Acórdão nº 502/13.9SALSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-09-2017

Judgment Date07 September 2017
Case OutcomePROVIDO PARCIALMENTE
Procedure TypeRECURSO PENAL
Acordao Number502/13.9SALSB.L2.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

*

I. Relatório

1.

Na 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa, J21, e no âmbito do processo comum colectivo n.º 502/13.9SALSB, o arguido AA foi julgado e, no que para o que ora releva, por acórdão de 27.01.2015, decidiu-se:

a) Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas b), e j), do Código Penal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão;

b) Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material, de um crime de coacção, previsto e punido pelos artigos 154.º, nº 1, e 155.º, nº1 alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

c) Em cúmulo das penas parcelares, condenar o arguido AA, na pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão;

d) Condenar o arguido AA a pagar a título de indemnização pela perda do direito à vida de BB, a quantia de €80.000,00 (oitenta mil euros);

e) Condenar o arguido AA a pagar a título de indemnização pela dor, angústia, medo e terror, vivenciados pela vítima BB, nos momentos que antecederam a sua morte, a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros);

f) Condenar o arguido AA a pagar a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor CC, representado pelos assistentes DD e EE;

g) Absolver o arguido AA do pedido de indemnização, no montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), deduzido pelo assistente DD;

h) Absolver o arguido AA do pedido de indemnização, no montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), deduzido pela assistente EE.
2.
Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 07.02.2017, decidiu negar provimento ao recurso, e manter a decisão recorrida.

3.

Irresignado com o assim decidido, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo da motivação apresentada extraído as seguintes conclusões[1]:

1. Na verdade e sempre com o devido respeito, não se pode conformar o ora recorrente do direito aplicado na decisão recorrida assim bem como e consequentemente da pena aplicada.

2. Na precisa lição de Germano Marques da Silva o princípio da presunção de inocência consagrado no Art.º 32º, n.º 2 da CRP integra uma norma directamente vinculativa e constitui um dos direitos fundamentais do cidadão. (Art.º 18º, nº 1 da CRP).

3. Quanto ao livre convencimento do juiz, este traduz-se como uma autêntica limitação ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, não pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.º 61º, nº1, alínea c) conjugado com o Art.º 343º, nº1, ambos do CPP).

4. No caso Sub Júdice, o acórdão recorrido, ao formar como formou o livre convencimento do juiz, traduziu-se como uma autêntica limitação ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, não pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.º 61º, nº1, alínea c) conjugado com o Art.º 343º, nº1, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pro reo.

5. Pelo que, também por isso a sentença que ora se recorre deve ser declarada nula.

6. Sendo inconstitucional quando interpretados no seguinte sentido:

“Ao formar o livre convencimento, o juiz, não se encontra limitado ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.º 61º, nº1, alínea c) conjugado com o Art.º 343º, nº1, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pro reo.”

7. Tal interpretação viola ainda o art.º 6º da Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais com as modificações introduzidas pelo Protocolo n° 11 acompanhada do Protocolo adicional e dos Protocolos nos 4, 6, 7 e 13, e os artigos 32º, n.º 2 e 18.º, n.º 1, ambos da C.R.P.

8. Inconstitucionalidade que desde já igualmente se argui.

9. O dever de fundamentar as decisões judiciais decorre directamente da Constituição: “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prescrita na lei” – artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República portuguesa.

10. Não se percebe o percurso lógico e coerente efectuado pelo tribunal “a quo”, para decidir da maneira que decidiu.

11. Ao não fundamentar a sua decisão, deverá ser considerada inconstitucional a norma do artigo 374.º, n.º2 do CPP, por violação do artigo 205.º da CRP, quando interpretada no sentido de que “O juiz não está obrigado a proceder ao exame crítico das provas podendo limitar-se a efectuar meros juízos conclusivos”, inconstitucionalidade essa que desde já se argui.

12. Entende o arguido que o reconhecimento pessoal efectuado nos autos em sede de inquérito, deverá ser nulo.

13. Conforme resulta do depoimento da testemunha FF, gravado no sistema áudio do tribunal no dia 28/01/2014, afere-se que antes de ser efectuado o reconhecimento pessoal, foi mostrado à testemunha uma única fotografia do arguido nos autos, o que só por si, invalida e inquina o reconhecimento pessoal que lhe seguiu.

14. Pelo exposto, é de concluir, que o reconhecimento pessoal efectuado de seguida, se encontra inquinado, pois a mesma foi com grande grau de probabilidade influenciado pelo reconhecimento fotográfico que não obedeceu ao disposto no n.º5 do artigo 147.º do CPP, logo nulo, nulidade essa que se argui nos termos do n.º 7 do artigo 147.º do CPP e que o tribunal “a quo” deveria ter conhecido oficiosamente.

15. Vem o arguido condenado na pena de 2 (anos) pela prática de um crime de coacção, punido e previsto pelos artigos 154.º, n.º1 e 155.º, n.º1, alínea a) do CP.

16. Salvo melhor entendimento, não pode concordar o arguido com tal condenação.

17. Ora, nos termos do n.º1 do artigo 154.º do CP, “quem por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar a uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa (…)”.

18. A coacção é, pois, a imposição a alguém de uma conduta contra a sua vontade.

19. Sendo que, constranger é obrigar alguém a assumir uma conduta que não depende da sua vontade, ou seja, é violar a liberdade de autodeterminação.

20. Ora, não se consegue perceber o preenchimento objectivo e subjectivo de tal crime.

21. Porquanto, não foi mostrada nenhuma pistola pelo arguido de forma a prejudicar a liberdade de determinação no ofendido.

22. Muito menos, um sentimento de insegurança no ofendido, porquanto, após ter largado o arguido, o mesmo foi atrás do recorrente dizendo-lhe que ia tomar nota da matrícula e dar conhecimento às autoridades policiais quando chegassem ao local.

23. Quer com isto dizer, que as simples palavras proferidas pelo arguido, sem haver qualquer contacto físico ou um meio idóneo (neste caso, a apresentação da pistola no acto), não constituem um molde capaz de ser concretizado.

24. Mais relevante, não constitui sequer uma ameaça de forma a prejudicar a liberdade de determinação e um sentimento de insegurança no ofendido, porque o mesmo não teve nenhum receio de continuar a seguir o arguido e de informá-lo de iria denunciá-lo às autoridades, facultando a matrícula do veículo do recorrente.

25. O arguido deveria, assim, ser absolvido pelo crime de coacção p. e p. pelo art.º 154, n.º1 e 155.º, n.º1 alínea a), ambos do C.P., pelo que foi violada pelo Acórdão recorrido tal disposição legal.

26. Os factos que constituem o objecto do presente processo não se mostram, de todo, susceptíveis de integrar a previsão típica dos artºs 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, als. b) e j), do Código Penal.

27. É errado interpretar as circunstâncias em que a morte de BB foi causada como reveladoras, por parte do arguido, de uma atitude de profundo desrespeito e desprezo pelo bem jurídico vida, e de especial distanciamento em relação a uma determinação normal do comportamento de acordo com determinados padrões e valores de ordem social.

28. Não se negando, evidentemente, a manifesta gravidade do acto cometido, e das circunstâncias que o envolveram, o certo é que o caso concreto não evidencia a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente apta a qualificar a sua conduta nos termos do n.º 1 do art.º 132.º, do CP.

29. No caso concreto, está-se perante um estado de afecto que tanto pode ser explicado por uma ruptura da estrutura cognitiva e emocional do arguido, como por um processo de cumulação da sua incapacidade de resolução de conflitos numa situação de extrema vulnerabilidade passional.

30. Por tudo isto, o arguido tem de ver a sua culpa atenuada não apenas em função da situação objectiva que viveu, mas principalmente em função do real estado emocional em que se encontrava.

31. O crime perpetrado pelo arguido foi-o, efectivamente, no âmbito de emoção violenta compreensível que, mais do que isso, e à luz de tudo o que deixou exposto, atenua sensivelmente a sua culpa.

32. E, no caso em concreto, de forma alguma poderia o tribunal “a quo” ter-se recusado a admitir a verificação de uma dúvida razoável sobre a existência de um estado de afecto que diminua sensivelmente a culpa, bem como a imputabilidade diminuída do arguido devidamente demonstrada nos autos e a exigibilidade que sobre si impedia de se conformar com um comportamento fiel ao direito.

33. As cláusulas de culpa diminuída são materialmente incompatíveis com a culpabilidade exigida implicitamente pelo art.º 131.º e, positivamente, pelo art.º 132.º, n.º 1, ambos do CP.

34. Uma vez, que o princípio do “in dúbio pro reo”, enquanto corolário fundamental do princípio da presunção de inocência, encontra-se intrinsecamente ligado ao princípio da culpa.

35. A existência, pelo menos, de uma dúvida quando a esse respeito é inegável, porquanto nele, efectivamente, se mostram verificados, pelo menos, fortíssimos indícios dos requisitos do artigo 133.º do CP.

36. Tais indícios...

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