ACÓRDÃO Nº 485/2018
Processo n.º 441/17
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que são recorrentes o Ministério Público e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e recorrida a A., S.A., esta última apresentou pedido de pronúncia arbitral, no qual peticionou a declaração de ilegalidade de atos de liquidação do Imposto do Selo do ano de 2015, praticados dos pela AT com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), por entender que deveria ser desaplicada, no caso concreto, tal verba em virtude de a mesma enfermar de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva.
2. Em 18 de abril de 2017, decidiu o tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular as liquidações impugnadas (Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 416/2016-T, acessível a partir da ligação https://caad.org.pt/tributario/decisoes/). Para tanto, considerou, em relação à questão de inconstitucionalidade suscitada, que «a verba 28.1 da TGIS, na redação em vigor à data do facto tributário, é materialmente inconstitucional, porquanto sujeita a tributação em Imposto do Selo, a propriedade dos «terrenos para construção» cujo VPT seja superior a € 1 000 000,00, na medida em que se aplica a hipóteses em que os “terrenos para construção” pertencem a empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção» (fls. 9, v.º) . Fundamentou o seu juízo nos seguintes termos:
«[A]s empresas com este escopo social [– compra e venda de terrenos para construção ou construção de edifícios para habitação –] necessitam inexoravelmente de adquirir “terrenos para construção” para realizarem a sua finalidade social, pelo que não é possível sustentar que revelem uma adicional capacidade contributiva. Mais, a tributação não tem conexão com o rendimento real da atividade comercial destas empresas e mantém-se mesmo naqueles exercícios em que existem prejuízos, acentuando-se a sua intensidade. Deste modo, não encontramos razões para impor esta tributação adicional às empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção.
Nesta linha, não se encontram fundamentos para diferenciar as empresas que se dedicam à venda de terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que os vendem para outras finalidades. Consequentemente, a verba 28.1 da TGIS corporiza uma discriminação negativa infundada das empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção, violadora do princípio da igualdade e, como tal, inconstitucional.» (fls. 9).
3. É desta decisão que vêm interpostos os recursos de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional ou LTC), pedindo-se que este aprecie a conformidade da norma recusada da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (tributação anual sobre a propriedade de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1 000 000,00).
4. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar.
4.1. O Ministério Público, transcrevendo parcialmente a alegação por si produzida num outro processo em que foi abordada expressamente a questão de o contribuinte ser uma pessoa coletiva que se dedica à compra e venda de terrenos para construção (Processo n.º 340/16, da 3.ª Secção), concluiu a sua alegação nos seguintes termos:
«1.º - A norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário (VPT) seja igual ou superior a € 1000 000, não é inconstitucional.
2.º -A mesma norma, “na medida em que se aplica a hipóteses em que os «terrenos para construção» pertencem a empresas que se dedicam à compra e venda de terrenos para construção”, não viola o princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional.
3.º - Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso.»
4.2. Das conclusões da alegação da AT, relevam para a decisão do presente recurso as seguintes:
«[…]
L. A verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel.
M. O legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efetivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adotado) exigida para o pagamento deste imposto.
N. Veja-se que a diminuição de desigualdades, que presidiu, como infra se demonstrará, à apresentação da Proposta de Lei n.º 96/XII (2.ª), nela pretendeu o legislador distribuir os sacrifícios impostos pela Austeridade, por todos, permitindo a discriminação de patrimónios, sem que tal como pretende a Requerente, ofenda disposições Constitucionais, nomeadamente o principio da igualdade, quer de per si, quer na sua vertente da capacidade contributiva,
O. pois que daqui não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, pois que são tratadas de forma diferente situações diferentes, ao arrepio daquele principio constitucional.
P. É, inequivocamente, uma norma de caráter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito.
Q. O facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000,00) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos imóveis que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.
R. A verba 28.1 TGIS surgiu num contexto excecional e de evidentes dificuldades que o País, em especial as contas públicas, enfrentavam no decorrer do cumprimento do programa de ajustamento a que a República Portuguesa se obrigou e que teve como documento orientador o Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17 de maio de 2011. […]
T. Advém, assim, da exposição de motivos supra transcrita, das declarações do Exmo. Secretário de Estado dos...