ACÓRDÃO N.º 498/2013
Processo n.º 786/13
Plenário
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
(Conselheira maria de Fátima Mata-Mouros)
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Em autos de apresentação de candidaturas para a eleição autárquica, a realizar no dia 29 de setembro de 2013, Joaquim Manuel de Oliveira Dias, na qualidade de mandatário da lista do Bloco de Esquerda, recorre da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira que julgou o candidato Fernando Luís Milheiro de Pinho Leão elegível em primeiro lugar para a Assembleia de Freguesia União de Freguesias de Santa Maria de Feira, ao abrigo dos artigos 31.º, nº 1 e 33.º, n.º 4, da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, a seguir designada LEOAL).
2. É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Reclamação de 16/08/2013 e resposta de 21/08/2013:
No despacho proferido no dia 14 de agosto de 2013, o nosso Exmo. Colega considerou que o cidadão Fernando Luís Milheiro de Pinho Leão, primeiro candidato à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo, é inelegível, e nessa medida rejeitou a sua candidatura, determinando o consequente reajustamento da lista em causa.
Considerou-se então que uma tal inelegibilidade decorria do preceituado pelo artigo 1º da Lei n.º 46/2005, de 29/08, na medida em que o candidato em apreço exercera já o cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira por três mandatos consecutivos.
Esse despacho foi objeto de reclamação pela lista afetada e foi cumprido o contraditório legalmente previsto.
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Cumpre-nos reapreciar a questão, ao abrigo do preceituado pelo artigo 29º/4 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/08.
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O despacho sob reclamação é claro, fundamentado e corresponde a uma das soluções interpretativas em tese possíveis para o art. 1º/1 da Lei n.º 46/2005, de 29/08.
Não é essa porém a solução que acolhemos e que temos como mais fiel à lei, apesar de todas as dúvidas que possam nesta matéria suscitar-se.
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Os factos a considerar são os seguintes:
O cidadão Fernando Luís Milheiro de Pinho Leão exerce o cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira há três mandatos consecutivos, iniciados em 2001, 2005 e 2009;
A freguesia de Santa Maria da Feira (por efeito da Lei n.º 11-A, de 28/01 e em particular do seu Anexo I) passou a integrar a União das Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo;
c) O cidadão Fernando Luís Milheiro de Pinho Leão apresenta-se como primeiro candidato à eleição para a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo.
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Sendo estes os factos, o problema que se acha em debate é o de saber, perante o preceituado pelo art. 1º/1 da Lei n.º 46/2005, de 29/08, se, tendo exercido durante os últimos três mandatos o cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira, pode agora o mesmo cidadão ocupar o primeiro lugar na lista de candidatura à Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo, que o mesmo é dizer, se pode agora candidatar-se a Presidente da Junta dessa União de Freguesias (cfr. o art. 24º/1 da Lei n.º 169/99, de 18/09).
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Afigura-se-nos que se impõe a prévia compreensão da nova realidade administrativa resultante da reorganização havida.
A agregação de freguesias concretizada pelo Anexo I da Lei 11-A/2013, de 28/01 consubstancia o cumprimento da reorganização administrativa determinada pela Lei n.º 22/2012, de 30/05.
E adentro este último regime, há que destacar que o legislador sublinha sem margem para equívocos que por efeito da dita agregação de freguesias surge uma nova freguesia, uma nova pessoa coletiva territorial, com uma única sede e que integra o património, os recursos humanos, os direitos e as obrigações das freguesias agregadas (artigo 9º/1 e 2 da citada Lei n? 22/2012).
Sendo assim, então há que concluir que os mandatos que o cidadão em causa exerceu reportam-se necessariamente a uma freguesia diversa daquela a que ora se candidata: se foi antes Presidente da pessoa coletiva Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira, agora apresenta-se à eleição para Presidente da pessoa coletiva União das Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo.
Dir-se-á que existe uma coincidência parcial entre a jurisdição da anterior freguesia e a que resulta da reorganização - isso é certo.
Mas é certo também - e reflexamente - que existe uma divergência parcial.
Ora, se o legislador, quando operou a reorganização administrativa, afirmou de modo categórico que da agregação resultava uma freguesia/pessoa coletiva que devia ser tida como nova, entendemos que não pode o julgador, por via de uma certa aplicação da Lei nº 46/2005, de 29/08, atuar como se de uma mesma freguesia se tratasse.
No silêncio da Lei n.º 46/2005, de 29/08 e perante a afirmação expressa constante da Lei nº 22/2012, de 30/05, entendemos pois que devemos para todos os efeitos tratar a União das Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo como uma freguesia diferente da freguesia anterior de Santa Maria da Feira.
De resto, não é necessariamente uniforme a posição relativa, em termos territoriais, populacionais e de desenvolvimento, entre cada uma das freguesias e o novo conjunto resultante da sua agregação numa única.
E dentro dessa lógica, se é certo que pode suceder uma notória preponderância de uma das antigas freguesias em face das demais e desse modo colherem no essencial o seu pleno sentido as razões de cautela e as preocupações que estão na base da lei de limitação de mandatos quando está em causa a eventual eleição do anterior presidente da «junta predominante», também não é menos certo que essas razões não estarão presentes, ou estarão presentes em muito menor escala, se o candidato provier de uma «junta secundária» ou se existir um peso semelhante entre as freguesias agregadas - em todo o caso, o que é facto é que não pode o julgador distinguir aquilo que o legislador não distinguiu.
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Aqui chegados e assente que estamos diante a candidatura a um novo órgão autárquico, o ponto em abstrato a tratar e do qual depende a resposta ao caso concreto é este: pode um cidadão candidatar-se à presidência de uma Junta de Freguesia depois de ter sido nos três mandatos anteriores Presidente de uma outra Junta de Freguesia?
A lei permite-o, já acima o adiantámos - é a nossa posição; vejamos porquê.
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Estabelece o nº 1 do artigo 1º da Lei n.º 46/2005, de 29/08, que «o presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 30 mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.»
Há essencialmente duas orientações em debate: uma diz que a limitação se aplica mesmo quando o cidadão se candidata à eleição para um outro órgão autárquico; outra diz que a limitação se aplica apenas quanto ao mesmo órgão autárquico.
Os princípios a considerar em matéria de interpretação da lei estão consagrados no artigo 9º do Código Civil.
Diz-se no número 1 dessa norma que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Por outro lado, diz-nos a mesma norma, no seu número 2, que «não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal,...