Acórdão nº 498/12.4TTVCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-09-2015

Data de Julgamento22 Setembro 2015
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão498/12.4TTVCT.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I – 1. AA e
BB

Instauraram a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, contra:

- CC, S.A.
- DD e
- EE (EE), S.A.

Formulando os seguintes pedidos:

1. O 1º Autor AA requereu a condenação dos Réus:
* a reintegrá-lo ou a pagar-lhe a indemnização no valor de € 1.354,06;
* a pagar-lhe a quantia de € 1.326,42 de proporcionais de férias e subsídio de férias;
* a pagar-lhe a quantia de € 663,21 de proporcionais do subsídio de Natal;
* a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença;
* a pagar-lhe a quantia de € 129.990,00 a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato;
* a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial e
* a pagar-lhe a quantia de € 28.035,00 a título de lucros cessantes.

2. O 2º Autor BB peticionou a condenação dos Réus:
* a reintegrá-lo ou a pagar-lhe a indemnização no valor de € 4.286,85;
* a pagar-lhe a quantia de € 4.241,78 de proporcionais de férias e subsídio de férias;
* a pagar-lhe a quantia de € 2.120,89 de proporcionais do subsídio de Natal;
* a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença;
* a pagar-lhe a quantia de € 371,771,04 a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato;
* a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial e
* a pagar-lhe a quantia de € 65.700,00 a título de lucros cessantes.

Ambos os AA. pediram, ainda, a condenação dos RR. no pagamento de juros de mora, à taxa legal.

2. Alegaram, em síntese, como fundamento das suas pretensões que:

Foram contratados pela 1.ª R., que é o maior estaleiro de construção naval de Portugal, e se dedica à construção e reparação navais e ao exercício de todas as actividades comercias e industriais com ela conexas, bem como às actividades de indústria e comércio de bens e tecnologias militares, e outras estruturas metálicas, sendo o 2º R. o actual Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré e a 3ª Ré a holding das indústrias de defesa portuguesas cuja actividade consiste na gestão de participações sociais detidas pelo Estado em sociedades ligas à defesa, e que responde por estar numa relação de grupo com a 1ª Ré e com o 2º R., seu Administrador.

Acontece porém que tendo sido contratados pelos RR., no contexto que descrevem nos autos, foram depois despedidos, argumentando os AA. que segundo os próprios RR. declararam não esteve em causa a sua qualidade e competência profissionais, mas tão só o facto de tal medida ter sido imposta por “indicações superiores” vindas do accionista 3ª Ré, e devido a uma “mudança do projecto” do Plano de Viabilidade a que o Estado procedeu, e que foi aprovado pelo Governo, em 6 de Junho desse ano.

Despedimento que teve na sua origem motivos político-ideológicos, pelo que, além de arbitrário e injusto, foi abusivo por violar os mais basilares princípios da boa-fé, tendo-lhes provocado danos de ordem patrimonial e não patrimonial.

Concluem invocando que a figura do período experimental inserida nos contratos foi abusivamente usada pelos RR., que mais não fizeram do que despedir ilícita e injustificadamente os AA., o que, como tal, deve ser declarado com as legais consequências.


3. Seguiu-se a ulterior tramitação processual, com a defesa dos Réus a incidir, no que concerne à impugnação (porquanto também foi deduzida defesa por excepção centrada na ineptidão da petição inicial por falta de indicação do pedido e por contradição entre a causa de pedir e o pedido, e por cumulação de pedidos incompatíveis), no facto de a denúncia dos contratos ter ocorrido no período experimental, nada impedindo que, durante esse período, tal aconteça já que as condições da empresa se agravaram economicamente com desequilíbrios insustentáveis e estruturais que tornaram insustentável a recuperação da empresa e incerto o seu futuro.
Face a tal contexto e às orientações recebidas da Tutela tiveram os RR. que fazer cessar os contratos celebrados, e aqui em causa, o que ocorreu durante os respectivos períodos experimentais, ao abrigo da lei actual que o permite, devido à situação de crise na empresa e à impossibilidade do prosseguimento de tais relações laborais por parte do empregador.
Mostra-se, pois, legitimada a denúncia em face da existência de um período experimental acordado entre as partes e a cessão dos contratos ter ocorrido dentro desse período.
Pelo que, a acção tem de ser julgada improcedente, nada sendo devido aos AA.

4. O Tribunal de 1ª instância julgou improcedentes as excepções deduzidas pelos RR., quanto à ineptidão da petição inicial, e após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido.

5. Inconformados os Autores apelaram para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por maioria e com um voto de vencido, proferiu acórdão julgando improcedente a apelação e mantendo a sentença da 1.ª instância.

6. Insurgiram-se os Autores mediante o presente recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões:

1. A tese consagrada na sentença da 1ª instância no sentido de que o empregador, durante o período experimental, pode despedir o trabalhador livremente, ou seja, por qualquer outro motivo que não o seu desempenho profissional, desde que tal motivo não seja directa e absolutamente proibido por lei, é por completo errónea. Com efeito,
2. O período experimental consagrado no artº 111º do Código do Trabalho é um instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade e em verdadeira “rota de colisão” com a garantia da segurança no emprego, consagrada no artº 53º da CRP.
3. Por isso, ainda que admitindo um período de tempo para o empregador verificar qual é o desempenho profissional do trabalhador e como se insere ele na comunidade organizativa, a Ordem Jurídica portuguesa não pode tolerar que o mesmo período experimental possa servir, não para esta finalidade,
4. Mas para permitir, por exemplo, verdadeiros despedimentos colectivos ou por extinção de postos de trabalho mas sem obrigação de fundamentação dos mesmos despedimentos, da demonstração da veracidade dos respectivos fundamentos, de adopção dos adequados procedimentos formais e do pagamento da competente indemnização.
5. A liberdade do uso pelo empregador do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o referido período experimental não é total nem absoluta, nem pode ser isenta de apreciação e julgamento jurisdicional,
6. Razão por que se se demonstrar – como sucede inquestionavelmente no caso dos autos – que a denúncia teve por base razões (que até podem ser formalmente lícitas e assentes em factos alegadamente verdadeiros) que são inteiramente estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho, verifica-se ou um inquestionável abuso de direito ou a interpretação e aplicação do citado artº 111º do CT numa vertente normativa em que o mesmo padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação do preceito e princípio da segurança no emprego, consagrado no artº 53º da CRP,
7. Pelo que o acto em causa – praticado ou em completa oposição ao fim económico e social para que a Ordem Jurídica concede o direito à sua prática ou em aplicação de norma materialmente inconstitucional – é nulo e de nenhum efeito, com a consequente ilicitude do despedimento dos trabalhadores. Por outro lado,
8. Mesmo a factualidade dada pela sentença recorrida como demonstrada nos autos demonstra que a conduta das RR. violou o basilar princípio da boa-fé, consagrado nos arts. 227º e 762º do CC, contrariando de forma por completo ilícita as legítimas expectativas que com a sua conduta haviam fundadamente criado nos AA.
9. Não é nem pode ser considerado risco obrigatoriamente a ter em conta por uma das partes de um contrato de trabalho que a outra parte seja, por determinação do seu accionista único, obrigada a pôr abruptamente termo ao contrato de trabalho, apenas e tão só porque o novo Governo decide extinguir e liquidar e Empresa empregadora.
10. Mas mesmo que assim fosse, então é óbvio que as consequências para que seria suposto, à luz da conduta exigível ao homem médio colocado na posição dos AA., que estes devessem estar prevenidos seriam as próprias do processo de extinção e liquidação da empresa, com o pagamento de todas as remunerações até ao momento da cessação dos contratos de trabalho e o pagamento das respectivas indemnizações (ou compensações de antiguidade).
11. E a teoria da “contenção de custos”, sobre não ter sido minimamente demonstrada nos autos, bem antes pelo contrário (dadas as despesas que, com a nova administração e nesta nova fase não só não diminuíram como até aumentaram) teria, quando muito, virtualidade para justificar um despedimento por justas causas objectivas,
12. Mas nunca por nunca um totalmente inesperado e injustificado despedimento “ad nutum” dos aqui AA.
13. Deste modo, forçoso se torna concluir que a sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação da lei, consagrando uma vertente normativa do artº 111º do Código do Trabalho frontal, desnecessária, desproporcionada e inaceitavelmente violadora do preceito e princípio constitucional constante do artº 53º da CRP,
14. Padecendo assim de incontornável inconstitucionalidade material, a qual fica ora e aqui desde já arguida para todos os devidos e legais efeitos.
15. Bem como consagrando a aceitabilidade do abuso do direito bem como da violação do basilar princípio da boa-fé, consagrado nos arts. 227º e 762º do Cód. Civil».

Concluíram...

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