Acórdão nº 5072/07.4TDLSB.L2-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-05-2013
Data de Julgamento | 23 Maio 2013 |
Número Acordão | 5072/07.4TDLSB.L2-9 |
Ano | 2013 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
I - RELATÓRIO.
No âmbito do processo registado sob o n.º 5072/07.4TDLSB do 1º. Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o Mº.Pº decidiu pelo arquivamento do inquérito instaurado com vista ao apuramento dos factos que puderiam integrar a prática do crime de homicídio negligente p.p. pelo artigo 137-1 do C.P. praticado pela médica, arguida S..., considerando que a morte do paciente tratado por aquela, resultou de factores adversos e não foi possível indiciar a existência de responsabilidade jurídico criminal da arguida no resultado da morte do paciente ( cfr. fls. 385 a 390 dos autos).
Inconformado com o despacho arquivamento o Assistente O... veio requerer a abertura de instrução e requerer diligências.
Liminarmente rejeitado na 1ª.Instância, o requerimento acabaria por ser admitido por ordem do Tribunal desta Relação, em acórdão proferido em 21 de Setembro de 2011, que determinou que deveria ser aberta a instrução para efectivação das diligências requeridas pelo assistente e bem como outras que oficiosamente venham a ter lugar. (cfr. fls. 576 dos autos).
Realizada a instrução foi proferida decisão instrutória em 29 de Novembro de 2012, na qual o Tribunal decidiu não pronunciar a arguida pela prática dos crimes de homicídio negligente p.p. pelo artigo 137 nº. 1 e 2 do C.P. e do relativo a intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos p.p. pelo artigo 150 do C.P.
Desta decisão de não pronúncia recorre o Mº.Pº e o assistente O....
Recurso do Mº.Pº.
O Mº.Pº motivou o seu recurso nos autos, de fls. 796 a 807, concluindo:
(transcreve-se por scanner):
1.º O presente recurso tem como objecto a Decisão instrutória no processo identificado em epígrafe - e constante a fls. 757 a 766 dos autos —, na parte em que não pronunciou a arguida S..., por considerar que não há indícios suficientes da prática, por esta, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.° do Código Penal.
2.° A situação visada nos presentes autos está devidamente explanada no requerimento de abertura de instrução do Assistente, e que constitui fls. 476 a 491, para as quais se remete e que aqui se dão por reproduzidas por questões de economia processual.
3.° Na decisão ora posta em crise, transcrita acima na parte que para aqui releva, verifica-se que a Mm. Juíza de Instrução Criminal assentou a sua decisão na presunção quanto à prova pericial consubstanciada nos relatórios do IML de fls. 345 e 619-620 dos autos, nos termos do artigo 163.°, n.° 1 do C.P.P., aduzindo ainda que as dúvidas que os autos levantam, levariam com maior probabilidade a uma absolvição atendendo ao princípio “in dúbio pró reo”.
4.º Entendemos, salvo o devido respeito pela Mm.a juíza, que a prova pericial destes autos é frágil, pois que, em bom rigor, tais pareceres do IML divergem de toda a mais prova produzida nos autos, quer em inquérito quer em sede de instrução, pelo que deveria ter sido a mesma objecto de discordância judicial nos termos do disposto no artigo 163.°, n.° 2 do C.P.P..
5.° De facto, no dia 22 de Agosto de 2007, pelas 05h51m da madrugada, foi admitido de urgência nos Hospital de S. José, em Lisboa, transportado em ambulância do INEM, M...(designadamente, diário clínico a fls. 215); e quando deu entrada no serviço de urgência do referido Hospital, já estava referenciado pelos técnicos do INEM como tendo uma ferida na cabeça, causada por possível queda, tendo sido encontrado «deitado na posição dorsal e com sangue a cair da boca juntamente com vómito» (designadamente fls. 235); sendo que minutos após, pelas 06h06m, foi visto pela enfermeira na triagem que consignou que o mesmo havia sido encontrado caído com poça de sangue e vómito em seu redor, bem como verificou pessoalmente que este tinha “alteração do estado de consciência” bem como “ferida incisiva no occipital + presença de sangue no canal auditivo esquerdo”, o que determinou que a mesma o considerasse paciente na prioridade clínica de “muito urgente” (designadamente fls. 232).
6.° Apesar da sintomatologia descrita ser claramente indiciadora de traumatismo craniano e de ter sido considerado como paciente “muito urgente” no atendimento, e não obstante na disponibilidade destas informações clínicas, que a arguida consultou, a arguida, pelas 07h23m efectua sutura da ferida no couro cabeludo e e não ordena uma TAC; sendo que cerca de quase três horas depois, apesar ainda de o paciente M... manter o mesmo estado aquando visto pela arguida, cerca das 08h30, é visto por duas médicas diversas da arguida, tendo a primeira, Dra. N... ordenado a transferência para o SO do Hospital e a segunda, Dra. Ma... ordenado a realização de «TAC CE urgente com apoio anestésico» (designadamente fls. 215).
7° Em consequência dessa omissão, não foi possível intervir de forma atempada e eficaz e M...veio a falecer, sendo a causa de morte «às graves lesões traumáticas crânio-vasculo-encefálicas» (designadamente fls. 60).
8.° Estes factos, para além dos documentos apontados encontram ainda corroboração nos documentos juntos a fls. 57 a 60 (relatório de autópsia), 209 a 242; nos depoimentos das testemunhas id. a fls. 101-102, 103-104, 268-269, 270-271; e nas próprias declarações da arguida a fls. 274 a 276 (que não sentiria necessidade de esclarecer «que não verificou sangramento no ouvido de M... quando o examinou, pelo que deduziu que o sangue teria escorrido da ferida em direcçõo ao ouvido», se não entendesse tal sintomatologia seria determinante para que pedisse um TAC).
9.º Ademais, a reforçar o já expendido, a testemunha A..., professor de medicina e médico na Suécia, foi, em sede de instrução, ouvida por vídeo-conferência e confirmou o relatório que elaborou, após consulta dos elementos clínicos disponíveis neste processo, e que consta de fls. 606 a 608, bem como forma isenta, declarou que o atraso em questão na realização do TAC, que tinha de ser pedido atenta a sintomatologia desde logo indicada pela equipa do INEM, determinou a morte de M..., sendo que a ter sido pedido, teria possibilitado que este tivesse (50%) hipóteses de haver sobrevivido.
10.º Por último, os pareceres médicos em que se escuda a decisão instrutória de não pronúncia não são claros e contradizem os elementos, mesmo a prova documental, deste processo: por um lado, o primeiro parecer consta de fls. 345 e, se bem atentarmos no mesmo, não responde devidamente a qualquer dos quesitos plasmados no despacho de fls. 302-303, limitando-se a concluir e sem fundamentar minimamente (basta a mera confrontação entre fls. 302-303 e 345 para se chegar a esta conclusão); e o segundo relatório, surge na sequência do despacho de fls. 613 (que ordena a resposta às questões formuladas a referidas fis. 302-303), consta de fls. 619-620 e, quanto a este constata-se que contraria a documentação (mesmo médica) constante do processo e acima aludida.
11.º Ademais, no que tange ora aos indícios suficientes, permitam-nos citar, num caso similar, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que confirmou a sentença condenatória referente ao Processo Comum Singular n.° 1148/98.5TAVIS do 2.° juízo do Tribunal Judicial de Viseu e publicado na Internet, no sítio da Verbo Jurídico - http://www.verboiuridico.com/iurisp/linstancialliviseurgenciamedica.pdf.
12.° Por todo o exposto, entendemos que há, nestes autos, indícios suficientes da prática do crime de homicídio por negligência por parte da arguida, devendo ter a Mm.a Juíza de Instrução discordado dos referidos pareceres médicos de fls. 345 e 619-620 e pronunciado a arguida pelo crime apontado, p. e p. pelo artigo 137.°, n.° 1 do Código Penal e, não o tendo feito, que a decisão instrutória de não pronuncia violou o disposto no artigo 137.° do Código Penal, e nos artigos 163.°, n.° 2, 286.°, n.° 1 e 308.°, n.° 1 do Código de Processo Penal.
Pelas razões que se aduziram entendemos que deve ser revogada a Decisão recorrida e ser a mesma substituída por outra que pronuncie a arguida por um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.°, n.° 1 do Código Penal.
Mas VOSSAS EXAS. FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!
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Recurso do Assistente.
Por seu turno, no recurso interposto pelo Assistente, cujas motivações constituem fls. 813 a 853, constam as seguintes conclusões ( que se transcrevem):
A. A decisão ora recorrida não apreciou correctamente os indícios existentes nos autos quanto à prática pela ARGUIDA S... de factos que integram um crime de omissão de tratamentos médico-cirúrgicos, p. e p. pelo artigo 150.° do Código Penal e um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137.°, n.° 2 do Código Penal, factos cuja prática foram determinantes para a morte de M...;
B. O Assistente demonstrou e produziu prova apta a demonstrar, sem sombra de dúvida, que não foi empregue a diligência expectável de uma profissional de medicina;
C. Pois, não atendeu a Arguida a relevantes sintomas exibidos pela vítima quando esta deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de S. José;
D. Daí decorrendo não ter esta identificado a patologia de que o M... sofria;
E. Com o que não logrou praticar, ou fazer praticar, os actos médicos necessários e suficientes a combater e eliminar as lesões de que a infeliz vítima padecia;
E. Comportamentos esses que se mostravam essenciais e obrigatórios em face dos sintomas do paciente;
G. Circunstâncias que a Arguida não devia ignorar e tinha obrigação de saber;
H. A decisão Instrutória em recurso foi sustentada pela Sra. Juíz de Instrução Criminal em dois relatórios do INML constantes dos autos;
L. Estes assentam em pressupostos ostensivamente errados, quando se pretendem fundamentar alegando que ainda que diagnosticada que fosse a tempo a lesão de que o M... padecia, seria improvável que a mesma tivesse cura cirúrgica;
J. Todavia, o Assistente produziu prova apta...
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