Acórdão nº 4867/08.6TBOER-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-03-2013

Judgment Date14 March 2013
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Procedure TypeREVISTA
Acordao Number4867/08.6TBOER-A.L1.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA, sediada em França instaurou, em 17/07/08, junto do Juízo de Execução de Oeiras, contra BB, L.da, e contra CC e esposa, DD, casados sob o regime de separação de bens, ação executiva para pagamento pela 1ª executada da quantia de € 2.083.189, a título de capital, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, computando os juros vencidos em € 107.271,11, e pelos segundos executados, na qualidade de fiadores, da quantia de € 1.000.000, com base no acordo de regularização de dívida, resultante de aquisição de algumas mercadorias, conforme documento redigido em língua francesa datado de 03/08-07, acompanhado da respetiva tradução em português, reproduzidos a fls. 814-844, dívida essa, por sua vez, emergente de um contrato de franquia de produtos de marca M........., celebrado em 19/09/2002, entre a 1ª executada, na qualidade de franquiada, e a sociedade EE, S.A., como franquiadora, mas que transmitira esta posição à ora exequente.

Indica à penhora nove estabelecimentos comerciais de pronto-a-vestir da executada BB e os bens móveis que sejam encontrados na sede da mesma, todos eles sitos em Portugal, bem como uma quota social da mesma executada (fls. 796 a 801); indica ainda os bens móveis que sejam encontrados na residência em Portugal dos 2.os executados e uma quota social de cada um deles (fls. 795 e 800).

Citada, a executada BB deduziu, em 04/11/2008, oposição à execução, alegando, em síntese, os seguintes fundamentos:

O tribunal português demandado é territorialmente incompetente para a presente execução, porquanto, no acordo que lhe serve de base, celebrado em França e em língua francesa, foi inserida uma cláusula de foro, pela qual, em caso de litígio sobre a interpretação ou execução das presentes disposições, as partes atribuem de forma expressa competência ao Tribunal de Comércio de Paris;

Essa cláusula traduz-se num pacto privativo de jurisdição dos Tribunais portugueses para as ações executivas emergentes daquele acordo, tanto mais que este envolve prestações recíprocas entre as partes;

O referido documento é ainda desprovido de força executiva, por respeitar a um acordo celebrado em França, redigido em língua francesa, no qual uma das partes intervenientes tem sede naquele país, sendo-lhe, por isso, aplicável a lei francesa;

Nessa medida, o referido documento não integra o conceito de título executivo conforme o previsto nas alíneas do artigo 3º da lei francesa n.º 91-650, de 09/07/1991, já que, para tanto, carecia de aposição de fórmula executória, o que não se verifica;

Mesmo que assim não fosse, muito embora se trate de um documento particular a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 46º do CPC, o acordo dele constante estabelece obrigações recíprocas para ambas as partes, em que o cumprimento por parte da exequente assume uma interdependência fulcral face ao cumprimento da obrigação da 1ª executada, não sendo, pois, a obrigação exequenda susceptível sequer de se tornar exigível por via do mecanismo previsto no artigo 804º do CPC;

Por outro lado, tratando-se de um documento exarado em país estrangeiro, a sua exequibilidade em Portugal depende de legalização;

E, embora aquela espécie de documento não se encontre formalmente incluída no reconhecimento e forma de atribuição de executoriedade previstos nos artigos 53º, 55º e 57º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/00, devem estas disposições ser-lhes aplicáveis por identidade de razões, o que, não tendo sido observado, importa a sua inexequibilidade;

A par disso, sucede que, após vicissitudes várias ocorridas no âmbito da relação comercial entre exequente e a 1ª executada, esta, em 4 de Março de 2008, reconheceu a rescisão do contrato de franquia, por falta de pagamento de facturas, e a caducidade do Memorando de Entendimento de 3 de Agosto de 20O7, constante do documento de regularização de dívida dado à execução, por inexecução do calendário ali acordado, tendo a exequente instaurado, em França, uma ação declarativa de condenação contra a ora 1ª executada com base no mesmo documento;

A cessação do contrato subjacente ao título dado à execução é totalmente imputável à exequente, assistindo à ora 1ª executada o direito a uma indemnização total de € 5.015.157,29, pela qual se deverá operar a compensação sobre o crédito peticionado, devendo ainda a exequente ser condenada a pagar à referida executada a quantia de € 2.824.697,18.

Em resumo, concluiu a 1ª Executada que seja julgada totalmente procedente a oposição por ela deduzida e, consequentemente, que:

a) - Seja a executada absolvida da instância, por incompetência do Tribunal português;

b) - Seja o documento apresentado desprovido de força executiva, quer face à lei francesa quer por aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001;

c) - Seja a obrigação exequenda considerada inexigível e, como tal, o título tido por inadequado;

d) - Seja julgado procedente o pedido de compensação formulado em sede de ação declarativa que corre termos na França e, por isso, considerada inexigível a quantia exequenda e destituída de valor e força executiva.

Foi também deduzida oposição, noutros autos apensos, pelos executados CC e DD, alegando, além dos argumentos aduzidos pela 1ª Executada, o seguinte:

O contrato de fiança celebrado entre os oponentes CC e DD e a exequente não é mais do que uma decorrência do acordo celebrado entre a executada BB e a exequente, não podendo ser invocado como título executivo autónomo sem a prévia invocação do acordo celebrado entre a executada sociedade e a exequente;

Os oponentes não assumiram a qualidade de devedores principais na fiança por si prestada, não sendo principais pagadores da mesma;

Assim, não sendo a execução instaurada da competência dos Tribunais portugueses, também não se aplica a lei portuguesa, pois deve seguir o processo de execução da 1ª executada, enquanto devedora principal.

A exequente contestou, sustentando o seguinte:

O pacto privativo de jurisdição respeita apenas aos litígios decorrentes da interpretação e aplicação das cláusulas do acordo e não à ação executiva instaurada para cumprimento do mesmo;

O normativo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 invocado pela oponente para a atribuição de competência ao Tribunal de Paris não é aplicável ao caso em apreço, pois não respeita a ações executivas mas apenas à competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica, ou seja, ações de natureza declarativa;

Admitindo que a lei substantiva aplicável ao acordo celebrado é a lei substantiva francesa, não é contudo extensível tal competência à lei adjetiva, a qual estabelece o que se deve, ou não, entender que constitui título executivo;

Atento o disposto no artigo 46º, n.º 1, alínea c), do CPC, lei adjetiva aplicável ao acordo em apreço, os documentos dados à execução são títulos executivos;

No que respeita à inexequibilidade material do acordo exequendo, as obrigações assumidas pela oponente sociedade não foram sujeitas a qualquer condição suspensiva decorrente do cumprimento das obrigações assumidas pela exequente;

Acresce que não foi convencionado que o plano de pagamentos discriminado no acordo exequendo estava dependente do cumprimento por parte da exequente das obrigações por si assumidas;

Inexiste sinalagma entre as obrigações assumidas pela exequente e as obrigações assumidas pela oponente, desde logo porque a obrigação de pagamento da dívida não é a razão de ser das obrigações assumidas pela exequente no...

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