Acórdão nº 4932/20.1T8ALM-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-06-2023
Data de Julgamento | 15 Junho 2023 |
Case Outcome | REVISTA PROCEDENTE. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 4932/20.1T8ALM-A.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo nº 4932/20.1T8ALM-A.L1.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).
I - RELATÓRIO.
AA instaurou acção declarativa de condenação com processo comum contra BB.
Alegou essencialmente:
A A. e a R. são filhas de CC.
CC faleceu em .../.../2018, no estado de viúva de DD, pai das aqui A. e R..
Os pais da A. e R. viveram muitos anos emigrados na Alemanha.
Após a reforma passaram a residir com carater de permanência em Portugal, na casa de que eram proprietários sita na Rua ... no ....
Depois do óbito de DD, que ocorreu em ... de ... de 2012, a viúva, CC, continuou a residir naquela sua habitação, contando aqui com o apoio da sua filha ora A., passando também curtos períodos de tempo na Alemanha, em casa da sua filha, aqui R..
Atendendo à idade de CC, a conta bancária com o n.º ...00 aberta na Caixa Geral de Depósitos, passou a ser titulada também pela aqui A..
As movimentações da conta eram efetuadas por CC ou pela A., a solicitação e no exclusivo interesse daquela, para fazer face às necessidades da vida hodierna.
Sucede que em data que a aqui A. não consegue precisar, a supramencionada conta bancária foi encerrada.
CC procedeu à abertura de uma nova conta bancária, com o n.º ...00 junto da Caixa Geral de Depósitos, tendo como segunda titular sua filha BB, aqui R.
Através desta nova conta bancária CC passou a receber mensalmente as suas pensões, de reforma e de viuvez.
Através dos valores nela depositados procedia ao pagamento das suas despesas mensais.
O saldo da conta bancária supra identificado era única e exclusivamente proveniente de rendimentos de CC, pese embora a cotitularidade da R..
A R. constava como titular dessas contas.
Se CC viesse a ficar incapacitada de forma definitiva, haveria assim possibilidade dessas contas serem movimentadas para custear as despesas que fossem necessárias com a falecida.
Acresce que a R. vive na Alemanha, recebe uma pensão de reforma por incapacidade naquele País, não tem quaisquer rendimentos provenientes de trabalho dependente, independente ou outros em Portugal, que lhe permitissem amealhar pecúlio monetário para atestar que metade do saldo da referida conta bancária era sua pertença.
Assim sendo, os valores constantes das referidas contas bancárias eram bens próprios de CC.
Porém, no período compreendido entre 9 de Setembro de 2013 e 2 de Julho de 2018 (data do óbito de CC), a R. efetuou sucessivos levantamentos / transferências para si, no valor total de cerca de € 53.360,00, quer a partir da referida conta à ordem, quer da conta de depósito a prazo, aberta em 9 de Setembro de 2013, com o n.º ...65, cujo saldo foi transferido em 3 de Outubro de 2016 e na totalidade para conta bancária titulada em nome da R. com o n.º ...92, junto do Banco Alemão Uniicredit Bank AG.
A mãe da A. sempre teve para com esta um relacionamento um pouco distante, resultado do facto de ser emigrante na Alemanha, situação que se agravou a partir de Dezembro de 2016, com a ida daquela para a Alemanha a fim de passar o Natal com a R., de onde não mais regressou, tendo vindo aí a falecer, sendo poucas as vezes que se falaram neste período, por impedimento da R.
No entanto, quando CC estava ou viveu em Portugal, a relação entre mãe e filha, ora A., sempre foi saudável e próxima.
Sendo a A. quem a auxiliava quer na execução das tarefas domésticas, compras, higiene pessoal, era a sua companhia diária.
Pelo que, de modo algum, CC demonstrou ou pretendeu beneficiar a sua filha BB, aqui R., em detrimento da sua filha AA, aqui A..
Até porque em determinado momento que antecedeu a ida de CC para a Alemanha, em data que não consegue precisar, mas antes de Dezembro de 2016, aquando da deslocação ao multibanco a A. verificou que a conta bancária tinha € 10.000,00 e uns dias depois esse valor já não estava lá.
Deslocaram-se as duas ao banco e foi-lhes transmitida a informação que os valores foram transferidos para a conta da R..
Confrontada com esse facto, CC disse desconhecer, não ter autorizado as transferências, nem ser sua intenção dar esse dinheiro à BB, porque a ela, acrescentou, também não lhe davam nada.
De imediato a A. contactou telefonicamente o irmão EE e informou-o desse facto.
EE solicitou a BB que revertesse a situação, procedendo à devolução dos valores que tinha levantado/ transferido – o que a R. não fez.
EE é meio-irmão da A. e da R., por parte do pai.
CC tinha-o como um filho e por isso elaborou um testamento em que beneficiou EE, de forma a que os três recebessem a herança em partes iguais.
No entanto a R. quis beneficiar-se a si própria, à revelia da mãe, em prejuízo dos demais herdeiros.
Com as transferências bancárias em causa a R. pretendeu prejudicar a irmã, ora A., retirando da herança um bem que a ela pertencia e pretendeu evitar a partilha desse mesmo bem após a morte da sua mãe.
Assim, através de sucessivas transferências bancárias da conta de CC para a sua, de modo a que, quando esta viesse a falecer, a mesma não apresentasse qualquer valor, a R. subtraiu um bem à herança e à partilha, com o intuito de prejudicar a A..
Os valores transferidos não o foram por CC, nem em seu proveito.
A conta bancária deveria apresentar saldo positivo à data do óbito, não fosse o comportamento da R., que com as sucessivas e faseadas transferências para a sua conta bancária se apoderou de dinheiro que não lhe pertencia e que, por morte da titular, deveria integrar a sua herança e ser objeto de partilha.
A R., embora admita ter feito suas as quantias retiradas da conta bancária da mãe, afirma nada mais haver a partilhar além do imóvel e respetivos móveis.
Subtraídos os saldos bancários, pretensamente doados, ao acervo hereditário, a A. vem defender um direito próprio à quota hereditária.
Por consenso, os herdeiros de CC irão alienar o imóvel e os bens móveis que se encontram no seu interior.
Nenhum saldo de conta bancária foi participado fiscalmente porquanto à data do óbito era inexistente, atenta a conduta dolosa da R..
Cumpre chamar à colação os bens sonegados à herança pela R., para que os mesmos sejam partilhados entre os herdeiros.
Há que aplicar o regime da sonegação de bens, com a sanção civil prevista no art.º 2096.º n.º 1 do Código Civil.
De todo o modo, haverá ocultação de bens que deverão ser chamados à herança, ainda que porventura sem a consequência civil prevista para a sonegação.
Concluiu pedindo:
“- Que seja a Ré condenada a restituir à herança todos os bens na sua posse, no caso o saldo das contas bancárias a apurar-se em execução de sentença.
- Que seja a Ré condenada a indemnizar a herança jacente com o valor das utilidades e faculdades que aquele saldo bancário propiciou e de que a mesma usufrui em exclusividade desde a data da abertura da referida herança até efetiva restituição do mesmo, a ser liquidada em execução de sentença.
- A provar-se a sonegação de bens, que seja reconhecido que a Ré perdeu o direito aos bens sonegados identificados no artigo 19º supra - depósito bancário em benefício dos demais herdeiros de CC”
Regularmente citada, a R. contestou, arguindo a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Referiu neste sentido que:
À data da sua morte, ocorrida em 2 de Julho de 2018, em ..., Alemanha, CC residia habitualmente em ... ..., Alemanha, local onde se encontrava a viver desde Dezembro de 2016, aí tendo o seu centro de vida, onde se encontrava registada no registo de residentes, onde contribuía para as prestações de seguro na doença, onde fazia a sua vida diária e mantinha os seus contactos pessoais e onde foi sepultada.
Ora, nos termos do Regulamento (EU) nº 650/2012 relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, concretamente do seu art.º 4.º, são competentes para decidir do conjunto da sucessão os órgãos jurisdicionais do Estado- Membro em que o falecido tinha a sua residência habitual no momento do óbito.
Desta forma são os tribunais alemães de ... os competentes para decidir dos assuntos relacionados com a sucessão da falecida CC e não o Tribunal português de Almada.
Nos termos do 15.º do citado Regulamento, bem como dos art.ºs 577.º, al. a) e 578.º do C.P.C. a falta de competência internacional é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, levando à absolvição da R. da instância.
Subsidiariamente a R. alegou ainda, a título de exceção, a ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido: tendo a própria A. admitido que as contas bancárias em causa não tinham saldo à data do óbito da de cujus, as quantias movimentadas antes da morte de CC não faziam parte da herança, pelo que nada havia a relacionar, não cabendo causa para petição de bens da herança ou invocação de sonegação de bens da herança ou pedido de restituição de bens à herança.
As transferências foram efetuadas ou por CC ou no interesse e com o consentimento de CC, nomeadamente quando esta decidiu ir viver para a Alemanha juntamente com a R., sua filha, única que dela cuidava.
O relacionamento entre a R. e a sua falecida mãe foi sempre muito próximo.
A falecida CC passava, regularmente, o inverno com a R. na Alemanha, onde residia em casa da R. e mantinha os seus contactos sociais com a R. e o seu marido, vizinhos e outras pessoas da área da residência da R..
De igual modo a R. passava todos os anos as suas férias de Verão com a mãe em Portugal.
Fora esses períodos, a R. falava diariamente com a sua mãe por telefone, assim como zelava pelo seu bem-estar, contactando com os vizinhos para que lhe prestassem a companhia e a assistência necessária no seu dia a dia, designadamente, ajudando-a nas compras, deslocações a médicos, levando-a a passear e recebendo-a em sua casa.
Posteriormente, a R. chegou a...
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