Acórdão nº 499/14.8T8EVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-03-2019
Data de Julgamento | 07 Março 2019 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA DOS AUTOS E NEGADA A DOS RÉUS |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 499/14.8T8EVR.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I. Relatório
1. AA, e mulher, BB, residentes na Av.ª Engenheiro …., n.º …-A, em …, instauraram ação declarativa , com processo comum, contra CC, com domicílio profissional na Rua …., n.º …, em …, pedindo que se declare a nulidade do arrendamento que tem por objeto o 1.º andar do prédio que identificaram, condenando-se o R. a restitui-lo livre e devoluto, e ainda no pagamento de indemnização pelos prejuízos causados pela ocupação ilícita do mesmo à razão de €512,50 por mês e até à data da restituição, cujo montante liquidado, referente aos meses de Dezembro de 2011 a Dezembro de 2014, ascende já a €18.450,00, acrescida dos juros legais.
Alegaram para o efeito que são os donos do prédio composto de rés do chão, 1.º e 2.º andares sito na Rua …., n.ºs 29, 31, 33, 33-A, 35 e 37 e n.ºs 6-A e 7 do Largo ….. da atual …., cujo n.º 35, atual fração E, foi dado de arrendamento ao réu por acordo celebrado em 27 de Maio de 1999, tendo outorgado como senhoria a então usufrutuária DD. Tal acordo é, porém, nulo por não ter observado a forma legalmente prescrita, donde ser ilícita a ocupação que o R. vem fazendo da referida fração.
Mais alegaram que tendo o demandado deixado de pagar as rendas desde a morte da usufrutuária, em Novembro de 2011, interpelaram-no para proceder ao respetivo pagamento por carta de 27 de Junho de 2014, o que o mesmo se recusou fazer, permanecendo ilicitamente na fração e causando aos demandantes um prejuízo equivalente às rendas que deixaram de auferir desde Dezembro de 2011 à razão de € 512,50 por mês.
2. Regularmente citado, o réu contestou, alegando, no essencial e em síntese, que a invocação pelos autores do vício da nulidade do contrato de arrendamento por falta de observância da forma legalmente prescrita no momento da sua celebração, integra uma situação de exercício abusivo do direito, o que sempre imporia a sua absolvição dos pedidos.
E sustentando que a atuação dos autores configura ainda litigância de má fé, pediu a condenação dos mesmos em multa e indemnização a seu favor e de montante não inferior a €10 000,00.
3. Os autores responderam, sustentando a improcedência do invocado abuso de direito.
4. Teve lugar audiência prévia e nela foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
5. Realizada a audiência de discussão, foi proferida sentença que, na procedência da ação:
i. declarou a nulidade do contrato descrito no ponto 4) dos factos provados;
ii. condenou o réu a restituir aos autores o imóvel descrito no ponto 1) dos factos provados livre e devoluto de pessoas e bens;
iii. condenou o réu a pagar aos autores, a título de indemnização pela ocupação do imóvel, a quantia de €18.450,00 referente ao período decorrido desde Dezembro de 2011 até Dezembro de 2014, acrescida dos montante de €512,50 por cada mês até à data da restituição, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal vencidos, contados desde a data da citação, e vincendos até efetivo e integral pagamento;
iv. absolveu os autores e o réu dos pedidos de condenação por litigância de má-fé.
6. Inconformado com esta decisão, dela apelou o Réu para o Tribunal da Relação de Évora que, através de Acórdão, proferido em 26.04.2018, julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença recorrido nos segmentos i) e ii), ou seja, na parte em que declarou a nulidade do contrato descrito no ponto 4) dos factos provados e condenou o réu a restituir aos autores o imóvel descrito no ponto 1) dos factos provados livre e devoluto de pessoas e bens.
7. Inconformados, com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
« 1o O tribunal recorrido violou o artigo 334° do CC na medida em que decidiu o seguinte: "actua em abuso de direito o senhorio que, sucedendo nesta posição por extinção do usufruto, invoca a nulidade do contrato de arrendamento celebrado há mais de uma década, depois de ter reconhecido o arrendatário como tal, tendo-se a nulidade ficado a dever a falta de licença de utilização do locado, nunca obtida pelos sucessivos senhorios".
2o Na realidade, o arrendatário não paga rendas desde a morte da usufrutuária e não reconhece os senhorios como tal, factos dados como provados nos autos e marginalizados pelo acórdão recorrido.
3o Efectivamente, estes factos demonstram a existência de focos de litigiosidade extremamente intensos entre as partes que inviabilizam a criação de qualquer tipo de confiança.
4o Por isso, os autores não actuaram em abuso de direito e o réu deve ser condenado a restituir o prédio».
Termos em que se requer seja revogado o Acórdão Recorrido e a sua substituição por outro que condene o Réu CC no pedido, a entregar o locado, com todas as consequências legais.
8. Também inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, o réu dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«A) Entre a data do falecimento da usufrutuária DD - dia 12 de Novembro de 2011 - e a interpelação do réu / recorrente para pagamento de rendas - dia 27 de Junho de 2014 - decorreram cerca de três (3) anos;
B) Nesse ínterim, o ora recorrente tomou conhecimento que os A.A. interpelaram EE e FF -14 de Outubro de 2012 - no sentido de procederem ao pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativo aos imóveis com os números de polícia 33, 33A e 35, da Rua …., em …;
C) Sendo certo que o imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o recorrente e EE e FF no dia 19 de Agosto de 2010, era o que tinha entrada pelo número 35, da Rua …., em …;
D) Nesse hiato temporal, o recorrente colaborou sempre de forma estreita e próxima com os A.A., através do seu mandatário, no sentido de ser lograda a constituição do prédio em propriedade horizontal e suportando todas as despesas dai decorrentes;
E) Os A.A. sempre deram nota expressa que a partir do falecimento da usufrutuária, DD, não pretendiam ter quaisquer despesas ou rendimentos com os imóveis com os números de polícia 33,33A e 35, da Rua …., em …, tal como o comprova a carta que endereçaram a EE e FF, em 14 de Outubro de 2012 e o facto de até dia 27 de Junho de 2014 nunca terem manifestado qualquer intenção ou interesse no pagamento de rendas por banda do aqui recorrente;
F) Atenta a postura e comportamento adoptado pelos A.A., o recorrente confiou que em momento ou circunstância alguma, aqueles lhe viessem reclamar o pagamento de rendas pela ocupação do imóvel sito na Rua …., n°….., em , actual Fracção E, organizando a sua vida pessoal e profissional nesse pressuposto;
G) É ostensivamente abusivo o pedido de pagamento de rendas por parte
dos A.A. ao aqui recorrente - Cfr. art.334° do CC;
H) Ademais, tendo o Venerando Tribunal da Relação de … concluído que se mostrava verificada uma situação de abuso de direito por parte dos A.A., a acção instaurada por estes, teria sempre de improceder por referência a tudo quanto peticionado na douta p.i., onde se incluiu o pagamento de rendas alegadamente devidas pelo réu, ora recorrente
I) Por litigarem com manifesta má-fé, os A.A. deverão ser condenados em multa a arbitrar doutamente por V. Exas., considerando a conduta dolosa assumida no âmbito dos presentes autos.
J) E ainda no pagamento de uma indemnização em montante não inferior a 10.000,00 euros, nos termos do disposto no art.543° do CPC
K) O Tribunal violou o correio entendimento e interpretação dos preceitos legais invocados na presente peça recursiva»
9. Ao autores responderam, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1o - O tribunal recorrido violou o artigo 334° do CC na medida em que decidiu o seguinte: "actua em abuso de direito o senhorio que, sucedendo nesta posição por extinção do usufruto, invoca a nulidade do contrato de arrendamento celebrado há mais de uma década, depois de ter reconhecido o arrendatário como tal, tendo-se a nulidade ficado a dever a falta de licença de utilização do locado, nunca obtida pelos sucessivos senhorios".
2o - Na realidade, o recorrente não paga rendas desde a morte da usufrutuária e não reconhece os senhorios como tal, factos dados como provados nos autos e marginalizados pelo acórdão recorrido.
3o - Desde Dezembro de 2011 até à presente data o Recorrente ocupa a fracção E sem nada pagar aos seus proprietários, apesar de ter sido instado, por diversas vezes para o fazer, e sem qualquer título, locupletando-se à custa dos Recorridos e sem os reconhecer como proprietários.
4o - O Recorrente, nas alíneas D), E), e F) das suas conclusões, fala de procedimentos, circunstâncias e comportamentos, que conheceu ou participou como Mandatário de EE e FF e quer agora revertê-los e aproveitar-se desses procedimentos, circunstâncias e comportamentos, como se tivessem sido direccionados para si próprio enquanto cidadão.
5° - Efectivamente, estes factos demonstram a existência de focos de litigiosidade extremamente intensos entre as partes que inviabilizam a criação de qualquer tipo de confiança.
6o - Nunca os Recorridos inverteram a sua conduta para com o Recorrente, quer enquanto Mandatário de DD e FF, quer após o decesso da sua tia DD, a quem sucederam como proprietários do prédio onde o Recorrente era locatário.
7o - Por isso, os autores não actuaram em abuso de direito e o réu deve ser condenado a restituir o prédio e a pagar pela utilização da Fração E que ocupa no dito prédio.
8o - Os Recorridos são os proprietários do imóvel objecto da presente acção, pois não ocorreu qualquer negócio translativo da propriedade.
9o - Qualquer contrato que o aqui Recorrente tenha feito com terceiros não é oponível aos aqui Recorridos, que só conheceram tal contrato quando foi junto a estes autos.
10° - Os Recorridos não...
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