Acórdão nº 487/19.8PALSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 23-11-2023

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Case OutcomePROVIDO EM PARTE.
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão487/19.8PALSB.L2.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Recurso Penal


NUIPC 487/19.8PALSB.L2.S1


Acordam os Juízes, em conferência, nas secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça


Relatório


1.No Juízo Central Criminal de ... (J.) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido, AA, fora condenado por acórdão de 02/11/2022, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 6 (seis) crimes de violência doméstica, nas pessoas da cônjuge BB, e dos filhos CC, DD, EE, FF e GG, na pena única de 7 anos e 10 meses de prisão e nas penas acessórias de proibição de contactos com as vitimas por 5 anos com fiscalização por meios de controlo à distância e obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica sob controlo da DGRSP.

Relativamente ao pedido cível deduzido pela Assistente/Demandante, BB, por si, e na qualidade de representante legal dos seus filhos, Demandantes nos autos, o tribunal coletivo condenara o arguido a pagar-lhes as seguintes importâncias a título de indemnização por danos não patrimoniais as seguintes quantias, já devidamente atualizadas, nos termos do art. 566º, nº2, do Código Civil):

- € 10.000 (dez mil euros), quanto à demandante BB;

- € 20.000 (vinte mil euros), quanto ao demandante CC;

- € 16.000 (dezasseis mil euros), quanto ao demandante DD;


-€ 12.000 (doze mil euros), quanto à demandante EE;


-€16.000 (dezasseis mil euros), quanto ao demandante FF; e


- € 14.000 (catorze mil euros), quanto ao demandante GG. (…)”.


2. Inconformado, o arguido interpôs recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu parcial provimento ao recurso, alterando a decisão do tribunal coletivo de 1ª instância nos seguintes termos:


«a) Reduz[iu] as penas parcelares aplicadas ao recorrente para as seguintes medidas:


- A pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima a assistente BB;


- A pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor CC;


- A pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor DD;


- A pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima a menor EE;


- A pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor FF;


- A pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática do crime de violência doméstica que teve por vítima o menor GG.


b) Fix[ou] a pena única para 5 (cinco) anos de prisão.


c) Suspende[u] a pena única de 5 (cinco) anos de prisão na sua execução, mediante a


imposição ao recorrente do dever de pagar aos demandantes, os valores que foram fixados


a título de indemnização, no prazo de dois anos, ao abrigo do disposto no art. 51.º, nº 1, al.


a) do CP.


d) Condicion[ou] a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido,


ainda, à regra de conduta de o recorrente não proceder a qualquer contacto, da sua


iniciativa, com os filhos, ficando excluído desta regra o filho CC que com o recorrente vive, tudo ao abrigo do disposto no art. 52.º do CP.


e) Mant[eve] a aplicação ao recorrente da pena acessória de proibição de contactos com as vítimas, embora apenas no sentido de o recorrente não proceder a qualquer contacto da sua iniciativa com a assistente e com os filhos menores de idade, ficando excluído desta regra o filho CC que com o recorrente vive, e sem sujeição a vigilância eletrónica.


f) Reduz[iu] a indemnização civil para os seguintes valores:


- € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), quanto à demandante BB;


- € 3.000 (três mil euros), quanto a cada um dos demandantes, CC, DD, EE, FF e GG, pelo que se fixa a indemnização global devida pelo recorrente aos demandantes, num total de € 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos euros), (ipsis verbis) valor que inclui a indemnização por dano patrimonial devida à assistente.»

3. Inconformada com a decisão do TRL a Assistente/Demandante, BB, por si e na qualidade de representante legal dos seus filhos, todos demandantes nos autos, interpôs o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

« A. O presente recurso vem interposto do Acórdão dos autos, na parte em que decidiu alterar a


sentença de primeira instância, reduzindo o valor atribuído aos Assistentes/Demandantes a título de indemnização civil pelos danos não patrimoniais em que o Recorrido foi condenado (cfr. F) do dipositivo decisório).


B. A decisão é recorrível, nos termos conjugados dos arts. 400, nº 2 e nº 3 do CPP e 403º, nº 1 e


nº 2, al. b) do CPP.


C. Em sede de primeira instância, o tribunal havia condenado o arguido ao pagamento de uma


indemnização aos Demandantes no montante global de € 89.000,00, o que o Tribunal a quo decidiu


agora reduzir para um total de € 18.500,00.


D. À Recorrente atribuiu € 2.500,00; e a cada um dos filhos € 3.000,00.


E. Fê-lo de forma injusta e de acordo com um critério que não é equitativo, não relevando


devidamente, e de forma distinta, os factos provados a título de danos sofridos por cada um dos


Demandantes, e equiparando liminar e tabelarmente o sofrimento por que todos passaram.


F. Recorrente e Recorrido viveram 16 anos de uma violenta vida conjugal, que foi a vida toda dos


menores, que não conheceram outra realidade.


G. À data da separação, os Demandantes filhos tinham respectivamente 15, 14, 12, 10 e 8 anos.


H. Conforme ficou provado, a Assistente e os seus filhos foram vítimas de actos de violência física


e psicológica diários por parte do arguido, e durante todas as suas curtas vidas.


I. Uma pessoa que se aproveitou da debilidade e fragilidade dos mesmos e quando especiais


deveres de respeito lhe impunham o contrário.


J. Os menores são pessoas instáveis, e crianças com perturbações decorrentes dos maus tratos a


que foram sujeitos, todos seriamente traumatizados e precisando de muito apoio psicológico (a que o


arguido sempre recusou aliás dar consentimento)


K. Os actos do arguido são de uma gravidade tal que justificavam a medida indemnizatória com a densidade que havia sido anteriormente produzida.


L. Actos do arguido que tiveram início quando o filho mais velho tinha apenas 8 meses de idade !


M. O Tribunal recorrido alterou o valor indemnizatório, apesar de como referiu se manter “como assente a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida”.


N. E apesar de, igualmente, ter mantido como provados os factos relativos ao pedido de


indemnização civil, e apesar de considerar que o arguido deve «serresponsabilizadopelatotalidadedos


danossofridospeloslesados».


O. Porque, no entender do tribunal a quo, os valores fixados na sentença de primeira instância,


eram “superiores à média do que tem sido atribuído em situações de gravidade idêntica ou até de maior


gravidade.”


P. A gravidade dos actos perpetrados pelo Arguido é enorme por se tratar de marido e progenitor


dos lesados, aproveitando-se do ascendente moral e da força física que possui(a), e da consequente


vulnerabilidade das vítimas, para as agressões que perpetrou.


Q. Fixar uma indemnização num valor inferior ao da primeira instância e no montante de 2.500


euros / 3 mil euros, é degradar o respeito que as vítimas merecem, e constitui uma verdadeira negação


da Justiça.


R. O Tribunal a quo refere, para efeitos de graduação da pena única de prisão, que «osfactos,apesardegraves,nãoserevestemdegrandeviolência» (cfr. pág. 94 do Acórdão).


S. Mas leiam-se os factos provados. Não são de “grande violência” ?


T. Não é grande violência bater num filho de 8 meses ? Ou fazê-lo embater no parapeito de uma


janela ? ou fazê-lo tombar numa banheira ? ou levantar do chão os menores puxando-os pelos cabelos


e orelhas ? ou bater num filho de 4 anos porque riscou uma parede ? ou porque não compreendeu a


matéria escolar ? Ou bater num filho porque um livro está no chão ? Ou chamar nomes diariamente a


uma filha e bater-lhe ? Ou bater com chinelos ? Ou com a lombada de um livro.


U. E não é “grande violência” injuriar diariamente a mulher ou humilhá-la despejando um caixote


de lixo depois de esta ter limpo o chão, ordenando-lhe que voltasse depois a limpá-lo ? Ou recusar-lhe


apoio e assistência quando a mesma sofreu um aborto, dizendo-lhe que a mesma era uma “má cristã”, por chorar a morte do filho que perdera ? E bater-lhe ?


V. Considerando a elevada ilicitude da conduta do arguido, a elevada culpabilidade do arguido, a


idade dos Demandantes, a relação familiar dos Demandantes com o arguido, o total desprezo pelos


laços de filiação que o unem aos Assistentes filhos, e as consequências na vida, presente e futura, dos


Ofendidos, nos termos dados como provados, deveria o Tribunal (pelo menos) ter mantido a condenação do arguido nos valores anteriormente fixados em primeira instância.


W. Até porque o Tribunal recorrido não teve dúvidas de que «oarguido,mesmoapóstercumpridoalgunsmesesdeprisãopreventiva,nãoassumeagravidadedosatosquepraticoucontraasuaesposaefilhos,oqueéreveladorquantoàsuapersonalidadecontroladora,ondefalta,ainda,adevidaconsideraçãopeladignidadedasvítimas.» (cfr. pág. 97 do Acórdão recorrido).


X. A gravidade do que fez também deveria ter uma consequência prática (e substantiva) no valor indemnizatório fixado para compensar as vítimas pelos anos de grande violência a que o arguido as submeteu.


Y. Ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo, a condenação a título indemnizatório deve


ser forte, severa e não complacente com os comportamentos perpetrados pelo arguido, só assim


podendo minorar os danos que os Demandantes sofreram. Porque apagar não pode.


Z. O critério do tribunal...

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