente entre as áreas abrangidas pelo projecto e referenciadas no processo inicial e as áreas constantes na presente planta de implantação.» (alínea F).

«... alegou ter havido lapso no levantamento topográfico, pelo que apresentou uma nova planta de implantação com diminuição da área de implantação que passou a ter 525m2 e ser coincidente com a área registada na Conservatória — ponto este esclarecido pelos senhores Peritos no seu Relatório!!! (que não viram nova planta) (alínea M)

B) Foi afirmado pelo réu Município (como já consta da matéria assente):

«O projecto localiza-se em terreno contíguo a um imóvel que comporta um edifício em processo de classificação (casa n.° … Rua B…) com despacho de abertura de 04.02.1997) pelo que é abrangido pela respectiva zona de protecção... na qual não podem ser autorizadas ou licenciadas obras sem o parecer prévio do IPPAR, conforme disposto pela Lei n.° 107/2001»

A Câmara Municipal da Guarda, autora desse processo, cometeu o erro de emitir o Alvará, em questão, sem respeito pela legislação e sem respeito pela sua própria deliberação anterior em prol do interesse público.

C) Que o terreno em que o réu e os contra interessados pretenderam implantar a obra objecto de licenciamento não admite a referida obra por falta de área disponível., disseram-no as testemunhas inquiridas a esta matéria; declarou-o a ré, como já se referiu na matéria assente e declarou-o a co-interessada H…, como consta da alínea M) da matéria assente; e comprova-se exaustivamente com os documentos juntos em audiência.

Todavia...

D) A obra foi licenciada devendo respeitar os limites do prédio do A. ( em toda a sua dimensão, altura, largura e profundidade ) designadamente o muro de separação deste com o terreno onde a obra é implantada, pelo que tal obra não é implantada no prédio do A. nem com invasão deste , sendo certo que o projecto aprovado salvaguardou o muro limitador do prédio do A., com o qual a construção aprovada não pode interferir (Resposta ao quesito 24.°)

(Provada esta matéria, que dúvidas o tribunal pode ter de que o muro era do A. e a Ré H… apoderou-se dele?!)

E) Provou-se que na aprovação do projecto não foi apresentado projecto referente a obras de demolição nem de remodelação dos terrenos (R. ao Quesito 10.°). E provou-se também a que não foi apresentado pelo interessado, para execução dos trabalhos de escavação, o projecto de escavação e de contenção periférica (R. ao quesito 12.°) matéria esta que foi determinante de muitas outras irregularidades e violações, designadamente, das violações dos direitos do A., porque se fosse feita e mantida a contenção periférica, não teria sido atingida a sua propriedade.

F) Certo que a co-interessada H…, SA foi notificada do parecer dos serviços da C.M.G., datado de 18/07/2006, para «...tomar as medidas necessárias para não agravar as condições de salubridade e segurança das edificações confinantes, segundo o estipulado no Decreto-Lei n.°273/2003- de 29 de Outubro - (alínea AA.) mas a partir daí a situação patrimonial do Autor agravou-se até atingir a espoliação que nela se verifica ainda hoje!!!

G) Os comportamentos das requeridas causaram no autor danos físicos e morais de reconhecida gravidade.

H) Foram violadas as disposições legais citadas e as que com elas se relacionam, designadamente do Decreto-Lei n.° 555/99, da Lei n.° 107/2001, da Portaria n.° 1110/2001, do Dec.-Lei n.° 273/2003, do Dec.-Lei n.° 794/76, art. 23.° PDM. (…)».

Também o Recorrido Município da Guarda veio recorrer da decisão do tribunal a quo, aqui concluindo que - cfr. fls. 1002 e ss, ref. SITAF:

«I - Não ficou provado que falta projecto de escavação.

II - Pelas razões expostas deve ser alterada a resposta ao quesito 12 de forma a obter a seguinte resposta: Art° 12: “Não Provado”.

III -O projecto de contenção periférica consta do projecto de estabilidade, constando deste os necessários muros de contenção conforme se verifica das respectivas plantas estruturais (fundações e piso1,2 e 3).

IV - A necessidade do projecto de escavação deve ser analisado conforme os casos.

V - No presente caso [não sendo] os trabalhos de escavação não constitui uma operação urbanística autónoma.

VI - O projecto de arquitectura caracteriza a área de escavação de solos e o projecto de estabilidade contempla os muros de contenção ou muros de contenção periférica.

VII-O Senhor Juiz violou ou interpretou erradamente o disposto no Artigo 653.°, n.° 2 do C. P. Civil e o disposto no Artigo 11,°, n.° 1, alínea m) e n.° 5 da Portaria 1.110/2001 de 19/9, devendo estes dispositivos legais serem aplicados e interpretados no sentido exposto.» (sublinhados nossos).


Por sua vez, também, contra-alegou o Recorrido Município o recurso interposto pelo A., pugnado pela improcedência do mesmo – cfr. fls. 1016, ref SITAF.

Assim como o A., Recorrido, contra-alegou o recurso interposto pelo Recorrido Município, tendo aqui concluído que – cfr. fls. 1057 e ss., ref. SITAF:
« A) Ficou demonstrado que a Câmara Municipal licenciou à ré H…, pelo Alvará de Obra n°. 1…, a construção de um imóvel, de raiz, porque em profundidade e em altura não era uma reconstrução de uma pequena casa de rés do chão e andar que no local existia, cuja implantação do projeto não cabia na área do lote da requerente - facto que o Município verificou, documentou e que a mesma requerente veio a reconhecer, por escrito - sem que fosse apresentado novo projeto, que não excedesse a área do lote:
- pois do lado sul o prédio do autor tinha um muro e um ajardinado que foram ocupados com a construção que as rés executaram em profundidade e o logradouro está ainda destruído ...devido à esventração, conforme documentos e depoimentos constantes dos autos!
B) Consequentemente, no uso do referido Alvará, que a Câmara Municipal emitiu com violação da lei e do direito, a cointeressada H…, excedeu a sua área (que reconheceu ser apenas de 525 m2.) e invadiu as propriedades situadas a norte, nomeadamente a do autor, onde escavou o logradouro e derrubou um muro, apropriando-se dos respetivos terrenos para neles implantar uma parede do seu novo imóvel.
C) E tendo-se verificado que o projeto se localizava em terreno contíguo edifício em processo de classificação como imóvel de interesse público (casa n°. …da Rua B…) abrangido pela respetiva zona de proteção... a Câmara Municipal da Guarda, autora desse processo de qualificação, cometeu o erro de emitir o Alvará, sem respeito pela legislação e sem respeito pela sua anterior deliberação em prol do interesse público...»

Neste tribunal, o DMMP não se pronunciou.

Colhidos os vistos, vem o processo submetido à conferência desta secção de contencioso administrativo para decisão.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da decisão recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
A
O Autor tem inscrito a seu favor um prédio urbano, com logradouro, situado na Rua S…, freguesia da S…, da cidade da Guarda, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9… e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 0… a confrontar de nascente com o proprietário, do poente com Rua, do norte com M… e do sul com J… (cfr. doc. n.° 1 junto com a p.i. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B
Em 17.01.2003 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou junto dos serviços Câmara Municipal da Guarda um exposição escrita e peças desenhadas, nos termos da qual “[...] na qualidade de proprietário de um imóvel sito na Rua B…, na Guarda, freguesia da S…, vem requerer a V. Exa., nos termos do disposto no art.° 88°, n.° 3 do Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 177/2001, de 4 de Junho, a emissão de um alvará, com vista à aprovação do licenciamento da reconstrução de um imóvel acima identificado [...]” (cfr. docs. a fls. 49 a 1 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
C
Em parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 27.03.2003, que mereceu despacho de concordância de 04.04.2003, relativamente à construção referida na alínea anterior da qual se retira-se que:
“[...] 3- A Planta de implementação apresentada, não é suficientemente esclarecedora, nomeadamente das relações estabelecidas com as edificações contíguas, pelo que deverá ser apresentada nova planta de implementação, desenhada “com a construção ao nível do terreno envolvente” (arruamentos), contendo as seguintes condições:
a) delimitação da propriedade na sua totalidade;
b) inscrição de confrontações;
c) a área ocupada com a construção, incluindo corpos balançados, escadas, varandas;
d) infra-estruturas existentes;
e) acessos e arruamentos devidamente cotados;
f) representação rigorosa dos edifícios envolventes;
4 - A área coberta proposta excede...

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