Acórdão nº 4908/18.9T8OER.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-09-2020

Data de Julgamento23 Setembro 2020
Número Acordão4908/18.9T8OER.L1-3
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 12 de Maio de 2020, no processo de internamento compulsivo nº 4908/18.9TBOER Juízo Local Criminal de Oeiras, Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi determinado o arquivamento do processo, por não se verificarem os pressupostos da Lei de Saúde Mental de que depende o internamento compulsivo e o tratamento compulsivo em regime ambulatório da requerida AM_____.
Inconformado com esta decisão, o requerente PM_______ interpôs recurso desta sentença, com as seguintes conclusões:
A. O Requerente não se conforma com a decisão de arquivamento dos autos, razão pela qual vem interpor o presente recurso.
B. Aplicando-se à sentença as regras do CPP, por remissão do artigo 9º da LSM, aquele prevê, no artigo 379º nº 1, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º, do mesmo diploma.
C. O nº 2 do artigo 374º do CPP refere a necessidade de fundamentação da sentença, na qual se inclui a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
D. A sentença em questão não enumera os factos provados e não provados.
E. É impossível saber em que factos se baseou o Tribunal a quo para prolação da decisão sub judice, porque a mesma não os enumera, tornando-se, por isso, também impossível defender a lógica e a adequação da sentença.
F. É igualmente nula a sentença, devendo a mesma ser revogada, porquanto a avaliação clínico-psiquiátrica feita no âmbito dos autos é, em parte, omissa, pelo que se deve considerar por não realizada.
G. A avaliação clínico-psiquiátrica é omissa, na medida em que a tramitação processual plasmada na LSM apresenta como obrigatória a avaliação clínico- psiquiátrica (cfr. art.º 16.º da LSM) e, no caso dos presentes autos, essa avaliação omite qualquer aferição dos pressupostos técnico-científicos que o nº 2, do artigo 12.º da LSM prevê, sendo eles a: (i) existência ou inexistência de discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento; e (ii) possibilidade da ausência de tratamento deteriorar de forma acentuada o estado da internanda.
H. A avaliação clínico-psiquiátrica nada diz sobre estes requisitos legais para aplicação da LSM, os quais, naturalmente, só poderão ser atestados cientificamente, ao contrário dos requisitos previstos no nº 1 do artigo 12º da LSM, cuja aferição pertence à juíza (com excepção da doença e, talvez, da classificação da mesma como “grave”).
I. Há ainda nulidade da sentença, uma vez que o tribunal a quo dispensou um exame solicitado numa primeira fase pela junta médica, no primeiro relatório emitido a 16 de Abril de 2019 (e aconselhado novamente a 24 de Março de 2020, pela mesma junta): exame de doseamento plasmático de Risperidona.
J. Seria fundamental a realização deste exame, o qual permite medir o nível de Risperidona no sangue, para saber se a Requerida estaria ou não estaria a tomar o medicamento aquando da avaliação clínico-psiquiátrica,
K. Bem como aquando da realização dos demais exames feitos posteriormente (nem todos no âmbito destes autos, mas todos referidos na sentença).
L. No entanto, conforme refere a própria sentença, o exame não se fez porque o tribunal não o considerou necessário (e não por impossibilidade).
M. Esqueceu-se, com o devido respeito, o tribunal recorrido que se o exame é ludibriável para a toma, não é ludibriável para o contrário - isto é, pelo menos permite ter a certeza que uma pessoa não toma o medicamento
N. E tal questão é de fundamental importância, na medida em que se o tribunal recorrido considerou dispensável o referido exame, não pode ao mesmo tempo admitir como certo que a Requerida não estava sob o efeito da Risperidona, quando foi submetida, a 12 de Setembro de 2019, a mais uma avaliação de urgência.
O. É ainda nula a sentença recorrida, porquanto o Ministério Público não se pronunciou, ausentando-se na sua obrigação de apresentar alegações na Sessão Conjunta.
P. Por tudo o exposto, requer-se seja declarada a nulidade da decisão sub judice, com as devidas e legais consequências.
Q. Ainda que não haja nulidade da sentença recorrida, o que não se concede, sempre a avaliação clínico-psiquiátrica deveria ser repetida, uma vez que: (i) foi defraudada pela Internanda e (ii) é contraditória.
R. Tal como admitido pela Requerida na Sessão Conjunta, bem como explanado na sentença proferida, a Internanda apenas tomou o anti-psicótico prescrito, Risperidona, pelo tempo necessário para decorrerem as duas entrevistas feitas pela junta médica.
S. A Requerida admitiu, conforme resulta das gravações, que começou a tomar Risperidona pouco antes da primeira entrevista e deixou de tomar depois da segunda.
T. O que significa que a Requerida estava medicada quando foi avaliada, tendo deixado de se medicar, logo de seguida.
U. O problema não está em que a Requerida se medique (o que é pretendido, até), mas que o faça com o intuito de ludibriar a avaliação psiquiátrica.
V. A avaliação está irremediavelmente enviesada, por defraudada pela própria Internanda.
W. E de nada vale o argumento de que, em Setembro de 2019, no âmbito de outro mandado de condução para internamento de urgência, a Requerida foi avaliada sem estar alegadamente a tomar Risperidona.
X. Em primeiro lugar, sem o exame de doseamento plasmático de Risperidona, solicitado numa primeira fase pela junta médica (relatório de 16.4.2019), não é possível saber se a Requerida estaria ou não a tomar a medicação prescrita.
Y. Em segundo lugar, esta avaliação de urgência (feita em 12.9.2019) teve origem no processo tutelar dos menores que corre termos no Juiz 3, do Tribunal de Família e Menores de Cascais, no âmbito do processo de promoção e protecção tutelar dos menores, com o nº de processo 1721/19.0T8CSC, o qual nada tem que ver com os presentes autos.
Z. Em seguida, é fundamental não confundir a aplicação dos mecanismos legais, pois a avaliação dos pressupostos dos internamentos de urgência é diferente da avaliação feita na avaliação clínico-psiquiátrica prevista no artigo 16º da LSM.
AA. Os pressupostos para os internamentos de urgência (artigos 22º e seguintes da LSM) são diferentes daqueles que se discutem num internamento “comum” (artigos 12º e seguintes da LSM).
BB. Pelo que é falacioso valorar a avaliação do médico de serviço, que observa a pessoa conduzida à urgência (para aferir se esta deve ficar imediatamente internada), da mesma maneira que se valoriza a avaliação clinico-psiquiátrica feita por uma junta médica nomeada para o efeito ao abrigo do artigo 16º da LSM.
CC. Ainda assim, diga-se que esta avaliação (feita em 12.9.2019) voltou a diagnosticar a Requerida com uma psicose (“Diagnostico: 2989 - PSICOSE SOE’), como se pode consultar no preâmbulo da mesma.
DD. A referida avaliação clinico-psiquiátrica sabendo que a Risperidona lhe tinha sido receitada pelo seu médico assistente, corroborou essa prescrição e mandou manter o tratamento prescrito - 3mg/dia.
EE. Sucede que a Requerida, imediatamente a seguir à segunda e última entrevista realizada na avaliação clinico-psiquiátrica, deixou de tomar o medicamento, mesmo depois do que ficou novamente prescrito,
FF. Pelo que é forçoso concluir que a mesma apenas começou a tomar para passar pelas entrevistas a que ia ser submetida, bem sabendo que deixaria de o fazer assim que estas terminassem.
GG. A avaliação fica, assim, comprometida, sendo agora certo que o exame de doseamento plasmático de Risperidona deveria ter sido feito, não se percebendo por que razão o tribunal recorrido o dispensou.
HH. Além do mais, a avaliação clinico-psiquiátrica, além de feita retalhadamente e sem uma descrição clara daquilo que a mesma conclui, parece até ser contraditória.
II. Com efeito, com data do dia 16 de Abril de 2019, a junta médica designada para a avaliação clínico-psiquiátrica começa por referir não haver critérios para internamento de urgência (artigos 22º e seguintes da LSM).
JJ. Repete-se que os pressupostos para os internamentos de urgência (artigos 22º e seguintes da LSM) são diferentes daqueles que se discutem num internamento “comum” (artigos 12º e seguintes da LSM).
KK. Em seguida, os médicos que escreveram este primeiro relatório, de 16 de Abril de 2019, a seguir a terem duas entrevistas com a Internanda, ora Recorrida, consideram que “Devido à complexidade do quadro” seria melhor realizar uma Avaliação Psicológica
LL. E um exame adicional (doseamento plasmático de risperidona), a realizar no Hospital D. Estefânea.
MM. Sucede que a mesma junta médica que solicita o referido exame adicional emite um relatório final, firmado a 11 de Outubro de 2019, sem que o exame tivesse sido feito.
NN. Se o exame foi considerado necessário e não havia disponibilidade imediata para o fazer, no Hospital D. Estefânea, nada justifica que se ignore a importância da realização do mesmo e se prossiga com a avaliação clínico-psiquiátrica, sem mais.
OO. Em seguia, no referido relatório de 11 de Outubro de 2019, no campo Diagnostico Provisorio/Medidas Terapeuticas (sua fundamentação), a junta médica conclui por haver “Episódio psicótico inaugural’, dando indicação para “manter o tratamento prescrito - risperidona, via oral, 3 mg por dia”.
PP. Daqui, qualquer pessoa retira que o diagnóstico confirma a existência de uma psicose e que a medida terapêutica aconselhada passou pela manutenção da toma de um anti-psicótico.
QQ. Sucede que, logo a seguir, no campo Conclusão, os mesmos médicos, que diagnosticam a psicose e aconselham a toma de um anti-psicótico, vêm considerar não justificado o internamento, por haver ausência
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