Acórdão nº 492/14.0TVPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão492/14.0TVPRT.P2.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Banco Comercial Português, S.A., demandou o Município de Santarém pedindo a condenação do Réu a pagar ao autor (Banco Comercial Português, S.A.) a quantia de (após redução) de € 662.097,97, fundado na não liquidação das quantias inscritas nas faturas n.os 2 e 11, respeitantes a créditos de que o segundo é titular, por os ter adquirido na execução de um contrato de factoring.

O fundamento da acção é no essencial, o seguinte:

O autor, Banco Comercial Português, S.A. (factor) adquiriu de Sociedade de Construções A..., S.A. (aderente) dois créditos sobre o réu, Município de Santarém (devedor cedido) – tendo já liquidado à aderente o valor de tais créditos, nos limites previstos no contrato de factoring. O objeto da causa encontra-se atualmente reduzido à apreciação do pedido de condenação do réu (Município de Santarém) no pagamento ao autor da quantia de € 662.097,97, fundado na não liquidação das quantias inscritas nas faturas n.os 2 e 11.

Em 18 de Abril de 2016, Apenso A, o Tribunal da Relação do Porto, confirmando decisão de primeira instância, decidiu que o tribunal civil é materialmente para conhecer o pedido formulado.

Em 6 de Dezembro de 2016, o Tribunal da Relação do Porto, revogando decisão de primeira instância, decidiu que, considerando a natureza pública da ré, “a renúncia a excepções e meios de defesa em futura acção não tem cabimento legal, logo é inválida. Na realidade, não pode aplicar-se aos entes públicos os princípios da autonomia da vontade, da liberdade contratual próprios do direito civil sem mais. Deste modo, não pode ter-se como válida a renúncia do Município réu à invocação de quaisquer excepções ou meios de defesa relativamente ao cumprimento da obrigação, havendo de prosseguir o pleito para conhecimento da defesa apresentada”.

A acção esteve suspensa aguardando a sorte da demanda do réu, Município de Santarém, pela aderente no contrato de factoring, Sociedade de Construções A..., S.A. – actualmente pela sua massa insolvente –, perante a jurisdição administrativa (processo n.º 1005/12.4BELRA).

Em face do trânsito em julgado da decisão proferida em tal acção, foram as partes notificadas para produzirem alegações finais por escrito, o que fizeram.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, com os fundamentos invocados, julga-se a ação provada e procedente, condenando-se o réu, Município de Santarém, a pagar ao autor, Banco Comercial Português, S.A., a quantia de 662.097,97 (seiscentos e sessenta e dois mil noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora (vincendos), sobre a quantia de 500.000,00 (quinhentos mil euros), contados desde a data de citação e até efetivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento venha a vigorar por força da portaria prevista no § 3.º do art. 102.º, do Cód. Com.”

O Município de Santarém interpôs recurso de apelação visando a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de11.05.2021, por unanimidade e sem diferente fundamentação, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença.


///

Ainda inconformado, o Réu Município interpôs recurso de revista excepcional, arguindo também a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, tendo concluído a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, em 11.05.2021, que decidiu confirmar a Sentença proferida em 31.08.2020.

B) O Recorrente tem legitimidade, está em tempo, e encontram-se reunidos os requisitos estabelecidos na Lei Processual Civil para a interposição de recurso em geral, e de recurso de revista em especial (cf. art. 671.º, n.º 1, e 673.º, CPC).

C) No presente caso encontram-se ainda verificados os pressupostos de que o n.º 1, alíneas a) a c) do artigo 672.º do CPC, faz depender a admissibilidade do Recurso de Revista, justificando, por isso, a intervenção desde Venerando Supremo Tribunal de Justiça,

D) Pois que não só estamos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, torna a presente revista de importância fundamental,

E) Como perante um quadro em que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito,

F) E, bem assim, perante uma “oposição de julgados”, entre o decidido no Acórdão sob revista e o decidido, por exemplo, pelo próprio Venerando Tribunal a quo, em 28.04.2007, no âmbito do Processo n.º 171/11.0TVPRT.P1 (no que concerne ao Erro de Julgamento de/na apreciação da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring); e no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 26.09.2019, no âmbito do Processo n.º238/17.1T8VLF.C1 (no que concerne ao Erro de Julgamento de/na apreciação da força do caso julgado), como se demonstrou nas presentes Alegações.

G) Neste sentido, e a propósito do pressuposto de existência de “relevância jurídica ou social que torna a revista de importância fundamental”, demonstrou-se que, in casu, se encontra i) uma incorreta decisão relativamente à impugnação da decisão quanto à matéria de facto; ii) uma omissão de pronúncia relativamente à apreciação do Erro de Julgamento de/na apreciação da validade do Contrato de Factoring; iii) e uma incorreta interpretação e aplicação do regime da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring com Recurso e iv) da “força do caso julgado,

H) Que não só suscitam dúvidas na Jurisprudência (v.g. Acórdãos invocados em sede de Recurso que se mostram contraditórios com as decisões proferidas no processo pela 1.ª e 2.ª instâncias),

I) Como apresentam contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasaos limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, podendo representar, assim, uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, já quesemostradeenorme suscetibilidade a ocorrência de Ações para a apreciação: i) da responsabilidade pelo incumprimento de contrato de factoring com recurso, e ii) da (extensão da) “força de caso julgado”, e mesmo iii) da (manutenção da) validade do contrato de cessão em caso de nulidade do contrato principal; impondo-se, por isso, a precisão dos seus regimes em conformidade com a jurisprudência que tem vindo a ser proferida.

J) A propósito da Revista revistar uma “Necessidade de Melhor Aplicação do Direito”, demonstrou-se que, no presente caso, estamos perante erro(s) “manifesto(s) e grave(s)” de interpretação da prova documental autêntica (certidão da Sentença proferida no Processo n.º 1005/12.4BELRA, já transitada em julgado, e junta aos autos por Ofício de 05/01.2018, e Requerimento sob a Ref.ª ...87, apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência, AA, e publicado no portal respetivo), com força probatória plena nos termos do disposto no artigo 371.º, do Código Civil, não ilidida nos termos do artigo 372.º, do mesmo Código;

K) E da prova particular (Contrato de Factoring celebrado entre o Autor/Recorrido e a Aderente, e as missivas de rescisão do mesmo, remetidas por aquele a esta, e juntas aos autos pelo próprio Autor/Recorrente como Documentos n.º 13 e 14, da Petição Inicial) com força probatória plena, nos termos do disposto no artigo 376.º, do Código Civil, porquanto não impugnada e/ou suscitada a sua falsidade, nos termos do artigo 374.º, do mesmo Código.

L) E que, quando devidamente apreciados, sempre ditariam a alteração dos 8.º e 9.º Factos dados como provados, e o aditamento dos 8 Factos cuja inclusão na matéria assente o Recorrente requereu em artigos 11.º a 44.º, das Alegações e alíneas B) a M), das Conclusões do seu Recurso;

M) Mais se demonstrou o erro “manifesto e grave” de/na interpretação da responsabilidade pelo incumprimento do Contrato de Factoring, pois que, no contrato de factoring com recurso, os créditos cedidos ao Factor devem considerar-se retransmitidos ao cedente quando, nos termos desse contrato, vencidos e não pagos pelo devedor, o factor os debita ao cedente,

N) O que, devidamente apreciado no presente caso, sempre reconduziria à conclusão de que, em 10.08.2012, existiu uma retransmissão dos créditos cedidos à Aderente, em função da rescisão do Contrato e do débito do valor dos mesmos na Conta Corrente da Aderente, materializado no acionamento da Livrança em branco subscrita por aquela,

O) E, por conseguinte, à decisão de que o Autor/Recorrido careceria de ilegitimidade ativa ou falta de direito para cobrar a presente divida junto do Réu/Recorrente, devendo este ser absolvido da instância (cf. artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, n.º 1, alínea e), e 578.º, do CPC), ou absolvido do pedido (cf. artigo 576.º, n.º 1 e 3, e 579.º, do CPC), em consequência da procedência daquela exceção dilatória de conhecimento oficioso.

P) Mais se demonstrou o erro “manifesto e grave” de/na interpretação da figura de “autoridade de caso julgado”¸ pois que, esta só ocorre na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não foi definido no caso julgado anterior, assim sucedendo quando na primeira ação não sejam invocados factos e não tenha resultado provado (por não alegado) a fundamentação do direito invocado,

Q) O que, devidamente apreciado no presente caso, sempre reconduziria à conclusão de que, no presente caso, a “autoridade do caso julgado” não pode obstar a que no presente processo seja decidido a questão da sobrefaturação inscrita nas facturas n.º 2 e 11, quando a mesma não ficou definida no caso julgado dos autos n.º 1005/12.4BELRA.

R) Por conseguinte, demonstrou-se existir uma “oposição de julgados” entre o decidido no Acórdão sob revista e o decidido pelo próprio Venerando Tribunal a quo, em 28.04.2011, no âmbito do Processo n.º 171/11.0TVPRT.P1 (1.º Acórdão Fundamento junto como Doc. 1), no que concerne à...

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