Acórdão nº 4867/08.6TBOER-A.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 08-11-2018
Judgment Date | 08 November 2018 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Procedure Type | REVISTA |
Acordao Number | 4867/08.6TBOER-A.L2.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
I – RELATÓRIO
1. A AA Group instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra BB, Lda. e ainda contra CC e cônjuge, DD, pedindo o pagamento pela 1.ª executada da quantia de €2.083.189,00 a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos no valor de €107.271,11, bem como nos vincendos, e pelos 2.ºs executados, na qualidade de fiadores, da quantia de €1.000.000,00, tudo com base em acordo de regularização de dívida, resultante de aquisição de mercadorias no quadro de contrato de franquia de produtos da marca “Manoukian”.
A 1.ª executada veio deduzir oposição à execução, que passou a constituir o apenso “A”, invocando a exceção de incompetência territorial, bem como que o documento que servia de base à execução estaria desprovido de força executiva, sendo que o contrato subjacente à dívida sofreu várias vicissitudes que determinaram a instauração de uma ação declarativa em França contra a exequente com base no mesmo documento, assistindo à executada um crédito sobre aquela no valor de €5.015.157,29, devendo operar-se a compensação dos créditos recíprocos, sem prejuízo da condenação da exequente a pagar-lhe a quantia de €2.824.697,18.
Por sua vez, os 2.ºs executados também deduziram oposição à execução, em processo que constituiu a apenso “B”, invocando, para além dos fundamentos alegados pela 1.ª executada, que o contrato de fiança em se sustentava a sua demanda era uma decorrência do contrato celebrado entre a exequente e a “BB”, sendo que a sua obrigação era meramente acessória e não se assumiram como principais pagadores.
Ambas as oposições foram contestadas pela exequente e, por despacho de fls 616, foi ordenada a sua junção num só processo, por forma a serem tramitadas de forma unitária no apenso “A”, sendo então fixado que o valor da causa seria de €2.190.460,11 pela oposição do apenso “A” e de €1.000.000,00 pela oposição do apenso “B”.
De seguida foi logo proferido despacho saneador-sentença que julgou as oposições à execução improcedentes, determinando o prosseguimento da execução, condenando os opoentes nas custas do processo.
Os executados-embargantes recorreram em conjunto, tendo a apelação sido julgada por improcedente, por acórdão do Tribunal da Relação de … de fls. 851 a 896, que condenou os apelantes nas custas.
De seguida, os mesmos apresentaram recurso de revista excecional, que foi admitido quanto à exceção da compensação (cfr. fls. 1161 a 1163), mas, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 1177 a 1188, também foi negada procedência a esse recurso e confirmado o acórdão recorrido.
2. Findos os autos, foi elaborada a respectiva conta a 10 de abril de 2014, fixando-se aí a responsabilidade dos executados-embargantes em €23.358,00 (cfr. fls 1204).
Os executados vieram então reclamar da conta, solicitando a sua reforma por considerarem que a questão não oferecia complexidade, quer quanto ao primeiro recurso, quer quanto ao segundo, e que não justificavam o valor da taxa de justiça cobrada de €12.597,00, em cada caso. Sustentaram também que o valor da taxa de justiça já paga pelas partes era superior ao indicado e, por isso, deveria ser reformada a conta. Requereram ainda a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por aplicação direta do disposto no art. 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais [RCP], ou, pela inconstitucionalidade das normas que levam à recusa da sua aplicação.
Após informação do funcionário contador e parecer desfavorável do M.º P.º (cfr. fls. 1234 a 1239), foi proferido despacho de fls. 1240 a 1248, datado de 16 de Julho de 2014, que ordenou a reforma da conta quanto ao valor das taxas de justiças já pagas, mas no mais julgou improcedente a reclamação.
3. Irresignados com esta decisão, os executados CC e DD interpuseram recurso de apelação para a Relação de …, o qual foi julgado improcedente e confirmada na íntegra tal decisão, porém, com voto de vencida por parte da Exm.ª 1.ª Adjunta.
4. De novo inconformados, interpuseram os mesmos executados o vertente recurso de revista, o qual encerram com as seguintes conclusões:
A. Veio o Tribunal a quo sustentar que o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi apresentado extemporaneamente pelos Recorrentes, improcedendo, por esse 1.° motivo, o recurso de apelação interposto. Sem razão.
B. Em 1." lugar, não resulta do no n.° 7 do artigo 6.° do RCP o momento até ao qual aquele pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve, ou não, ser deduzido pela parte a quem o mesmo aproveita.
C. O comando legal que desta disposição emana é, em primeira linha, dirigido ao Juiz (e ao interessado em requerer o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça). É, pois, o Juiz quem tem o poder-dever de verificar se a especificidade da situação justifica (ou não) a dispensa daquele pagamento do remanescente.
D. Como tal, do citado artigo não decorre, expressa e claramente, que o momento processual adequado para a formulação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça seja (i) quer em sede de sentença ou decisão final, (ii) quer em momento posterior à elaboração da conta de custas.
E. Veja-se, aliás, que no Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 07.11.2013, proferido no processo n.° 332/04.9TBVPA.P19 [ No mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.07.2012, processo n.° 741/09.7TBCSC.L2-7; do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.11.2013, processo n.° 09/12; do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03.12.2013, processo n.° 1394/09.8TBCBR.C1; do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.12.2013, processo n.° 1586/08.7TCLRS-L2-7; do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.02,2015, processo n.° 11701/14; do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04.05.2017, processo n.° 1719/15.7BELSB e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.12.2017, processo n.° 1864/05.7TMLSB-B.L1 -1, todos disponíveis em www.dgsi.pt] e disponível em www.dgsi.pt se entendeu claramente - interpretando a disposição aqui em apreço -que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode (e deve) ser conhecido pelo Juiz do processo mesmo após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo.
F. Em 2.° lugar, também improcede o argumento avançado na decisão recorrida relativamente ao elemento literal de interpretação do n.° 7 do artigo 6.° do RCP. É que não é possível extrair qualquer elemento temporal da utilização da expressão "salvo se", constante do n.° 7 do artigo 6.° do RCP. Trata-se apenas de uma expressão que permite introduzir uma exceção àquela que, em princípio, será a regra: a de que o remanescente da taxa justiça é considerado na conta a final.
G. No entanto, no n.° 3 do mesmo artigo 6.° do RCP o legislador especifica, de modo expresso e claro (aqui sim), momentos temporais. Pode, pois, concluir-se que se tivesse sido intenção do legislador delimitar temporalmente o momento de apresentação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tê-lo-ia feito, tal como o fez no n.° 3 daquele artigo 6.°.
H. Atendendo ao elemento teleológico do preceito em mérito, a ratio da previsão legal é a de permitir ao Juiz "(,,.) adequar o valor da taxa de justiça aos custos aproximados do processo em concreto por forma a salvaguardar também os valores, da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização Ipagamento das custas processuais (...)" [ vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2017, processo n.º 0586/15, em www.dgsi.pt ]. Rejeitar, por extemporâneo, um pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça porque deduzido posteriormente à elaboração da conta final não atende à teleologia do preceito legal.
I. Em 3.° lugar, também não colhe a argumentação aduzida na decisão recorrida quanto à alegada inutilidade dos atos de feitura da conta final e sua notificação às partes (com eventual "risco" de anulação de atos praticados), com a dedução do pedido de dispensa do pagamento do remanescente após a elaboração da conta final.
J. Não é pelo facto de apenas se requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a elaboração da conta final que este ato é ou se torna, por si só, inútil.
K. O apuramento dos montantes a que se reporta a conta final poderá, aliás, ser decisivo para determinar os pressupostos de aplicação do regime do artigo 6.°, n.° 7 do RCP, pelo que o momento subsequente à elaboração da conta final é o momento mais adequado para a formulação de juízos de proporcionalidade entre aquilo que foi exigido do Tribunal e aquilo que deve efetivamente ser prestado.
L. Mais: a inutilidade a que a decisão recorrida se reporta encontra apanágio no artigo 130.° do CPC. Só que, não estando em causa a prática de um ato que tenha "o efeito de complicar o processo" [citando o Professor José Lebre de Freitas, que se debruça sobre o artigo 130.° do CPC] não se pode aceitar que a dedução do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a elaboração da conta final passe a constituir um "ato inútil", pois não estamos perante qualquer dos casos do artigo 130.° do CPC e também estamos no âmbito do exercício de um direito que às partes é consagrado.
M. Ainda que se não reconheça a utilidade do ato de elaboração da conta final - o que não se aceita -, este ato também nunca poderia ser considerado como inútil, sendo considerado, quando muito, como ato "supérfluo" ou "desnecessário" [nas palavras do Professor Alberto dos Reis ].
N. Repare-se ainda que a proibição da prática de atos inúteis é uma manifestação do princípio da economia processual. Tendo-se concluído que o n.° 7 do artigo 6.° do RCP é uma emanação do princípio da proporcionalidade - n.° 2 do artigo 18.° da CRP - sempre se concluiria que este...
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