Acórdão nº 49/09.8JACBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-09-2017

Data de Julgamento06 Setembro 2017
Case OutcomeINDEFERIDO
Classe processualHABEAS CORPUS
Número Acordão49/09.8JACBR.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


I. – RELATÓRIO.

AA, requereu, ao amparo do disposto nos artigos 222º e 223º do Código de processo Penal (CPP), providência excepcional de Habeas Corpus, com os fundamentos que a seguir quedam transcritos na íntegra.
I - Como já se referiu no intróito do presente requerimento, pretende o arguido esgrimir este mecanismo legal contra a execução da pena de prisão consubstanciada no mandado de detenção, também já aludido.
II - Na verdade, tal circunstancialismo plasma uma situação de manifesta ilegalidade que, em homenagem ao valor da liberdade, cumpre remediar com os carácteres de premência e urgência que as ameaças ao sobredito valor inequivocamente postulam.
III - Com efeito, o Mmº. Juiz entendeu ordenar a emissão de mandato de captura visando o requerente, por julgar transitado em julgado o Acórdão proferido em primeira instância, que aplicou ao arguido pena de prisão. Ora, é o mencionado despacho o inelutável factor que potencia a espécie de decisão que agora se ataca, que, com efeito, pensa-se que a emerge passível de inculcar alguma - indesejável - confusão conceptual.
IV - Desde logo, resulta incompreensível para um observador da tramitação processual seguida nestes autos a razão por que o presente processo é despachado em férias; na verdade, o inciso legal contido no artigo 103º, n.º 1, e diversas alíneas do n.º 2, não admite a original procedimentalidade adoptada nos presentes autos, desconhecendo-se a motivação que determinou a pressa para proferir tal despacho,
V - Já que inexiste qualquer condicionalismo que justifique que, atrabiliariamente, o presente processo tenha passado a correr em férias judiciais.
VI - Até porque, diga-se, tal só agora se veio a verificar...
VII - Todavia, não é esse, de facto, o cerne do problema; com efeito, esse assenta, exactamente, no alegado trânsito em julgado da decisão.
VIII - Na verdade, atente-se no dispositivo do Douto Aresto (também citado na promoção do MP que subjaz à decisão que se visa por em crise), onde se decide:
“1. Em julgar improcedente o recurso do arguido AA, com excepção do decidido em 3.
2. Em, ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, do Código de Processo Penal, declarar nula a sentença na parte em que não se pronunciou quanto ao destino dos valores em numerário que foram entregues ao arguido AA nas circunstâncias que correspondem à comissão dos crimes de concussão e corrupção.
3. Em consequência do decidido em 2., fica prejudicado o conhecimento do recurso do Ministério Público bem como do recurso do arguido na parte referente à perda de bens".
IX - Ou seja, do que está escrito flui, inexoravelmente, que o Acórdão tirado na primeira instância foi declarado nulo, por omissão de pronúncia, ao abrigo da al. c) do artigo 379º do CPP.
X - Desde logo, será manifestamente inovador - e factor de indiscutível perplexidade - que estando a decisão afectada pelo vício da nulidade se tenha conhecido, previamente a essa questão formal - de outras de natureza substantiva.
XI - Efectivamente, e ao contrário do que consta do despacho judicial na senda da promoção do titular da pretensão punitiva do Estado, a questão que foi credora da declaração de nulidade não é cindível da materialidade especificamente penal,
XII - Na medida em que diz respeito a questões matricial e eminentemente penais, dado que contendem com a "liquidação alargada" ou o funcionamento do disposto nos artigos 109º a 111º do Código Penal.
XIII - Ou seja, não nos encontramos na presença de qualquer matéria que respeite a área menos “nobre” da procedimentalidade, designadamente por se tratar de um tal ou qual enxerto cível.
XIV - Sendo esse o caso, de facto, já a cisão operada faria algum sentido, uma vez que até tem um referente legal respeitante à possibilidade de existir trânsito em julgado da questão cível independentemente de ocorrer igual efeito no que tanja à problemática intrinsecamente penal.
XV - Adquire, por isso, perspícua linearidade que o arguido está preso por facto pelo qual a lei não permite tal espécie de efeito.
XVI - Efectivamente, a motivação para a emergência do mandado de detenção assenta, exactamente, no alegado trânsito em julgado da decisão condenatória - o que, como já se examinou, é algo de absolutamente insustentável.
XVI - Ora, atento o enquadramento constitucional e legal da privação de liberdade do nosso sistema judicial, designadamente no que tange àquilo que, de alguma forma imprecisamente, o artigo 222º do CPP chama de "prisão", só pode emergir em duas situações taxativamente delimitadas na lei:
a) prisão preventiva - susceptível de ser determinada nos termos plasmados no artigo 202º do CPP; e
b) prisão efectiva - que pressupõe a força executiva da decisão, adquirida apenas com o seu trânsito em julgado (artigo 467º, n.º 1, do CPP).
XVII - Nestes termos, reitera-se, a inexistência de trânsito em julgado do douto Acórdão condenatório – o que implica, necessariamente, a absoluta ausência de força executiva do mesmo, coenvolvendo a manifesta ilegalidade da prisão aplicada.
XVIII - Assim, é inteiramente justificável o deitar mão do habeas corpus face à redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 222º do CPP.
XIX - Todavia - o que só pela sempre recorrente cautela de patrocínio se admite - mesmo que assim se não entenda, sempre se terá de levar em conta a verdadeira essência da presente providência.
XX - Para dizer com Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. I, 4ª Edição, Coimbra Editora 2007, p. 517) "O habeas corpus aproxima-se, por vezes, de um modo de recurso em processo penal, o que justificará a sua legitimidade com base em nulidade do processo ou na violação de pressupostos jurídico-normativos (constitucionais ou legais) da determinação ou manutenção da prisão preventiva. A Constituição não estabelece, nem configura a providência de habeas corpus como uma providência extraordinária (...)".
XXI - É que o habeas corpus tem de ser visto, antes de mais, como um sublinhado expedito da valia intrínseca da liberdade e como o remédio absolutamente necessário para colmatar ataques desproporcionais a tal bem fundamental. Por isso, a intencionalidade constitucional que lhe subjaz não se deixa apreender por critérios estritamente adjectivos mas antes se alcandora a valores verdadeiramente substantivos da vida em sociedade.
XXII - Assim, o habeas corpus, transcendendo o carácter de "meio formal", surgirá na sua imanente índole de bastião efectivo da liberdade, enquanto meio eficaz de esconjurar agressões ilegais a tal direito subjectivo.
Termos em que, dada a manifesta ilegalidade da decisão que determinou a passagem dos mandados de detenção, atenta a circunstância destes terem surgido num condicionalismo exprobrado pela Lei, ao abrigo, pois, da alínea b) do n.º 2 do artigo 222º do CPP, após a tramitação descrita no artigo 223º do mesmo diploma, deve ser concedido o habeas corpus e, consequentemente, devolvida ao requerente a liberdade.”
Na informação em que se concentra o artigo 223º do Código Processo Penal, o Senhor Juiz, aduziu, precipuamente, os sequentes motivos para o tema em apreço.
O arguido AA veio apresentar o presente habeas corpus alegando, em síntese, que o Acórdão que o condenou ainda não transitou em julgado.
Importa, então, prestar a informação a que alude o arguido 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
O arguido foi condenado por este tribunal na pena única de 7 anos de prisão.
O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu julgar improcedente o recurso do arguido AA, declarando, no entanto, nula a sentença apenas na parte em que não se pronunciou quanto ao destino dos valores em numerário que foram entregues ao arguido AA.
Este arguido, notificado deste Acórdão, veio pedir a sua aclaração para ver esclarecido se o mesmo era imediatamente exequível na parte do Acórdão já confirmado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
A Relação de Coimbra, por despacho de fls. 4893, manteve a decisão proferida, afirmando que o recurso foi julgado improcedente, exceto na parte referente à perda de bens.
Com base nestas decisões transitadas em julgado, o tribunal de 1.ª Instância concluiu, e bem, em nossa modesta opinião, que a condenação criminal do arguido tinha transitado em julgado e, consequentemente, ordenou a emissão de mandados de detenção e condução ao E.P., que vieram a ser cumpridos.
Do que fica dito resulta, em nossa opinião, que a prisão deve ser mantida.”
I.a). – Questão
O fundamento da petição de habeas corpus radica numa situação de ilegalidade de prisão do arguido/condenado, adveniente, para o peticionante, de uma errada e destituída apreciação jusprocessual do acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, e por não ser possível estabelecer uma situação de validade de um aresto que foi (parcialmente) declarado nulo.
II. – FUNDAMENTAÇÃO.
II.a). – Elementos pertinentes para a decisão.
1. – O arguido, AA, foi condenado, por decisão proferida no primeira (1ª) instância, pela prática de (em síntese):
- Um crime de falsificação, na forma continuada, na pena de dois (2) anos de prisão;
- Um crime d concussão na forma continuada na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão;
- Três (3) crimes de corrupção para acto ilícito, nas penas, respectivamente, de três (3); dois (2) anos e seis (6) meses; e dois (2) anos de prisão;
- Dois (2) crimes de corrupção para acto licito, nas penas de, respectivamente, nove (9) meses e seis (6) meses de prisão;
- Dois (2) crimes de abuso de poder, nas penas de, respectivamente, um (1) anos e três (3) meses e um (1) ano e seis (6) meses de prisão;
a que foi feito corresponder a pena única de sete (7) anos de prisão.
2. – Por decisão prolatada, no dia no tribunal da Relação de Coimbra, foi decidido (sic):
julgar improcedente o recurso do arguido AA, com exceção do decidido em 3.;
2) Em, ao abrigo do disposto no art. 379º, nº 1, alínea c), do Código de
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